A reposição da fazenda começa no momento em que a vaca da a vida a uma bezerra. Portanto, os cuidados e manejos a serem adotados são importantes
A revista Mundo do Leite, entrevistou Carla Bittar, professora do Departamento de Zootecnia da Esalq/USP com mestrado na Universidade do Arizona, e ela trás algumas considerações que são de extrema importância para o produtor que quer aumentar sua lucratividade e produtividade.
Mundo do Leite – A partir de que momento o produtor deve começar a cuidar para ter uma vaca parindo em boas condições aos 24 meses de idade?
Carla Bittar – Desde o nascimento da bezerra. Ela vai nascer sem imunidade, e aí precisa consumir colostro. Caso essa tarefa não seja bem feita já tem um grande risco de morte desse animal. Para que ele tenha um animal parindo aos 24 meses este animal precisa sobreviver às primeiras semanas e pra isso ele precisa consumir colostro de maneira adequada.
ML – E qual é a maneira adequada?
CB – Ele tem que consumir pelo menos o correspondente a 10% do seu peso ao nascer nas primeiras seis horas de vida de um colostro de alta qualidade.
ML – E como o produtor sabe que o colostro é de alta qualidade?
CB – Ele tem ferramentas para medir isso na propriedade, que são o colostrômetro e o refratrômetro. São duas ferramentas de baixo custo de investimento – com R$ 200 a R$ 300 ele consegue comprar uma das duas ferramentas – e isso é pago muito facilmente. Se conseguir salvar uma bezerra, evitar que ela consuma um colostro de baixa qualidade, já pagou o equipamento.
ML – Como é o processo?
CB – Ele tem que ordenhar a vaca recém-parida e fazer a avaliação. Dependendo da qualidade que for medida ali ele toma a decisão de fornecer ou não fornecer aquele colostro. Se o colostro for de média a baixa qualidade ele não deve fornecer. Vai ter que recorrer ao que a gente chama de banco de colostro. Quando o produtor mede a qualidade e ela é alta, se a vaca produziu mais do que o bezerro precisa, ele congela e guarda o restante para utilizar quando outra vaca não produziu colostro ou em qualidade ou em quantidade necessária para o recém-nascido. Do mesmo jeito que a gente tem banco de leite materno a gente tem banco de colostro na propriedade para esse fim.
ML – Passadas essas primeiras seis horas, como proceder?
CB – O manejo nutricional é extremamente importante. No começo a bezerrinha não tem consumo de alimentos sólidos suficiente para garantir ganho de peso. É preciso fornecer a dieta líquida, que pode ser ou leite ou uma fórmula comercial que a gente chama de sucedânea. Quanto mais o produtor fornecer deste alimento maior é o ganho de peso, porque o animal está preparado para converter isso em crescimento. Mas ao mesmo tempo tem que fornecer alimento sólido para fazer com que a bezerra vá se habituando a essa dieta do animal adulto e para que o seu rúmen, o aparelho digestório, comece a se desenvolver para que se possa desaleitar esse animal num período que varia de sessenta a noventa dias.
ML – O alimento sólido é fornecido a partir de que momento?
CB – Desde os primeiros dias de vida já pode deixar à disposição do animal. Quanto mais cedo ele consumir, mais cedo vai alcançar um consumo que resulte nesse desenvolvimento do aparelho digestório. Ele vai ter um consumo que a gente chama de voluntário, mas quanto mais leite for fornecido menor é esse consumo, então tem que ir trabalhando com isso para que lá por volta de sessenta a noventa dias ele tenha um consumo que permita parar de fornecer a dieta líquida e ele continue ganhando peso. Isso vai ser função exatamente do trato digestório.
ML – Qual é a composição básica desse alimento sólido?
CB – A gente pode pensar nos alimentos concentrados ou volumosos como dieta sólida, mas para os animais mais jovens o ideal é fornecer só alimentos concentrados, que vão ser misturas basicamente de milho e farelo de soja. Mas é preciso também ter uma fonte de fibra nesse alimento que não necessariamente precisa ser um volumoso, por exemplo um feno picado. Pode ser utilizado, mas tem limites, porque se fornecer muita fibra, muito volumoso para esse animal, o desenvolvimento do rúmen acaba sendo atrasado. Pode-se usar até 5% de feno nesse concentrado, mas também pode utilizar ingredientes como casquinha de soja, polpa cítrica, farelo de trigo, que trazem na sua composição fibra, mas são fibras mais digestíveis pra esse animal que ainda está aprendendo a ser um ruminante. Esses ingredientes podem ter uma proporção um pouco maior, mas não muito.
ML – Tem algum mineral nessa composição?
CB – Tem sim. E vitaminas. Do mesmo jeito que a gente utiliza para vaca em lactação, a gente utiliza para esses animais. Existem misturas comerciais que são específicas para animais em aleitamento e elas vão compor essa mistura concentrada, de forma que o animal, ao consumir o concentrado, já está recebendo esses minerais e vitaminas. Não precisa deixar um saleiro como se faz em gado de corte, pro animal lamber. É diferente.
ML – Ao terminar a fase de aleitamento a bezerra já vai pro pasto?
CB – Quando eu desaleito esse animal, o ideal é manter a mesma dieta, porque o desaleitamento causa um estresse grande. Primeiro tem que deixar a bezerra se acomodar, para depois fazer alterações, como de instalação, e alterações da dieta. Aí já pode começar a fornecer feno, por exemplo. Normalmente, se o manejo permitir, pode começar a fornecer feno uma semana ou duas antes do desaleitamento, pra ela já ir se habituando, e depois do desaleitamento continua fornecendo uma quantidade grande de concentrado, que pode ser de até 2 quilos por dia, e além disso volumoso à vontade. No começo preferencialmente feno, mas lá pelo terceiro ou quarto mês pode começar a fornecer silagem. Se esse animal for alojado em um piquete ele vai voluntariamente começar a pastejar o que estiver disponível. Nesta primeira fase, é importante ter um manejo sanitário bem adequado, redondinho, porque os desafios são muito grandes. Tem muitas diarreias, problemas respiratórios, e muitos problemas com carrapatos, que vão causar a tristeza bovina. Esse começo é bem difícil com relação aos desafios que o ambiente traz. Depois que desaleita, ainda tem alguns problemas com tristeza bovina, mas o animal já não tem mais ocorrência de diarreias, por exemplo, que é a principal causa de morte. Mas há outros problemas: se desaleitar o animal quando ele não está preparado, ele começa a perder peso. Então tem que fazer esse processo de desaleitamento bem feitinho para não perder o investimento feito na primeira fase.
ML – Como saber se foi bem feito?
CB – É preciso ter certeza de que o animal está consumindo dieta sólida suficiente, por volta de 1 quilo por dia de concentrado. Quando se interrompe o fornecimento do leite, ele vai aumentar o consumo de dieta sólida. O consumo vai ser acelerado rapidamente. Mas para isso acontecer ele precisa ter esse mínimo de consumo que indica que o trato digestório dele está pronto pra isso.
ML – E a próxima fase?
CB – Na fase subsequente o maior problema é que os produtores acabam economizando muito na dieta desses animais, a nutrição fica aquém do desejável para que se tenha um animal com taxa de crescimento adequada para que ele chegue à puberdade em idade adequada. Ele deve ter volumosos de boa qualidade e continuar recebendo a suplementação com concentrado. O ideal é que esse animal tenha ganhos acima de 700 gramas por dia para que ele tenha o peso necessário para manifestar puberdade por volta de 12, 13 meses, e consiga emprenhar com 15 meses.
ML – Uma vez prenha, qual o cuidado?
CB – Depois disso, tem que se preocupar com a dieta pensando que esse animal tem que chegar com peso adequado ao parto, aos 24 meses. Ele precisa chegar com peso e condição corporal adequados porque no início da lactação vai ter que mobilizar reservas para manter sua produção de leite.
ML – Como convencer o produtor de que ele não pode economizar em nenhum momento dessa trajetória?
CB – São vários aspectos. Primeiro, esse animal é o que ele está preparando para substituir as vacas que vão deixar o rebanho por diferentes motivos de descarte. Ele tem que olhar esse animal como um investimento de longo prazo. Desde o aleitamento até o animal entrar em produção são 24 meses para que ele comece a ter o retorno desse investimento. Se ele é negligente com as taxas de crescimento, com a nutrição, manejo, e ele começa a estender ainda mais esse período até o primeiro parto, o retorno dele vai demorar mais. Se ao invés de entrar em produção aos 24 ela entrar aos 30 meses, porque ele economizou na dieta e o animal teve um crescimento mais lento, o retorno, ao invés de ser aos 24 meses, vai ser aos 30 meses. É isso que ele tem que pensar.
ML – Chegando no momento do parto, as novilhas precisam de algum manejo especial?
CB – Como as novilhas ainda não estão com seu peso adulto, que é o crescimento máximo, elas vão terminar esse crescimento durante a primeira lactação. Essa é uma categoria muito exigente, porque além de produzir leite ela vai terminar o seu crescimento. É por isso que a gente vê que da primeira para a segunda lactação tem aumento da produção de leite. Isso não é à toa. É que ela terminou de crescer e na segunda lactação tudo que ela consome é para a produção de leite. Em termos de composição da dieta as primíparas não têm exigência especial, mas se o produtor coloca vacas e novilhas de primeira cria no mesmo lote, as vacas são dominantes e as novilhas acabam tendo menor consumo da dieta. Então, separar é um manejo importante para evitar esses problemas, e entender que esses animais vão produzir menos do que aqueles animais que estão na segunda lactação porque ainda estão em crescimento. Se o produtor fizer tudo certo vai ter um animal com boa produção.
*Carla Maris Machado Bittar é professora do Departamento de Zootecnia da Esalq/USP com mestrado na Universidade do Arizona (EUA) e doutorado pela Universidade de São Paulo
*Matéria originalmente publicada na edição 92 da revista Mundo do Leite.
Fonte: Portal DBO