Essa é uma dúvida recorrente. A impressão é que, com a maior saída de animais, mais rápido será o ciclo pecuário e mais curto ele se torna
Por Rogério Goulart* – Deixe-me ilustrar isso – sobre o assunto ciclo pecuário – utilizando a analogia com uma caixa d’água na sua fazenda. Uma caixa d’água tem uma bomba para puxar a água até lá em cima. Ela puxa água em uma vazão constante, fixa. A mesma caixa tem uma torneira de saída da água. Ela pode estar totalmente aberta ou meio aberta, então a vazão de saída de água da torneira é flexível.
Daí podemos pensar em duas situações.
Primeira. Torneira totalmente aberta. A água está saindo com força total pela torneira. O que está ocorrendo com a bomba? Ela, ao mesmo tempo, está ligada sugando água do poço. Ainda bem que vazão da bomba é um pouco maior que a vazão da saída da água pela torneira. Isso faz com que, se a gente esquecer a torneira aberta a caixa volta a ficar cheia depois de 24 horas de bomba ligada. A vazão líquida entre a saída e a entrada da água é ligeiramente positiva.
Segunda. Se a torneira estiver só um pouco aberta, a caixa volta a ficar cheia com duas horas de bomba funcionando. O líquido entre a vazão de saída e entrada é muito positiva. A bomba vence a coisa rapidamente.
A bomba d’água são as vacas de cria. A torneira é a engorda. A água são os bezerros.
Por um lado existe uma saída dos animais via abate. A saída de animais é o escopo da intensificação. Basicamente intensificar significa aumentar. Aumentar a capacidade por área via adubação, manejo e sanidade. Aumentar a velocidade da engorda via genética, nutrição e colheita de capim. Tal como a torneira, a saída de animais é flexível. Bastar ter dinheiro. Você pode escolher engordar o mesmo bezerro em 48 meses ou em 12 meses. Aumentar a intensificação é aumentar a vazão de saída de animais e, consequentemente, o desfrute.
Ponto chave. A engorda responde muito rápido à mudanças de margem de lucro.
Do outro lado existe a entrada de animais no sistema. A bomba é a cria. A entrada é via desmama. Os bezerros são a água do sistema. A gestação e a desmama levam um tempo fixo, pois a bomba é fixa. Gestação ao redor de 9 meses. Desmama um pouco menos que isso. A natureza não permite muito se mexer com esses tempos, até onde sei.
Ponto chave. A cria responde muito lentamente pelas mudanças nas suas margens de lucro. Ou seja, a bomba d’água não consegue modificar com velocidade a sua oferta de bezerros. Demora pelo menos dois anos para isso ocorrer e olhe lá.
A comunicação entre o nível da caixa d’água e a bomba se dá pela boia. A comunicação entre o criador e o invernista, se dá pelo preço do bezerro. O bezerro é o gatilho do ciclo e a boia da caixa.
Como funciona o fluxo de animais entre os anos? Quando o bezerro sobe de preço, há retenção de matrizes. Criador retendo gera como consequência a retirada de vacas/novilhas do abate, que, com isso gera como consequência direta a alta nos preços do boi gordo. O boi sobe por causa da retenção de matrizes.
A retenção de matrizes criará, ao redor de dois anos depois (9 meses cria + 9 meses desmama + arredondamento) uma maior oferta de bezerros para o mercado. Essa oferta maior interrompe a alta do bezerro e ele passa a cair.
A queda do bezerro gera margem de lucro negativa para o criador e isso vira a chave da cria. O criador para de reter vacas e começa a descartar. O descarte continuará por pelo menos dois anos até que as novas fornadas de bezerro não sejam suficientes para a demanda pelo mercado. Isso é brutal. Nesse período há muita oferta de fêmeas para abate, muita oferta de bezerros e isso derruba o preço do boi. Quem faz o boi cair de preço é a vaca.
Esse processo gira em média ao redor de 7 anos. Quatro anos de fase de alta, retenção de matrizes, alta no bezerro e boi gordo. Até atingir um estoque crítico onde toda a estrutura cede. Daí temos ao redor de 3 anos de queda, onde há queda no bezerro, descarte de matrizes e queda nos preços do boi gordo.
Se todos os elos fosse coordenados e cada pecuarista só pudesse reter ou abater uma quantidade X específica de animais dentro do ano, o ciclo não existiria. Porém, sabemos que isso não existe. Cada um toma a decisão dentro da sua realidade, dentro do seu conhecimento e dentro do seu apetite ao risco.
O ciclo ocorre exatamente aí, no descasamento do tempo entre a cria e a engorda.
Se aumentar a intensificação da engorda, por exemplo, isso gerará uma maior demanda de animais.
Essa maior demanda não será atendida imediatamente pela cria. Ela demorará. Quanto maior a demanda de animais, quanto maior o desfrute do rebanho via abate, mais a cria demorará para atender necessidade de se refazer o estoque do gado. Ela vai, sim, atender, os preços subiram nessa fase?, haverá retenção de matrizes. Mas isso demora. A vazão de saída está muito alta para a atual bomba conseguir suprir rapidamente.
Por isso que, quando temos um aumento na intensificação, e consequentemente um aumento no desfrute, o ciclo se alonga. A caixa d’água, que é o estoque de vacas em cria, demora para conseguir formar novamente o estoque.
Essa também é a razão que o ciclo era curto quando a pecuária era somente à pasto, tradicional. Como o desfrute menor, rapidamente o estoque de vacas naquele período consegue suprir a necessidade.
Agora, como disse, essas coisas não são alinhadas dessa maneira na vida real. Na vida real, a transmissão do preço via bezerro demora, é cheia de ruídos e, mais importante que isso, os criadores não tomam as suas decisões nos mesmos anos e nem nos mesmos momentos.
Isso faz com que a bomba d’água trabalhe com uma boia descoordenada. Tem hora que trabalha muito mais tempo do que o necessário sugando água e vaza água (bezerro) pelo ladrão, pois a caixa já está cheia e a boia não avisou.
Tem épocas que a bomba está parada e a caixa d’água quase seca. A boia deu mau contato. Essa é a natureza do ciclo pecuário. Esse descasamento no tempo entre a oferta de um e a demanda do outro que se mantém estável e previsível há mais de 150 anos em que ele é medido.
Espero que tenha ficado claro o motivo de que a intensificação faz com que o ciclo se alongue, ao invés de se encurtar. O ciclo brasileiro gira ao redor de 7 anos de forma histórica e está querendo subir para 8 anos. O ciclo americano também era de 7 anos no passado antes das guerras e hoje gira ao redor de 11 anos.
Rogério Goulart é pecuarista, editor e fundador da Revista Carta Pecuária, informativo semanal que ajuda dezenas de pecuaristas a comprar e vender melhor.
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