O grande problema de logística no Brasil prejudica diariamente o escoamento da produção, gerando perdas e aumentando os custos.
Para comentar sobre o assunto, convidamos Mariane Crespolini para uma entrevista.
Mariane Crespolini possui graduação em Gestão Ambiental pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Universidade de São Paulo – ESALQ/USP e mestrado em desenvolvimento econômico pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É pesquisadora na Faculdade Rural da Escócia (SRUC), onde finaliza seu doutorado em desenvolvimento econômico, realizado também pela Unicamp.
Por que você acredita que as soluções propostas/requisitadas envolvem apenas intervenção no mercado e não mudanças na infraestrutura logística do Brasil?
Mariane Crespolini: As mudanças propostas são mudanças de curto prazo, é claro que mesmo no curto prazo elas vão beneficiar uma classe, que nesse caso são os caminhoneiros. Mas elas promovem muito mais uma intervenção de curto prazo em preço ao invés de uma mudança na estrutura produtiva e em toda questão da infraestrutura do país.
Então, na verdade, estamos maquiando a situação. O governo está intervindo no preço do diesel e o estado tem que funcionar como uma empresa, então ele tem as receitas e tem os custos, não tem como o estado ter esse gasto para reduzir o preço do diesel, se ele não estiver resgatando de algum lugar. E o que vai acontecer? Simplesmente ele vai fazer uma manobra para ajustar esses gastos, é uma maquiagem que não vai resolver o problema.
Eles não estão propondo uma medida que esteja por exemplo, trazendo uma maior produtividade, ou uma maior eficiência, estão apenas fazendo uma maquiagem de preços.
Recentemente você fez uma pesquisa a respeito das condições de infraestrutura de estradas rodoviárias e os índices de pavimentação (leia mais sobre na Carta Conjuntura), você poderia comentar quais foram os resultados da sua busca?
Mariane Crespolini: Mais do que a pesquisa e que os números mostram, é a realidade aqui de Mato Grosso (MT), sendo um dos maiores estados em produção de grãos como milho e soja, com um rebanho aproximadamente do tamanho do rebanho australiano, se formos observar, a região do norte do estado não tem estradas. As rodovias são estaduais e federais e a maioria não está pavimentada. Se analisarmos a região norte de Mato Grosso, com a divisa com Rondônia, passando por Nova Bandeirante e Nova Monteverde, subindo depois de Juara e Juína, a gente brinca entre a equipe, “porque lá no Brasil”… Pois parece que nessas regiões o Brasil não chegou.
Frente a tudo isso, a pesquisa e os números de dados secundários, sejam da Confederação Nacional do Transporte ou IBGE, o que mais me chama atenção é a situação que nós vivemos. Vou lhes dar uma dimensão. Em janeiro em vim de carro para Mato Grosso, o gasto com pedágio foi de R$80,00, deste valor R$65,00 foi em São Paulo (SP), que foram meus primeiros 350km de viagem, depois cruzei Mato Grosso do Sul até chegar a Mato Grosso, e em todo esse trecho eu gastei menos de R$15,00. Então a gente brinca que aqui não tem pedágio porque não tem estradas. A diferença entre São Paulo e Mato Grosso é gritante, seja nas condições das estradas ou nas distâncias entre as cidades. Quando estou com o tanque de combustível do meu carro pela metade eu já abasteço, pois, a distância entre cidades é muito grande.
Outro exemplo, uma vez precisei alugar um carro e perguntei ao segurador o que aconteceria se o pneu do meu carro furasse. Ele disse que com certeza um caminhoneiro pararia para me ajudar na estrada. E isso acontece com todo mundo, e as condições de trabalho dos caminhoneiros são muito ruins e nada tem sido feito para discutir o assunto.
Você acredita que o motivo de perdermos competitividade frente ao mercado de grãos dos EUA envolve nossos custos com transporte?
Mariane Crespolini: A gente só não perde mais competividade, porque dentro da porteira nós somos eficientes. Mas, muito do que o produtor produz perdemos pela falha em logística. Um dado que cito na minha pesquisa da ESALQ-Log é que o custo com transporte dos EUA é 50% menor que o nosso para o escoamento da soja. Então tudo isso é perda de competitividade que a gente tem. Isso sem contar o volume de soja que se perde.
Qual foi a lição deixada por essa greve? Será que foi o suficiente para mostrar para o governo que não temos um plano B em nosso sistema de transporte?
Mariane Crespolini: A lição que vejo é que dá para parar o país, é possível reivindicar, se a população quiser e demonstrar a sua indignação, isso é um ponto positivo. Do meu ponto de vista o governo já sabe que não temos um plano B.
Fazer um plano de uma construção de uma ferrovia por exemplo, não é algo de um mandato ou de um partido político, e isso não gera votos. Então temos que pensar se foi o suficiente para mostrar para a população que isso tem que ser cobrado em um plano de eleição e um plano político, e infelizmente eu acho que não. Pois se observarmos as discussões que cercaram o assunto, a maioria em primeiro momento foi de apoio à paralisação, como uma ação contra o governo e depois que se viu de fato quem ia pagar a conta, a população se voltou contra os caminhoneiros. Então para mim o pior não é o governo não ter ‘acordado’, mas sim a população não ter enxergado isso. Fica claro em todas as discussões que a população não percebeu que precisamos cobrar do governo um plano de desenvolvimento a longo prazo para resolver isso.
Por fim, na sua opinião, qual o caminho para resolver nosso problema com o sistema logístico e de infraestrutura do Brasil?
Mariane Crespolini: Tem solução, vou pegar um exemplo, a Ucrânia, um país que pelas parcerias público-privadas está se desenvolvendo muito bem, tem potencial para nos ameaçar na produção de grãos, por estarem mais perto da Ásia. Então temos que resolver isso, porém, não vamos resolver de imediato, nem em curto prazo. Tem solução, é possível, mas temos que olhar para um horizonte mais longo. E ao invés de pensar somente “nossa como estamos atrasados”, temos que olhar para países que estão começando agora e estão dando certo, mas com um olhar a longo prazo.
E falta esse olhar da população não só na infraestrutura, mas também na educação na saúde, etc. E hoje reclamamos muito do tanto de impostos que pagamos, mas eu sinceramente não acho a carga tributária tão alta, porém, o problema é eu pagar o imposto e pagar o plano de saúde, pagar o imposto e pagar o IPVA, pagar o imposto e pagar o pedágio, essa é a grande questão.
Do meu ponto de vista tem solução, só o estado e a população têm que ter compreensão e paciência que é a longo prazo.
Fonte: Scot Consultoria