O que está acontecendo com o cruzamento no Brasil?

Especialista monta o cenário de passado, presente e futuro do cruzamento industrial no Brasil; venda de genética taurina caiu no último ano, veja possíveis motivos

Por Fernando Furtado Velloso* – A Central Leilões comemorou os seus 25 anos de trabalho com uma jornada de debates e de remates, naturalmente. O Road In Farm 2022 ocorreu em março com uma semana intensa de debates e leilões especiais em todas as noites. Tocou pra mim, pelo segundo ano, auxiliar a condução do dia e do painel que trata de cruzamento, que discute o uso de touros taurinos (raças europeias e sintéticas) na pecuária brasileira. A Central é uma das empresas leiloeiras que mais vende reprodutores no Brasil e em 2021 promoveu 230 remates. Temos que aproveitar para conversar e ouvir quem viu passar tanto touro pelo martelo. De A a Z, do Angus ao Zebu.

O cruzamento não é uma técnica nova na pecuária brasileira. Já tivemos diferentes fases, ajustes e vivemos provavelmente um período de consolidação de seu uso. Podemos pensar em 3 fases e já adianto que as datas são muito arredondadas, definidas a sentimento por esse autor e consideradas aceitáveis pelos painelistas do Road In Farm:

Fase 1 – 1980 a 2000

Programas de cruzamento sendo feitos com muitas raças, em método de tentativa e erro, popularização das raças continentais e de dupla musculatura. O produto final (carcaça) era despadronizado, em função das diferentes raças usadas e diferentes biotipos. Eram frequentes as situações de carcaças pesadas e sem terminação. Ocorreram até campanhas contrárias ao cruzamento e a imagem do animal cruzado ficou prejudicada. Confundiu-se animal de cruzamento com animal refugo, tucura ou cruza leiteiro.

Fase 2 – 2005 a 2020

Consolidação da técnica. O surgimento e crescimentos dos programas de certificação de carne (com destaque ao Programa Carne Angus Certificada) e as novas marcas de carne de qualidade no Brasil deram força ao cruzamento. O produto de cruzamento passou a ter liquidez e maior preferência do mercado, chegando ao ponto de os animais cruzados terem sobrepreço em relação aos zebuínos. Somado ao mercado de carne de qualidade tivemos reforço desta demanda com a Exportação de Gado em Pé. O produto F1 Angus/Nelore passou a ser o “queridinho” dos pecuaristas com desempenho turbinado (ganho de peso) e comercialização diferenciada para machos e fêmeas. Demanda de confinamentos, demanda para receptoras, demanda dos projetos de carne de qualidade, demanda e bonificações ou sobrepreço nos frigoríficos. Pode-se dizer que foram 15 ou 20 anos de ouro.

Fase 3 – 2021 e calculando rota

Desaceleração do cruzamento. Estamos vivendo esse momento e cabe discutir o que pode ter levado a essa desaceleração

Desaceleração do cruzamento. Estamos vivendo esse momento e cabe discutir o que pode ter levado a essa desaceleração. Vivemos uma fase anterior que o crescimento era a normalidade de cada ano e o ritmo da música mudou. O que pode ter mudado o cenário:

Boi China – os frigoríficos passaram a valorizar mais o boi jovem, pesado, inteiro e de gordura mediana. Mudou a bússola do boi para carne de qualidade para o boi de volume de carne. Neste momento este boi é mais barato de ser produzido e remunera no abate igual ou mais que um boi caro (de cruzamento, com alta terminação, marmoreio, etc);

Ciclo Pecuário – a valorização da cria e a retenção de fêmeas levou a uma retomada de maior uso de zebuínos na inseminação ou monta. A necessidade de mais e melhores fêmeas de reposição reduziu o uso de cruzamento para a produção de bezerras zebuínas para a cria;

Exportação de Gado em Pé – ocorreu uma redução muito grande desta atividade em 2021, praticamente havendo uma parada neste mercado. Era um grande canal de venda de animais cruzados pretos;

Custos de grãos – o boi cruzado é um boi de sistemas de produção mais intensivos e o custos dos grãos (suplementos e rações) foi ás alturas entre 2020 e 2021;

Chegamos num plateau?

Somente saberemos no futuro. Olhar o mercado para trás sempre é mais fácil. Talvez estejamos numa fase natural de acomodação do mercado e do sistema de produção do Brasil em relação ao cruzamento. A nossa pecuária é feita de zebuínos e o taurino foi ocupando muito espaço. Talvez tenhamos batido nos limites (deste momento) da proporção de produção de animais cruzados, do volume de animais cruzados ofertados à indústria, do tamanho do mercado de carne de qualidade do Brasil. É possível divagar muito neste ponto.

Venda de sêmen

A comercialização de sêmen é um indicador claro do uso do cruzamento. Veja um resumo do resumo dos dados publicados no Index ASBIA 2021 em relação à venda de doses corte e a participação das raças. A comercialização de sêmen para gado de corte cresceu novamente em 2021, de 16,3 milhões de doses para praticamente 20 milhões de doses, realizando crescimento de mais de 22%. Porém, o cruzamento estabilizou em 8,5 milhões de doses, deixando de liderar o mercado (com 55% das vendas em 2020) para inverter essa posição com os zebuínos.

O cruzamento produz mais

Tudo que se falou nos últimos 30 ou 40 anos sobre cruzamento segue valendo. Animais cruzados produzem mais. Segue valendo para cruzamentos entre taurinos e zebuínos no grande Brasil da pecuária. Vale também para programas de cruzamentos em matrizes taurinas ou cruzas aqui no pequeno Brasil da pecuária, no nosso Sul com pretensões europeias.

A heterose e a complementariedade trazem redução da idade de abate e ao primeiro serviço, aumento do peso de desmame e do peso de abate. Os programas de cruzamento “bem planejados” podem ter ganhos de produtividade na fase de cria de 20~25%. Não é uma diferença desprezível em qualquer negócio. E, naturalmente que carro que anda mais rápido necessita mais combustível. Não como imaginar que vamos extrair mais da terra e do rebanho com os mesmos custos de alimentação.

O que mudou nesse momento é que a vantagem comercial dos animais cruzados está diminuída ou zerada. Provavelmente ficarão no cruzamento agora os pecuaristas mais identificados com este tipo de produção. Os que buscavam somente ganho comercial ou de oportunidade terão poucos motivos para seguirem cruzando. Talvez estejamos vivendo a fase de especialização de nossa pecuária, onde estarão segmentados mais claramente o produtor de carne de qualidade (cruzado) e o de boi comum.

Perspectivas e oportunidades

Apesar da redução percentual do uso de cruzamento, observou-se em 2021 o crescimento das raças sintéticas Brangus e Braford no mercado de inseminação, com maior destaque a primeira. Temos uma sinalização que estes produtos tem uma bela oportunidade para abrirem mais os braços na ocupação de espaços no negócio genética e reprodutores.

Em relação à oferta de animais cruzados no curto e médio prazo, é natural esperar que haverá uma redução nos próximos anos. Assim sendo, é natural também esperar um novo ciclo de valorização. Quem estiver preparado colherá ganhos por mais tempo no novo ciclo.

Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Abril, 2022)

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