Estamos diante da 3ª revolução do agro, a qual nos mostra, às duras penas, que ter alta produtividade não basta, temos que aliar produção ao domínio pleno da gestão dos números e a um aumento do conhecimento de mercado dos produtos que produzimos.
Nos últimos meses o estado anímico do produtor rural brasileiro caiu no limbo. Além dos preços em franco declínio, a situação política do nosso país pesou bastante, dentre outros fatores. Pude ver isso presencialmente em palestras que fiz nas últimas quinzenas em vários estados, a saber Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia, Goiás, Acre e Maranhão.
Não vendo ilusões, portanto, sou o primeiro a reconhecer que a situação de 2023 não está fácil, de fato. Mas, trago uma reflexão salutar: ficar sintonizado num clima de “fim de mundo”, de desesperança absoluta total, de desânimo absurdo, será que ajuda em algo? Ou será que não seria melhor reconhecer as dificuldades, mas, ao mesmo tempo, sintonizar no aprendizado que essas dificuldades entregam e sobretudo nas oportunidades que toda crise carreia? A crise de preços das commodities agrícolas de 2023 não é a primeira, tão pouco será a última.
Preços derivam da eterna lei de oferta/demanda. O ciclo pecuário está em pleno curso ao entregar cerca de 4.8% a mais de animais abatidos no primeiro trimestre de 2023, frente ao mesmo período de 2022, nos números do IBGE. Dissecando mais essa informação, vemos que o aumento de abates de bovinos foi devido basicamente ao aumento de oferta de fêmeas, visto que enviamos 17.9% a mais de novilhas/vacas para os frigoríficos.
Isso se deu devido ao profundo desestímulo e decepção dos criadores com os preços dos bezerros durante 2022, ano que ostentou queda muito relevante de valores, ao ponto de esse ano passado ter sido o primeiro em duas décadas, em que o número de protocolos de IATF comercializados no Brasil retrocedeu frente ao ano anterior. Além disso, vimos uma queda grande no número de doses de sêmen comercializadas (redução de 9.6% – dados do VRA, FMVZ/USP, Asbia). Todo esse desânimo gerado pela redução relevante da margem da cria no ano passado, fez aumentar o número de abate de vacas/novilhas no ano corrente.
E toda vez que a oferta de fêmeas ao abate aumenta, principalmente em momentos em que as demandas interna e externa não estão pujantes (como agora), os preços da arroba sentem muito fortemente. Foi assim em 2017. Está sendo assim em 2023. Poderá ser assim em 2028. O número de anos do intervalo entre as crises de preços pode mudar, mas fica entre 4 a 7…
Contudo, lembremos! De outra sorte, depois do sangue da curva de preços de 2017, vieram os anos dourados de 2019/2021, com altas vertiginosas (no gado de reposição e no gado gordo). Mas ainda depois do sangue de 2023, deveremos ver os anos dourados de 2025/2026, os quais, se Deus quiser e o ciclo pecuário permitir, oferecerão curvas de preços fortemente construtivas. Essa alternância de fases ocorre porque anos de forte abate são sucedidos por anos de forte retenção de fêmeas. Assim sempre foi, assim sempre será, mesmo em países em que a tecnologia produtiva é superior à nossa, como no caso dos EUA (há estudos de ciclo pecuário de longíssima data por lá).
E isso ocorre por um simples motivo: os produtores fazem as suas tomadas de decisão pensando nos preços do retrovisor. Deveriam fazê-lo com base dos preços no para-brisa (previsões futuras)! Funciona assim: quando o bezerro atinge R$ 3.000,00, melhorando a margem da cria, a maioria dos criadores seguram as suas fêmeas para no ano seguinte colher um bezerro de R$ 3.400,00 (essa é a expectativa corrente na mente da maioria).
Da mesma forma, que, ao cair de R$ 3.000,00 para R$ 2.000,00, a maioria dos criadores, por sentir perda relevante de margem, decide reduzir o plantel de fêmeas abrupta e imediatamente. Essa oscilação “no amor da vaca”, determina o destino dos preços. Deu para perceber que a coisa é cíclica, ao sabor da vontade do criador abater ou não as suas novilhas/vacas? A vaca é quem manda no preço do boi, como diz o Rogério Goulart.
Mas é só entender o ciclo pecuário que dominaremos a flutuação dos preços dos bovinos? Antes fosse… Claro, o ciclo é fundamental, digo que ele é a alma da tendência de preços da pecuária. Mas, fatores como política, clima, preços de proteínas concorrentes (frangos, suínos, ovos), preço de insumos agropecuários (incluso o próprio milho e soja), e a economia do mercado interno e externo são atores fundamentais. E por fim, para um país que exporta quase 30% da sua produção de carne bovina, as questões relacionadas à sanidade animal/habilitações e acordo comerciais tem tido relevância fundamental para a volatilidade dos preços.
Em resumo, estamos diante da 3ª revolução do agro, a qual nos mostra, às duras penas, que ter alta produtividade não basta, temos que aliar produção ao domínio pleno da gestão dos números e a um aumento do conhecimento de mercado dos produtos que produzimos. Devemos aliar excelência zootécnica/agrícola à excelência financeiro, amalgamando gestão interna da propriedade e conhecimento de mercado, em especial gestão de risco de preços. Enquanto não entendermos isso, as crises serão cada vez mais dolorosas, pois a volatilidade bate recordes.
Portanto, sabedores de tudo isso, ao invés de mergulhar no abismo do pessimismo, que inunda os aplicativos de mensagens dos grupos de produtores rurais, não seria mais interessante dissecar e entender as forças de oferta/demanda que regem os preços futuros dos produtos que arduamente produzimos e evoluirmos como produtores? A agropecuária é um convite impositivo à sua própria evolução, como gestor. E se todo esse entendimento não existia previamente e, portanto, não foi suficiente para amenizar essa crise, desejo que ele seja abundante quando a próxima chegar, lá para meados de 2028, provavelmente!
Aliás, a gente vai ficando velho e vai tendo cada vez mais a mania de dar conselhos… E se eu pudesse dar conselhos para os agropecuaristas (incluso a mim), eu daria apenas três, a saber: faça o básico muito bem-feito; tome decisões em cima de números; esteja preparado para os anos ruins, ou seja, tenha um caixa de emergência, porque, nas crises, ninguém tem dó de ninguém!
Fonte: Rodrigo Albuquerque
ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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