Criada em 1994, a Cédula de Produto Rural (CPR) amadureceu e se tornou um dos principais meios de financiamento no campo nas últimas décadas.
A emissão do título, relativamente barata, garante recursos antecipados a agricultores e pecuaristas em troca da promessa de entrega da produção ao comprador (CPR física) ou de pagamento em dinheiro após a comercialização (CPR financeira).Com o avanço das tecnologias e a proliferação de alternativas de crédito, porém, questões que limitam o uso da ferramenta burocráticas ou que reduzem sua liquidez – tornaram-se barreiras que alterações feitas na semana passada na Medida Provisória 897/2019, a “MP do Agro”, prometem derrubar.
O objetivo é tornar o papel mais atraente e dinâmico, para que possa ser usado em um número maior de operações de crédito e possa ajudar a alavancar dezenas – ou centenas – de bilhões de reais em oferta de recursos para operações rurais no futuro.
“Coringa”, a CPR, a partir das mudanças propostas, poderá ser emitida de forma eletrônica, em moeda estrangeira, por residentes ou não no país, por agroindústrias de beneficiamento ou de “primeira industrialização” e até para produtos que não são negociados em bolsa. De quebra, propriedades poderão ser divididas para facilitar que sejam oferecidas como garantia nas operações.
Apenas para custeio, a agropecuária nacional demanda cerca de R$ 450 bilhões por ano. Esse valor, somado à necessidade de recursos para investimentos, industrialização e comercialização, é que alimenta as projeções para o potencial das CPRs. “Nosso agronegócio, em poucos anos, precisará de algumas centenas de bilhões de reais adicionais e estamos construindo um mercado de crédito capaz de suprir essa demanda. Sem dúvida alguma, a maior parte das necessidades virá via CPR”, afirma José Ângelo Mazzilo Júnior, secretário-adjunto de Política Agrícola do Ministério da Agricultura. Cálculos da startup PagAgro indicam que apenas a cadeia de insumos gira de R$ 120 bilhões a R$ 140 bilhões por ano para financiar a produção agrícola brasileira, e que entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões são lastreados com CPRs.
O subsecretário de Política Agrícola e Meio Ambiente do Ministério da Economia, Rogério Boueri, está confiante de que a repaginação da CPR de fato vai revigorá-la. Para as emissões de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), opção que ganha cada vez mais força no financiamento de agroindústrias, nas quais o título é usado como lastro, será fundamental – tanto para operações em real como em moeda estrangeira.
“As emissões de CRA em moeda estrangeira, por exemplo, poderão dobrar”, aposta. De janeiro a novembro, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as emissões de CRA totalizaram quase R$ 11 bilhões, ante cerca de R$ 6 bilhões no mesmo período de 2018 – conforme a PagAgro, cerca de 10% delas lastreadas com CPRs. Na B3, o estoque de recursos referentes a esses papéis chega a R$ 42 bilhões.
O governo estima que as “novas” CPRs, reforçarão a já forte tendência de expansão dos CRAs, que poderão passar a injetar mais de R$ 80 bilhões por ano no mercado a partir de 2025. No texto original, a “MP do Agro” previa vinculação do patrimônio afetado apenas à CIR (Cédula Imobiliária Rural), criada especificamente para isso e destinada aos bancos. Com as mudanças, que para entrarem em vigor ainda dependem de aval dos plenários da Câmara, do Senado e sanção presidencial, outros agentes passarão a acessar o novo modelo de fracionamento da propriedade nas operações com CPRs. “Investidores, tradings, agroindústrias, todos vão poder trabalhar com patrimônio de afetação”, avalia o consultor José Carlos Vaz, que já foi secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e diretor de Agronegócios do Banco do Brasil.
Agroindústrias de beneficiamento e de “primeira industrialização” de produtos agropecuários como grãos, carnes, leite, florestas plantadas e pescados, entre outros, também poderão emitir CPRs, o que até agora é restrito a produtores e cooperativas. Para o vendedor, o título não será isento de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e para o comprador haverá incidência de Imposto de Renda sobre o rendimento. Mas Vaz diz que, mesmo assim, médios frigoríficos, fornecedores de insumos e prestadores de serviço serão estimulados a operar com a cédula. “A CPR vai virar um instrumento poderoso para a mais poderosa cadeia de negócios do país”.
Outros consultores e integrantes do governo ouvidos pelo Valor, ressalvam, porém, que as empresas podem operar outros títulos isentos de tributação, o que pode restringir seu interesse em elevar os negócios baseados em CPRs.
A emissão de CPR em dólar, que já estava prevista no texto original da “MP do Agro”, a partir das mudanças propostas também poderá ser usada em operações com produtos que não são negociados em bolsas. Uma lista de 70 itens que fazem parte da pauta de exportação do Brasil e estão “acostumados” com ambiente dolarizado, como frutas, pescados e produtos florestais, deverá ser construída pelo setor de agronegócios em parceria com o Ministério da Agricultura e levada ao Conselho Monetário Nacional (CMN) para uma decisão final.
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“O produtor vai fazer a avaliação de risco. Mas, para casar fluxo de receita com despesas, que muitas vezes já é em dólar, é bom que ele tenha a possibilidade de emitir CPR em outra moeda”, afirma Fernanda Schwantes, assessora técnica da Comissão Nacional de Política Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Quanto à preocupação do governo sobre uma possível disparada de endividamento em dólar em alguns segmentos – como aconteceu no mercado de leasing de veículos no fim dos anos de 1990 -, Schwantes diz que caberá às associações instruir os produtores sobre os riscos e as condições ofertadas.
Fonte: Valor Econômico.