Todo ser humano que pertence, de alguma forma, ao setor do agronegócio no Brasil conhece a combinação de palavras “agro é pop, agro é tech, agro é tudo”. Alcance certamente não é o problema; a mensagem chegou a todos os cantos do nosso país.
Porém, anos mais tarde, a percepção do conteúdo que segue sendo lembrado, obviamente sob a óptica dos que estão distantes da realidade do campo – e na minha visão, especialmente dos jovens – desencadeou uma série de críticas e preencheu a internet com memes sobre o tema, trazendo uma conotação irônica para a frase dita com orgulho por tantos. Eu gosto desse exemplo, porque ele escancara o problema de imagem do setor. Funcionou por muito tempo, mas já não funciona mais. Os próprios idealizadores atualizaram a campanha (muito assertivamente, na minha opinião) e então fica a reflexão sobre quais pontos precisamos agir.
Dezoito dos meus 29 anos foram vividos integralmente em uma fazenda produtora de leite no interior do Estado de São Paulo. Essa vivência me permitiu entender em um nível profundo que a realidade dentro da porteira não é percebida da mesma forma por quem está fora dela. Foi através do olhar dos meus amigos de faculdade (em São Paulo) que eu tive a primeira dimensão do quão deturpada a visão do agronegócio pode ser.
Nem sempre negativa, muitas vezes simplesmente apenas falta acesso à informação. Some isso ao fato de estarmos falando de gerações imersas na era digital, que tendem a se apropriar do primeiro dado que chega aos seus olhos e não estão muito interessados em procurar uma segunda opinião, um aprofundamento ou até mesmo a veracidade do conteúdo. Para além disso, coloque todo este contexto dentro da realidade movida a clickbait e liberdade de expressão com necessidade de pertencimento.
Não tenho a menor dúvida de que é preciso escancarar a tecnologia que invade o campo de norte a sul, varrendo a imagem bucólica e atrasada que pairou no setor por anos, mas o agro é muito mais que a “Riqueza do Brasil”. Também vai muito além de uma produção que ocupa o primeiro lugar no ranking mundial em açúcar, café, suco de laranja e soja. E o posicionamento que precisamos firmar deve ser muito mais profundo que “apenas” um imenso impacto na economia de um país (e mundo) inteiro. Talvez foi a dose extra de grandes campos de plantação com grandes tratores de última geração que dominaram a tela da televisão ou, talvez, foi só a falta de abordar outras facetas deste complexo e humanizado setor.
Agronegócio é muito mais que pop. É sobre gente e transformação. É sobre terra que vira comida, medicamento, roupa, cosmético, objeto, emprego, renda, oportunidade e, por que não, terra novamente da forma mais regenerativa que pode existir? Tudo começa no campo. É também sobre tecnologia de ponta, é sobre pesquisas infinitas, é sobre sustentabilidade, é sobre bem-estar animal, mas antes de tudo, é sobre gente. Muita gente. Gente movida a vocação e paixão.
É preciso falar de pessoa para pessoa. É preciso dar nomes e rostos. É preciso contar histórias e criar conexões. E isso nunca faltou por aqui. Por outro lado, é preciso fazer mais. É preciso desconstruir a imagem de ganância pautada na exploração – de terra, bicho e gente – muito associada à ideia de poder aquisitivo altíssimo. Curiosamente, o mesmo agro que é visto como agente causador corresponde ao grupo que mais preserva a terra no Brasil. Onde estamos errando? Qual mensagem não está chegando? Por que a ilegalidade ganha mais espaço que a realidade?
É urgente também falarmos sobre respeito, representatividade e diversidade. Isso já faz parte da realidade, mas ainda longe de ser visto dessa forma. Li incontáveis comentários nas matérias sobre as recentes queimadas no Estado de São Paulo que diziam apenas “o agro é pop!” ou “viva o agro!”. A indignação e a injustiça assombram aqueles que estão dentro da porteira. Não poderia ser mais plausível. Parece tão óbvio explicar que não existe maior interessado na preservação dos recursos finitos para seguir produzindo.
O trabalho para combater o maior gargalo do setor é árduo e complexo, por isso é muito prepotente da minha parte dizer que tenho a resposta certa. De qualquer forma, acredito que envolve uma transformação profunda e que comece com uma atuação potente no sistema educacional de crianças e jovens com dados atualizados e comprovados cientificamente. A forma que o agronegócio está sendo ensinado em milhares de escolas do país não condiz com a realidade e precisamos lembrar que não existe comunicação sem educação.
A importância de darmos acesso para que as novas gerações tenham ferramentas e discernimento para tomadas de decisão é imprescindível. A revolução passa também por uma agenda do cumprimento do código florestal, legislações rígidas e posicionamento claro dos próprios integrantes da cadeia contra o que é, de fato, ilegal. Enquanto não nos manifestarmos sobre o abismo existente entre o produtor rural e o criminoso ambiental haverá ruídos. Vincular a imagem de um setor inteiro com política faz parte desse mesmo problema. Torço para que este equívoco não seja cometido.
Precisamos também de uma transformação na comunicação para termos um agronegócio que seja compreendido, ouvido e respeitado. Uma revolução que transforma tecnicidade na linguagem do consumidor final. Um planejamento que passa por investimento e divulgação de conteúdo com embasamento científico, paralelo a um combate intenso às fake news. Precisamos desenvolver campanhas e parcerias com formadores de opinião de fora do setor e conteúdo moderno e didático em diferentes plataformas desenvolvido por especialistas de comunicação voltado para as novas gerações. As pessoas perderam a conexão entre o que comem, vestem, usam e as respectivas origens.
É o nosso dever fazer essa ponte acontecer. O agro é tudo isso e mais um pouco. Que sejamos coerentes para corrigirmos e nos posicionarmos perante o que já não faz mais sentido, mas também que o setor siga resiliente para fazer com que a mensagem correta chegue até os centros urbanos.
A voz do agronegócio deve ser consistente e uníssona. Por que não também aproveitarmos o country lifestyle em alta? Uma excelente porta de entrada e início de diálogo para jovens que estão ouvindo Ana Castela (ou Beyoncé), assistindo Yellowstone (ou Terra e Paixão), vestindo cowboy boots (ou a coleção masculina apresentada na alta costura de Paris 100% inspirada no velho oeste). O importante é começar. Cada qual da forma que puder. Nunca faltou potência, muito menos paixão. Sempre foi questão de organização.
Diana Jank é terceira geração de produtores de leite em Descalvado (SP), na fazenda Agrindus. Ela é a diretora de marketing da marca Letti A².
Fonte: Forbes
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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