R$ 5,4 bilhões. Parece muito dinheiro e, de fato, é. Será suficiente? Será destinado corretamente? Trará o retorno desejado? Promoverá desenvolvimento?
Há muitas perguntas a se fazer quando o assunto é o Fundo Amazônia, instrumento criado em 2008 para arrecadar, junto à comunidade internacional, recursos para serem aplicados no desenvolvimento sustentável da região. Certeza mesmo é só o volume de dinheiro destinado até agora. O montante acima foi confirmado na última semana, durante a reunião do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), na sede do BNDES, no Rio de Janeiro.
O encontro marcou a retomada do fundo, cujas atividades haviam sido suspensas em 2019, por decisão do então presidente Jair Bolsonaro. De imediato, ficou determinada a alocação de R$ 853 milhões para operações de comando e controle, outros R$ 253 milhões para ordenamento territorial e mais R$ 244 milhões para projetos de ciência e tecnologia.
Não se discute a importância da reativação desse canal de financiamento internacional ao desenvolvimento da Amazônia. O fato de ter voltado a entrar na pauta de discussões multilaterais – esteve entre os principais temas discutidos, por exemplo, nos encontros do presidente Lula com os líderes Joe Biden, dos Estados Unidos, e Olaf Scholz, da Alemanha — demonstra o quanto o assunto é relevante para o mundo e, portanto, o quanto merece ser realmente debatido com profundidade.
Pode-se discutir os valores destinados por cada país. A Noruega, maior “investidor”, por exemplo, já aportou cerca de R$ 3 bilhões. O preside norte-americano prometeu ao brasileiro também injetar recursos, estimados em US$ 50 milhões.
Para muitos, são valores ínfimos diante da relevância da preservação da Amazônia para o futuro de toda a humanidade. Sem dúvida, por essa ótica, o que parecia muito passa a ser pouco.
Certamente existem, no mundo, muito mais recursos que poderiam (deveriam?) ser utilizados em projetos que combinem preservação e desenvolvimento. E não há lugar mais emblemático para ser o destino desses recursos do que a Amazônia.
O que talvez impeça que o fluxo de dólares, euros ou qualquer outra moeda para a região se intensifique seja a falta de confiança de que esse dinheiro será direcionado para soluções que ofereçam reais benefícios ambientais e também sociais.
O próprio anúncio dos valores destinados agora indica que podemos estar apenas tapando o sol com a peneira. A maior fatia para comando e controle, seguindo o modelo adotado antes da interrupção das atividades do fundo, mostra a urgência com que são tratadas ações de combate a desmatamento ou brigadas de incêndio.
São realmente importantes para a preservação das florestas nativas. Mas se pensamos no longo prazo, o foco precisa, cada vez mais, estar em soluções que efetivamente levem desenvolvimento social e econômico.
Não se pode olhar apenas para a copa das árvores. Em sua sombra há pessoas e comunidades que precisam de alternativas sustentáveis para sua convivência harmônica com o ambiente. Faz-se, assim, o combate indireto ao desmatamento, reduzindo-se a pressão econômica que elas sofrem para aderir a atividades predadoras.
O Fundo Amazônia existe há mais de 10 anos — e espera-se que dure por muitas outras décadas. Não seria tempo suficiente para que houvesse promovido impactos mais relevantes nos índices de desenvolvimento dos municípios agraciados com seus recursos?
Importante frisar: embora o dinheiro venha de fora, as soluções reais necessárias devem ser desenhadas e aplicadas por nós, brasileiros. As populações locais precisam ter voz ativa nesse sentido, para que possamos construir relações legítimas entre quem compõe o mercado e as pessoas que vivem da floresta.
Em artigo publicado no ano passado no site Capital Reset, Marcello Brito, ex-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e atualmente coordenador da Academia Global do Agronegócio na Fundação Dom Cabral, apontou como, baseados em boas intenções, muitos projetos são realizados hoje na região de forma descoordenada, muitas vezes competindo pelas mesmas verbas e desperdiçando a oportunidade de estabelecer os alicerces para o necessário desenvolvimento socioeconômico local.
Brito lembra que sequer conseguimos, até agora, fazer um inventário real dos ativos biológicos disponíveis na Amazônia, que estariam na base desse desenvolvimento, estando limitados a iniciativas que aproveitam uma fração pequena da biodiversidade local.
“Ao não dar a importância necessária a esses ativos, permitimos que esse complexo sistema bioeconômico seja reduzido a um pequeno número de espécies, que por ora remuneram a tradicional ganância empresarial sem qualquer planejamento bioeconômico de longo prazo. São apenas os famosos ciclos econômicos”, escreveu.
Precisamos estar atentos para não nos tornarmos dependentes desses recursos de maneira a criar uma segunda onda de colonização, em que o Norte global tem as patentes e os recursos e o Sul entra com a matéria prima para as soluções verdes.
Como fazer essa troca de forma que seja positiva para todos? Tecnologia existe. Dinheiro existe. Falta implementar um mecanismo de colocar esse dinheiro a serviço das pessoas da Amazônia.
_Aline Locks é engenheira ambiental, cofundadora e atual CEO da Produzindo Certo, solução que já apoiou a maneira como mais de 6 milhões de hectares de terras são gerenciados, através da integração de boas práticas produtivas, respeito às pessoas e aos recursos naturais. Liderou projetos com foco em inovação e tecnologia, como o ‘Conectar para Transformar’, um dos vencedores do Google Impact Challenge Brazil. Recentemente foi selecionada pela Época Negócios como um dos nomes inovadores pelo clima, é uma das 100 Mulheres Poderosas da revista Forbes e uma das líderes do agronegócio 2021/2022 pela revista Dinheiro Rural._