O que o produtor ganha por investir em sustentabilidade no agro?

A mais frequente pergunta ouvida quando se apresenta aos produtores rurais uma proposta para que ele adote práticas sustentáveis em suas propriedades é: “Ok, mas o que eu ganho com isso?”

Por Aline Locks* – Há uma série de respostas possíveis, ouvidas sempre com uma ponta de desconfiança de que aquilo não passe de discurso. A prática, muitas vezes descritas por agricultores e pecuaristas já envolvidos em projetos de produção responsável, mostra que os resultados acontecem, muitas vezes, em função de um efeito colateral bastante positivo: ao investirem nessas práticas, eles passam a conhecer melhor o seu negócio e incrementam a gestão da sua propriedade como um todo.

No ambiente corporativo, a mesma pergunta é feita muitas vezes aos gestores das áreas de sustentabilidade pelos seus pares responsáveis pelas finanças. E a resposta, agora, tem sido dada em números positivos.

Segundo um estudo feito pela consultoria Deloitte e a Universidade de Nova York (NYU) junto a 350 executivos de empresas agrícolas e indústrias de alimentos, nada menos do que 99% delas relacionam aumentos de receitas e 98% redução de custos, ao longo de três anos, como resultado aos seus investimentos em estratégias de sustentabilidade. O aumento de receita supera os 2% em mais de 80% das empresas.

O estudo traz alguns casos específicos que ajudam a entender essa relação. Na rede de fast-food McDonald’s, por exemplo, um executivo da área de sustentabilidade detalhou que “modelos conduzidos por economistas independentes sobre a relação custo-benefício de iniciativas climáticas na agricultura para a empresa nos EUA constataram que cada dólar investido em mitigação gerou quase três dólares de benefícios, resultando em maior resiliência da cadeia de fornecimento”.

Outro caso citado é o da Mars, indústria de alimentos e rações, que desenhou, juntamente com o Centro para Negócios Sustentáveis (CSB, na sigla em inglês) da NYU, um modelo para medir os benefícios de investir em um fundo para apoiar os agricultores na adoção de práticas responsáveis.

Criado para financiar pequenos agricultores na restauração de ecossistemas naturais degradados, construir cadeias de abastecimento sustentáveis e melhorar os meios de subsistência comunidades das rurais, o fundo apontou melhorias na eficiência operacional desses fornecedores, muitos deles transformados em parceiros comerciais diretos da companhia, sem intermediários. Na cadeia de coco, segundo o estudo, o retorno do investimento (ROI) variou entre 20% e 33%.

As estratégias são variadas, mas em geral convergem para a necessidade de se estabelecer parcerias, não apenas com produtores, mas com financiadores, provedores de tecnologia e executores capazes de congregar os diferentes universos e engajar os diversos elos da cadeia, de ponta a ponta.

Alguns dos modelos que têm apresentado bons resultados envolvem:

– Parcerias e Coinvestimentos: As empresas podem estabelecer parcerias com produtores rurais para co-investir em tecnologias e práticas sustentáveis. Isso pode incluir financiamento para a adoção de agricultura regenerativa, sistemas de irrigação eficientes, energia renovável e outras tecnologias que reduzam o impacto ambiental e aumentem a eficiência;

– Programas de Capacitação: Oferecer programas de capacitação e assistência técnica aos produtores para implementar práticas sustentáveis. Isso pode incluir treinamentos em manejo integrado de pragas, rotação de culturas, conservação do solo e uso eficiente de recursos;

– Certificações Sustentáveis: Incentivar e apoiar os produtores rurais na obtenção de certificações sustentáveis. Essas certificações podem abrir acesso a mercados premium e permitir que os produtores obtenham preços mais altos por seus produtos;

– Contratos de Longo Prazo: Oferecer contratos de longo prazo aos produtores rurais que adotam práticas sustentáveis, garantindo uma fonte de renda estável e segurança financeira para investir em sustentabilidade;

– Compartilhamento de Dados e Tecnologia: Facilitar o acesso dos produtores rurais a dados e tecnologias que possam ajudá-los a monitorar e melhorar suas práticas agrícolas. Isso pode incluir ferramentas de agricultura de precisão, sistemas de gestão agrícola e plataformas de troca de informações;

– Mecanismos de Pagamento por Serviços Ambientais: Implementar mecanismos de pagamento por serviços ambientais, em que os produtores rurais são compensados financeiramente por práticas que preservam o meio ambiente, como conservação de áreas de mata nativa, recuperação de áreas degradadas e proteção de recursos hídricos.

Essas ações ajudam a proporcionar aos produtores rurais um retorno financeiro sobre seus investimentos em práticas sustentáveis.

A questão é que a visão do ganho, em muitas empresas, ainda não parece tão evidente quanto o risco de perder com a inação. Um total de 57% dos entrevistados indicou que atrasos ou a falta de investimento em programas de sustentabilidade acarretaram em perdas de receitas. 68% deles relataram aumento dos custos.

Assim, a gestão de riscos foi apontada como a principal causa para a inclusão de estratégias de mitigação climática, por exemplo. Entre as principais ações que resultaram em ganho de receita estão a venda de produtos que permitem a rastreabilidade de sua origem sustentável, além de iniciativas em torno da segurança alimentar e da redução da utilização de produtos químicos nocivos.

Ações junto à cadeia de fornecimento, tornando-as mais responsáveis, foram, curiosamente, apontadas entre as principais formas de reduzir custos. Entretanto, o fornecimento sustentável e responsável da cadeia de abastecimento estava entre as principais formas de reduzir custos.

Esse ponto revela uma questão a ser aprofundada nas conversas entre empresas, seus mercados e seus fornecedores. Aparentemente, elas ganham mais com uma melhor percepção de seus consumidores de que adotaram e exigiram de seus fornecedores práticas responsáveis ao longo da cadeia produtiva.

Entretanto, embora transfiram parte da responsabilidade, declaram gastar menos com o fornecimento responsável. Ou seja, não compartilham os ganhos com quem está na ponta inicial dessa cadeia. Aqui se encontram os produtores rurais. Sem que respostas efetivas às suas perguntas sejam dadas e essa conta também lhes seja favorável, quase ninguém ganhará com isso.

*Aline Locks é engenheira ambiental, cofundadora e atual CEO da Produzindo Certo

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