Na questão animal, o bem-estar é a palavra de ordem e, diga-se, corretamente, afirma engenheiro agrônomo
Por Luiz Josahkian
Para onde vão nos levar os paradoxos que emergem dos discursos dos diferentes segmentos da sociedade sobre a produção de alimentos?
De um lado, temos o apelo midiático dos grupos ambientalistas, tais como Greenpeace, WWF e afins. Do outro, um planeta bufando de gente (gente que não para de chegar, a uma taxa de 83 milhões por ano, e com demandas tão díspares que parecem irreais).
Existem os que têm um sonho tão simples e justo que dá pena. Só querem ter comida no prato uma vez por dia e, acreditem, eles somam mais de 800 milhões de pessoas, que têm pressa, porque a fome as sentencia à morte a cada 4 segundos.
Em outro extremo, temos os medidores de ingestão de calorias diárias, misturados com os adoradores de orgânicos, os vegetarianos e os veganos. E nem vamos considerar a ínfima classe privilegiada, com seus caviares, salmões, camarões e frutas exóticas, porque eles sempre existiram, mas nunca definiram o mundo real.
As terras estão cansadas e estariam mais não fossem os adubos nitrogenados, as novas técnicas de plantio, o melhoramento genético das espécies e o manejo racional dos fatores de produção, que juntos nos tiraram da rota de colisão com a fome absoluta. A equação cujos termos são, de um lado, alimentar a humanidade e, de outro, praticar uma agropecuária romântica de subsistência não se resolve nem com os mais sofisticados modelos matemáticos.
Reina uma hipocrisia confortável embalada pela crença de que somente ser contra a evolução das tecnologias resolve toda a questão, mesmo que continuemos a ser consumidores vorazes.
Chegou a hora de tratarmos essa questão de forma mais realista e imparcial. Informes de agências internacionais de investimento apontam os desafios imediatos do agronegócio. No topo da lista do imperdoável, figuram o desmatamento e a emissão de gases de efeito estufa (aqui a bola da vez é o metano dos ruminantes, com um conveniente esquecimento do CO2 da indústria), seguidos de perto pelo controverso uso de produtos geneticamente modificados.
Na questão animal, o bem-estar é a palavra de ordem e, diga-se, corretamente. A prática de confinamentos extremos tende a ser abolida. O uso de promotores de crescimento, nos países onde são utilizados, está na mira do consumidor e, por consequência, dos investidores. Todas as práticas de manejo que causem mutilações têm seus dias contados e os manejos pré-abate e de abate seguirão de perto o chamado abate humanitário.
No mundo corporativo, estudos indicam que os grandes investimentos são direcionados para empresas/produtores que adotam políticas claras de uso racional da água, da terra, de fontes de energias não renováveis, práticas de bem-estar animal e que respeitem os direitos trabalhistas. O impacto desses aspectos é muito superior a outros antes muito cotados, como capacidade de governança e níveis de taxação com impostos.
O que isso tudo tem de favorável ao Brasil? Quase tudo, mas precisamos anunciar isso ao mundo ao invés de aceitar as imposições vindas especialmente dos EUA e da Europa, que historicamente não querem concorrência. É preciso alardear para o planeta, em letras garrafais, que protegemos dois terços de nosso território, que nos superamos safra após safra, preservando, cada produtor, no mínimo 20% de sua propriedade.
Na empreitada de produzir alimentos, usamos menos de 10% do território para atingir volumes anuais capazes de alimentar o mundo pelo menos por seis meses. Seguramente, como já dito, se déssemos voz às crianças da África subsaariana, elas diriam “vocês até podem discutir isso, mas podemos comer primeiro?”.
*Luiz Josahkian é zootecnista, especialista em produção de ruminantes e professor de melhoramento genético, além de superintendente técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Este artigo foi publicado originalmente em março de 2018, na edição nº 389 da Revista Globo Rural.
Fonte: Globo Rural