O Brasil está passando por um processo de muita incerteza envolvendo seu futuro político e econômico.
Os desafios são grandes e o próximo presidente vai ter uma das agendas econômicas mais complicadas da história.
Certas realidades, como, por exemplo, o rombo nas contas públicas, se impõem na economia e precisam ser levadas em consideração rapidamente para a retomada do crescimento, do consumo e da confiança no país.
Para clarear o cenário, a Scot Consultoria conversou com a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. A economista será uma das debatedoras do Encontro de Analistas da Scot Consultoria, que acontecerá dia 23 de novembro em São Paulo-SP. Para mais informações acesse: https://www.scotconsultoria.com.br/encontrodeanalistas/
Scot Consultoria: Zeina, o mercado financeiro está sinalizando positivamente desde as primeiras pesquisas de intenção de voto até a eleição do Bolsonaro, a bolsa subia, o real valorizava etc. Para 2019, já podemos falar em alguma expectativa em relação ao dólar? A senhora acredita que ainda há mais espaço para o real se valorizar em relação ao dólar?
Zeina Latif: Definitivamente é muito difícil fazermos predições em relação ao dólar. Dado que é difícil fazer esse prognóstico, vamos tentar entender pelo menos as variáveis que estão impactando e, a partir disso, refletirmos um pouco sobre as tendências.
Então, primeiro que, hoje, é importante entender que a cotação do dólar no Brasil não é totalmente determinada pelas questões domésticas, eu diria que 70% é determinado pelo cenário internacional, pelo quadro externo.
Por exemplo, nos últimos anos temos visto, na verdade, a moeda americana se fortalecendo no mercado internacional e, consequentemente, a nossa moeda se enfraquece porque o dólar se valorizou.
E por que o dólar está se fortalecendo nos últimos anos? Porque estamos vendo o comércio mundial perdendo fôlego e impactando diversas economias. Os Estados Unidos, por outro lado, não dependem tanto do comércio mundial, é uma economia que o crescimento é muito mais ditado pelo mercado interno. A economia americana vai muito bem devido às políticas de estímulo do Trump, por exemplo.
Tudo isso para dizer que existe, sim, risco de haver mais valorização do dólar no cenário internacional, porque o comércio mundial que parecia ganhar tração, voltou a desacelerar.
No ano passado, estava ganhando essa tração, as pessoas vendo o mundo crescendo de forma mais sincronizada, mas o que estamos vendo nos últimos meses é uma decepção, uma reversão dessa tendência e isso acaba fazendo a moeda americana se fortalecer. Então, há risco de o dólar valorizar e a cotação aqui no Brasil subir.
Mas e os 30% que estão associados à economia interna? Vimos, ao longo das últimas semanas de campanha, que, de fato, o mercado estava celebrando as maiores chances de Bolsonaro em relação a Haddad. O motivo disso é que a política econômica do PT é vista como equivocada e o Bolsonaro é visto como alguém com mais condições de fazer reformas do que o Haddad.
Com isso, o mercado, obviamente vendo o Bolsonaro à frente das pesquisas, celebrou. Mas, nessa última semana, já não está tão clara essa tendência, porque o mercado também já virou a página. Já ganhou, já foi, agora o que o mercado quer saber é se terá a reforma da previdência, que é o principal.
Então até termos clareza do que vem pela frente em relação a reforma da previdência, de que tipo de reforma estamos falando e quando ela poderá ser aprovada, é possível que o mercado fique mais sensível.
Um ponto aqui é que, nesse benefício da dúvida que está sendo dado a Bolsonaro, de fato, a nossa moeda teve um descolamento em relação ao externo. Se fosse levado só em conta o quadro externo, era para nossa moeda estar mais pressionada, algo em torno de R$3,90, se eu tivesse que dar um palpite.
Então, concluindo, tem, sim, um risco claro de o dólar subir, o que irá depender do quadro externo e se houver alguma decepção com a aprovação de reformas.
Scot Consultoria: Sobre a economia dos Estados Unidos, a senhora acredita que o FED deve continuar subindo os juros nos Estados Unidos? E qual seria o impacto disso aqui no Brasil?
Zeina Latif: Sim, eles já vêm deixando bem claro que vão continuar subindo, terão ainda mais altas ao longo do ano que vem.
Isso não é necessariamente uma fonte de enormes preocupações porque o mercado financeiro já está esperando por isso.
O problema será se, em função dos problemas fiscais nos Estados Unidos e do risco de ter uma visão de que a economia já está excessivamente aquecida, o FED subir mais os juros do que estamos imaginando. A inflação não vai disparar, mas já pode começar a ficar desconfortável.
ntão, se hoje ele sinaliza uma subida gradual, e se for algo mais forte devido ao mercado mais aquecido, aí sim teremos maiores problemas. Seria uma subida por uma má razão.
A alta dos juros em si já tem repercussão nos mercados, agora terá muito mais se precisar subir acima do que estamos esperando.
Scot Consultoria: Sobre as reformas, a senhora acha que é possível a reforma da previdência ser aprovada por completo já no começo de 2019? Ou você acha que será um processo mais lento?
Zeina Latif: Como é um tema muito complexo, eu acho difícil termos a aprovação no primeiro semestre. Havia mais chances se fosse dado continuidade à reforma do Temer, aquele relatório do deputado Arthur Maia que já foi aprovado nas comissões na câmara, isso facilitaria a dar continuidade na proposta do presidente Temer.
Podemos questionar que os problemas das propostas do Temer, mas, dependendo do senso vigente e do cenário político, pode ser melhor avançar com elas.
Agora, tem a opção, é claro, de fazer uma nova proposta que hoje parece haver boas chances de ser dessa maneira, mas não está claro ainda, e claro que será uma nova e mais ambiciosa proposta, existe essa possibilidade, mas o risco dessa escolha é não conseguir ser aprovada rapidamente.
Scot Consultoria: Supondo que essa proposta mais ambiciosa seja ainda aprovada em 2019 o que podemos esperar do cenário econômico?
Zeina Latif: Uma reforma ambiciosa já em 2019 é o melhor dos mundos. Porque a previdência é realmente o que impacta nas contas públicas e mais ameaça o Brasil a perder a confiança dos investidores e com todas as consequências disso para investimentos, para o comportamento do dólar, da inflação etc.
Isso seria bastante importante, mas ainda não conseguimos dizer se esse cenário é possível, ainda existem muitos desafios da política que nós vamos acompanhar.
Scot Consultoria: Falando nas contas públicas, o Paulo Guedes tinha comentado sobre privatizar diversos ativos do governo, qual a sua opinião sobre o assunto? Você acha que teria outro caminho mais seguro a ser seguido?
Zeina Latif: A agenda de privatização é complexa, você não consegue privatizar uma empresa rapidamente, se fosse assim, o Temer já teria feito. O governo Temer e o Ministério do Planejamento fizeram um bom trabalho sobre esse assunto, várias empresas já foram liquidadas.
Tem algumas coisas aguardando, uma delas é a privatização da Eletrobrás, que acredito ser, de todas, a mais importante, não apenas pelos riscos fiscais, mas também pela importância do ponto de vista estratégico.
A Eletrobrás tem um papel importante no fornecimento de energia, algo em torno de 30% a 35%, já foi maior no passado, mas ainda é uma participação muito grande e a empresa está sem condições de investir. Então, não é só uma questão fiscal, é uma questão de importância para o setor.
Agora, as declarações sobre a privatização da Eletrobrás durante a campanha do Bolsonaro foram de que essa seria uma das empresas de que ele não venderia por considerar um setor estratégico.
Estou torcendo para que ele mude de ideia porque esta é realmente muito importante.
Quanto à Petrobras, eu não vejo necessidade. Colocar esse tema da Petrobras seria equivocado agora. Acredito em outras prioridades para o Brasil discutir. Tivemos um avanço muito grande na gestão no governo Temer, então não acho que seja o caso.
Mas, o meu ponto é o seguinte, fazer privatizações não é uma tarefa fácil. Imagina, por exemplo, privatizar os Correios, é difícil, a engenharia financeira necessária é grande para privatizar uma empresa como esta. É um trabalho técnico muito difícil.
E existe empresa que não há como ser privatizada mesmo, que são ações que não são interessantes para o setor privado. A EMBRAPA é uma delas, por exemplo.
Digamos que mesmo com todas essas adversidades, o governo faça um pente fino, selecione todas as empresas que pode privatizar, propõe a engenharia financeira necessária e consiga destravar o sistema, isso gerará receita, mas não resolverá completamente os problemas das contas públicas.
É uma receita que entrará pontual, mas que não compensa o nosso problema com a previdência.
Trazendo em números para vocês, pegando as principais empresas estatais na bolsa, a Petrobras e a Eletrobras, sendo que a primeira não terá a privatização e a segunda ainda não sabemos, se ambas fossem privatizadas, a receita para a união, hoje, considerando o valor de mercado destas, seria algo em torno de R$140,0 a R$150,0 bilhões, enquanto o rombo da previdência é de R$270 bilhões. Ou seja, a entrada é pontual e não resolve o problema.
O que é importante é que precisamos olhar para as privatizações como um misto de reduzir problemas fiscais e, obviamente, melhorar a eficiência do sistema. Agora, se for encarado apenas para fechar as contas, em minha opinião, é um equívoco.
Fonte: Scot Consultoria