O que você precisa saber sobre ‘carne cultivada’ e outras proteínas alternativas

Proteínas alternativas referem-se a fontes proteicas provenientes de plantas, produzidas a partir do cultivo de células ou obtidas através de fermentação convencional, biomassa ou precisão

No final do mês passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou uma resolução que regula o procedimento de validação de segurança e concessão de autorização para novos alimentos e ingredientes destinados ao consumo humano no território brasileiro. Esse documento estabeleceu diretrizes que orientam a produção de diversas proteínas alternativas, incluindo aquelas derivadas da chamada carne cultivada.

De maneira ampla, a Resolução de Diretoria Colegiada 839/2023 alterou a definição de novos alimentos e ingredientes, introduziu a inclusão específica de novos produtos obtidos por fermentação ou originados de culturas de células ou tecidos, e delineou critérios para a divulgação de informações não confidenciais contidas nos pareceres da Anvisa referentes a novos alimentos e ingredientes.

Proteínas alternativas

Proteínas alternativas referem-se a fontes proteicas provenientes de plantas, produzidas a partir do cultivo de células ou obtidas através de fermentação convencional, biomassa ou precisão – esta última técnica emprega microorganismos para sintetizar ingredientes específicos, como proteínas, moléculas de sabor, vitaminas e até mesmo gorduras. Por outro lado, os produtos híbridos resultam da combinação dessas diversas tecnologias.

Atualmente, é possível afirmar que o Brasil estabeleceu um marco normativo para duas das três tecnologias presentes no âmbito das proteínas alternativas: cultivo celular e fermentação de precisão. Alysson Soares, especialista em políticas públicas do The Good Food Institute (GFI) Brasil, uma organização sem fins lucrativos dedicada a impulsionar a inovação no setor de proteínas alternativas em escala internacional, destaca esse avanço.

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A regulamentação aborda a aprovação desses alimentos destinados ao consumo humano, estipulando critérios para o registro em conformidade com a visão da agência de que representam alimentos seguros. Estes alimentos agora se unem às proteínas de base vegetal, que, ao incorporarem ingredientes e processos já estabelecidos, já estavam sujeitas a regras preexistentes.

Marcos Pupin, diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), esclarece que as proteínas vegetais amplamente utilizadas na indústria não serão afetadas pela nova regulamentação, pois já possuem histórico de consumo e são consideradas seguras para práticas tradicionais.

Na prática, a alteração significa que os produtos provenientes de cultivo celular agora integram a lista de novos alimentos e ingredientes da Anvisa. Anteriormente excluídos, esses produtos não podiam ser comercializados no Brasil, e o processo de registro para novos produtos fora dessa lista não estava claro.

Desafios na normatização

No entanto, peritos destacam que a recente normatização não esclareceu o método de supervisão do processo de fabricação de alimentos e ingredientes provenientes de cultivo celular e fermentação de precisão. Outras formas de fermentação já possuem regulamentação há mais tempo devido à sua utilização na produção de cerveja e vinho (fermentação tradicional) e no setor de energia (fermentação de biomassa).

Adicionalmente, os especialistas afirmam que o processo de avaliação da segurança dos novos alimentos e ingredientes ainda requer refinamento para evitar obstáculos no processo de análise por parte da Anvisa.

Esse aprofundamento se torna vital para assegurar a segurança alimentar. Uma pesquisa conduzida pelo GFI em colaboração com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) identificou os riscos e as medidas de controle necessárias para a carne cultivada.

Perigo?

Os pesquisadores constataram que a maioria dos perigos, como resíduos de drogas veterinárias e auxiliares de processamento presentes no produto final, além de microorganismos provenientes dos animais doadores ou de falhas de manipulação durante o processo, já são conhecidos na produção de alimentos convencionais.

Consequentemente, as ferramentas e os sistemas de gestão comumente utilizados na indústria de alimentos demonstram utilidade na garantia da segurança dos produtos provenientes de cultivo celular.

“Uma abordagem eficaz percebida pela indústria é a criação de um guia que elenque os requisitos fundamentais. Isso facilitaria o processo de elaboração e submissão dos dossiês à Anvisa, proporcionando maior agilidade para as empresas e na análise dos dossiês pela agência,” enfatiza Marcos Pupin, representante da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI).

Por outro lado, a recente resolução da Anvisa oferece segurança jurídica às empresas que optam por investir no mercado de proteínas alternativas no Brasil.

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Foto: Reprodução/Scot Consultoria

“A partir de agora, o processo para o registro de novos alimentos provenientes de técnicas de cultivo celular e fermentação de precisão está mais transparente. Na prática, isso sugere que nos próximos anos podemos esperar um aumento nos investimentos por parte das empresas nesse setor,” afirma Soares, do GFI Brasil.

Dessa forma, a expectativa é que, ao longo de alguns anos, isso resulte em uma ampliação na oferta desses produtos para os consumidores brasileiros, possivelmente a preços mais acessíveis. “Isso não será instantâneo e demandará algum tempo para que esses alimentos cheguem às mesas dos consumidores,” acrescenta Soares.

Expansão do mercado

Conforme o monitoramento da Euromonitor, o faturamento do mercado de proteínas vegetais no Brasil atingiu aproximadamente R$ 820 milhões em 2022, registrando um aumento de 42% em relação ao ano anterior. As vendas de leites vegetais alcançaram a marca de R$ 612 milhões. A projeção é que até 2026, o setor ultrapasse os R$ 2,1 bilhões em vendas no mercado nacional.

No contexto global, a consultoria McKinsey estima que o mercado mundial de carne cultivada com células possa atingir a marca de US$ 25 bilhões até 2030.

“O Brasil oficialmente ingressa na competição global para manter sua posição de destaque na produção de proteínas para consumo humano. Outros países estão avançando rapidamente na regulamentação desses produtos”, explica Alysson Soares, do GFI Brasil.

Em 2020, Singapura se tornou o primeiro país a autorizar a venda de carne cultivada para consumo humano, onde um hambúrguer cultivado pode ser adquirido por US$ 25 e um peito de frango cultivado por US$ 23 na capital do país.

No ano passado, a Food and Drug Administration (FDA), equivalente à Anvisa nos Estados Unidos, concluiu a análise de segurança de produtos de duas marcas de carne cultivada, tornando-se o segundo país a aprovar a venda desse tipo de alimento.

No início deste ano, Israel entrou para a lista dos países pioneiros ao autorizar a venda de carne cultivada, tornando-se a terceira nação a adotar essa prática para atender às necessidades alimentares de sua população.

Uma abordagem essencial

O avanço do mercado de proteínas alternativas tornou-se uma questão crucial por duas razões fundamentais: o aumento expressivo na demanda por alimentos e a iminente crise climática.

A primeira razão refere-se à urgência de suprir as necessidades alimentares de uma população global em constante crescimento. De acordo com projeções da ONU, espera-se que a população mundial atinja 9,7 bilhões de pessoas até 2050. A fim de alimentar esse contingente, será necessário aumentar a produção de proteínas em 70%, conforme alertado pela própria Organização das Nações Unidas.

Ademais, a atual realidade inclui a persistência da fome. Segundo um relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) de 2022, aproximadamente 70,3 milhões de brasileiros enfrentaram insegurança alimentar moderada naquele ano, caracterizada pela dificuldade em se alimentar e pela necessidade de reduzir a quantidade e a qualidade dos alimentos consumidos. Globalmente, o relatório destaca que cerca de 828 milhões de pessoas são afetadas pela fome em todo o mundo.

Assim, ao invés de simplesmente substituir outras categorias de alimentos, as proteínas alternativas desempenham um papel essencial ao se integrarem à oferta alimentar existente, sem excluir as fontes atualmente produzidas e disponíveis.

A segunda justificativa para a necessidade urgente de diminuir a dependência das proteínas animais está associada à mitigação dos impactos ambientais. O arroto de bovinos e outros ruminantes é uma das principais fontes de emissão de metano, um dos contribuintes significativos para o efeito estufa.

Devido ao extenso tamanho de seu rebanho, o Brasil figura como o quinto maior emissor global de metano. Essa situação é alarmante devido ao impacto do metano na elevação da temperatura atmosférica: ao longo de cem anos, o metano aquece o planeta entre 28 e 34 vezes mais do que o CO2, por exemplo.

Escrito por Compre Rural

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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