Em um sistema onde tudo influência no resultado final, ou seja, o lucro do pecuarista precisa entender sobre os pilares: Ambiente, boi e o bife.
No último dia seis de setembro, na Embrapa Gado de Corte, foi realizada uma mesa redonda com o título acima. Ele foi um pré-evento da “Jornada Científica da Embrapa Gado de Corte”, na qual estagiários, bolsistas, pós-graduandos e pós-doutores que desenvolvem trabalhos na unidade têm a oportunidade de mostrarem os resultados de seus esforços. Para essa turma que começa a construir sua carreira de pesquisadores na produção animal, achamos oportuno falar do futuro do setor e seus desafios.
Para mesa redonda, convidamos pessoas que pudessem trazer suas visões de cada uma dessas três dimensões cujas interações têm trazido algumas provações a quem trabalha com ela. A primeira dimensão que separamos para discutir, indo da maior para a menor, foi o ambiente, que traz a necessidade de se evidenciar a responsabilidade de conciliar produção com preservação ambiental. A segunda dimensão, sendo o próprio bovino e a importância em se produzir com respeito ao animal, provendo-lhe bem-estar. Por fim, a dimensão do produto, ou seja, a carne e a necessidade de oferecer um alimento que, além de naturalmente saudável, seja seguro.
Infelizmente, no contexto das informações distorcidas que a maioria da população recebe, comer o bife é viver menos, ao custo do sofrimento de um animal e, ainda por cima, destruindo o ambiente. Portanto, foi pensando nessa trinca que propusemos aos nossos convidados que apresentassem suas visões, de maneira a fomentar o debate.
Para a questão ambiental, contamos com o Ivens Domingos e sua experiência de muito tempo conciliando produção e preservação. Na questão de bem estar animal, tivemos o olhar apaixonado e o testemunho de trabalho inovador com a veterinária Adriane Zart. Por fim, na questão da carne e nutrição humana, a doutora Fabiane Sanches, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas e Nutrição da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
Neste espaço, vai um brevíssimo relato da apresentação de cada um, pois a íntegra das apresentações e a maior parte do debate deverão em breve estar disponíveis nas páginas do “Canal do Boi” do Sistema Brasileiro do Agronegócio que fez a transmissão ao vivo do evento.
Em seguida ao relato, vou tentar resgatar parcialmente uma dívida: Como moderador do evento, pedi a alguns destacados amigos que fizessem uma pergunta para transmiti-la aos debatedores, o que, por questão de tempo, acabou não acontecendo. Assim, aproveitarei esse espaço para eu mesmo responder.
Em sua participação, na minha interpretação, o Ivens, depois de resumir os desafios de ter que produzir mais alimento usando menos recursos, mostrando que há alternativa para se produzir de maneira sustentável e que, exatamente, ela pressupõe uso eficiente de recurso, além de respeito às leis, como obrigações ambientais (por exemplo, reserva legal) e sociais (obrigações trabalhistas, por exemplo). Usou como exemplo o programa Boas Práticas Agropecuárias, da Embrapa, e o trabalho do GTPS, na organização dos vários elos da cadeia em busca da produção sustentável.
A Adriane Zart iniciou contando sua experiência pessoal de consumidora de carne ainda na infância e que, desde sempre, entendeu a importância de se preocupar com o bem-estar dos animais de produção. Já falando de sua atuação profissional, apresentou dados que provam como entender os animais e prover-lhes bem significa melhor produção animal.
Por fim, a professora Fabiane fez um detalhado relato da carne como alimento, com seus pontos positivos e negativos, mas com um saldo final que a coloca com uma boa alternativa nutricional para as pessoas. O ponto em comum às três apresentações é que em todas elas se considerou o pecuarista que adota boas práticas de manejo.
Leia agora as perguntas dos meus amigos aos debatedores e com minhas respostas:
Alcides Torres, fundador-diretor da Scot Consultoria:
Há chance de haver um mundo sem proteína animal? Nada de carne, ovos, peixes e lácteos, ou seja, uma dieta apenas baseada em plantas? Essa mudança deveria ser feita particularmente por questões ambientais, segundo os seus defensores, mas o que traria de bom e ruim?
Organizando a resposta usando as três dimensões no debate e começando pelo “bife” como representante de todas as outras fontes de proteína animal, diria que, apesar de totalmente possível levar uma vida saudável no vegetarianismo/veganismo, o ponto negativo seria a necessidade de ter muito mais cuidado com sua dieta do dia-a-dia. Especialmente complicado é suprir-se bem de todos os aminoácidos exigidos. Isso, porque as fontes animais têm proteína de excelente perfil de aminoácidos biodisponíveis e, no caso dos vegetais, a regra é sempre faltar algum e/ou ter menor biodisponibilidade. Há algumas vitaminas e minerais que as proteínas animais são por excelências as melhores fontes. É o caso, por exemplo, do Ferro que, além de grandes quantidades na carne vermelha, ocorre numa forma mais biodisponível do que nos vegetais. Na questão do “animal”, é um ponto positivo apenas para aqueles que não aceitam o sacrifício do animal, na minha opinião, contrariando a própria natureza humana e o fato de sermos apenas mais um ponto na teia alimentar.
Por fim, na questão ambiental creio que o saldo final seria negativo: a produção pecuária em pasto usa muito menos insumos do que a agricultura e pode ser feita em áreas marginais, impróprias ou não recomendadas para agricultura. Além disso, subprodutos de origem animal são usados para várias atividades, incluindo a ração de animais de estimação. Assim, a produção de vegetais, inclusive para a comida do seu cachorro de estimação, teria que aumentar muito no país, trazendo consigo uma maior necessidade de insumos, cujo resultado é produzir alimento mais caro e com maior prejuízo ambiental.
Fernando Sampaio, diretor executivo da estratégia do programa “Produzir, Conservar e Incluir”:
Como reduzir a distância entre os produtores mais eficientes e a média? Qual a melhor forma de reduzir essa diferença rapidamente nos próximos anos?
De fato, uma característica marcante da pecuária brasileira é que convivem lado-a-lado produtores com índices fabulosos e, outros, com resultados medíocres que frequentemente inviabilizam sua continuidade na atividade. É um problema especialmente doloroso para pesquisadores de instituições científicas cujo objetivo é, exatamente, que as tecnologias geradas sejam adotadas pelo produtor.
Na minha opinião, apesar do problema ter vários fatores, com destaque para o econômico (quando o produtor quer, mas o dinheiro não deixa!) e o cultural (quando o produtor pode, mas prefere não fazer!), em parte ele também decorre apenas de um desencontro entre quem detém a tecnologia e o conhecimento (acadêmicos e consultores) e os atores na frente de batalha (produtores).
Assim, todo esforço no sentido de aproximar essas duas pontas é válido. Pode ser através de publicações, cursos, treinamentos, palestras, dias de campo e tantos outros meios, todavia sabemos que a eficiência delas é baixa. A contratação de consultorias é bem mais eficaz, mas, infelizmente é comum o produtor achar caro, ainda que muitas vezes acabe perdendo mais dinheiro em tentar fazer as coisas na tentativa e erro.
Neste cenário meio desolador, novas tecnologias, como aplicativos que “empoderem” o produtor, dando possibilidade de ele fazer tarefas complexas de forma intuitiva, são uma esperança real de promoção de evolução mais rápida para um maior contingente de produtores. Curso de ensino à distância com o uso da Internet podem ser importantes aliados, tanto pelo alcance, como pela possibilidade de interação com o aluno, seja por meio de instrutores reais, seja por instrutores virtuais dotados de inteligência artificial, que possibilitem interação de qualidade em tempo real a baixo custo. Ainda assim, toda essa parte de transferência de tecnologia tem que ser melhor discutida, e formas eficientes de fazê-la devem ser criadas. Há, inclusive, um exercício que já fazemos e que precisamos aperfeiçoar que é preocupar-se desde o início das pesquisas como fazer para ser mais fácil que ela seja adotada. Nesse sentido, uma tecnologia com impacto enorme, mas de grande dificuldade de adoção pode dar lugar na fila para outra, de menor impacto, mas que, por sua fácil adoção, acabe fazendo mais diferença.
Mauricio Palma Nogueira (diretor da Athenagro):
A pecuária vai ser cada vez mais intolerante contra a baixa produtividade. Apesar de isso ser positivo, inclusive com liberação de área de pastagem para outras atividades, cria pressão para os pequenos produtores. Se não aumentarmos a venda de carne, tanto no mercado interno, como externo, ele pode ser tornar inviável! E não tem como frear o processo de tecnificação. Assim, qual a alternativa para esse pequeno produtor? A gente deveria fazer um esforço para vender mais carne ou teríamos que criar alternativas para adequá-los a esta nova realidade?
Esse é um ponto que causa preocupação, todavia, mesmo que com alguma estratégia mágica conseguíssemos aumentar o consumo da carne bovina e isso se revertesse em melhores preços, creio que apenas estaríamos dando um fôlego para o produtor cujos custos de produção sejam altos por falta de escala. O mesmo estímulo seria aproveitado pelo grande produtor, que aumentaria sua produção e faria o preço cair de novo. A saída lógica, mas nem por isso menos improvável de ocorrer, seria a união de pequenos produtores em cooperativas, pois isso os faria ganhar escala. Infelizmente, o cooperativismo e a pecuária, como algumas raras e honrosas exceções, não parecem combinar muito bem.
Ainda assim, encorajaria pelo menos tentar criar outros arranjos de compartilhamento em interesses comuns. Pode ser fazer compras de insumos conjuntas, de forma a aumentar o poder de barganha, ou repartindo os custos de um consultor. Por fim, mesmo o pequeno produtor tendo o problema de escala reduzida, ele pode usar estratégias de redução de custo, como produzir explorando o máximo potencial das forragens, utilizando o melhor manejo possível (já que a pequena escala permite um olhar mais atento) ou tentar agregar valor ao seu produto, procurando mercados que paguem mais a ele por algum motivo (carne orgânica, carne de boi 100% em pasto, etc.).
Beatriz Domeniconi, coordenadora executiva do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS):
Um dos assuntos principais no GTPS é a questão da comunicação: Quais são os principais mecanismos que temos para divulgar e que devemos explorar para o que é feito no setor? A evolução tem sido grande e rápida, mas apesar disso somos bombardeados com perguntas e afirmações bastante negativas sobre produção de alimentos no Brasil, especialmente sobre a pecuária. Como melhor fazer essa ponte, melhorando a comunicação campo cidade e contribuindo para mudar a opinião dos leigos sobre esse assunto?
Existe, mesmo, uma batalha pela informação e o setor perde de goleada para os detratores da carne. O principal motivo é que há grupos organizados e que tem usado serviços profissionais de comunicação. Essa onda, por sua vez, tem feito as próprias empresas de alimento se renderem ao discurso fácil de que “antigamente” era melhor, pois tudo era mais natural, ao mesmo tempo em que demonizam a tecnologia. Explicar que, na maioria das vezes, é exatamente o contrário é ir contra dogmas arraigados na sociedade. Por causa disso, o setor tem que se organizar também e contratar os serviços de profissionais do setor de comunicação para que, usando das suas melhores técnicas, consigam fazer a mensagem correta, enfim, encontrar eco na sociedade. Enquanto isso não ocorre, creio que cada um dos envolvidos no setor, seja produtor ou peão, vendedor de semente ou pesquisador, deve servir como um embaixador da pecuária, mostrando seu lado positivo, explicando os pontos sensíveis, mas sendo duro e cobrando as responsabilidades daqueles (também em qualquer nível) cujas atitudes justifiquem a má fama. Um ponto importante: usar sempre o cérebro e não o fígado para responder aos detratores. Muitas vezes a melhor resposta é apenas ignorar a provocação. O tempo perdido nesta briga pode ser usado para divulgar algum dos vários aspectos positivos da pecuária de carne brasileira.
E você, como responderia?