Na cidade da Mata de São João, na Bahia, situada a 70 km de Salvador, um projeto inovador está em andamento e conta com a implantação da primeira ordenha robotizada do Nordeste, na Fazenda Haras Tripuí.
A região Nordeste tem se destacado significativamente no cenário nacional de produção de leite. Em 2022, a produção alcançou a marca de 5,7 bilhões de litros, o que representa 16,5% do total nacional, conforme dados do IBGE, reforçados no último episódio do Leite Futuro (EP08). O Nordeste atualmente se configura como a terceira maior região produtora de leite no país.
Na cidade da Mata de São João, na Bahia, situada a 70 km de Salvador, um projeto inovador está em andamento e conta com a implantação da primeira ordenha robotizada do Nordeste, na Fazenda Haras Tripuí.
O Engenheiro Agrícola Andrew Jones, formado pela Universidade Federal de Pelotas e com 40 anos de experiência no agronegócio e em gestão de fazendas, é o responsável pela elaboração do projeto. Andrew fundou a AJAgro, empresa encarregada do projeto na Fazenda Haras Tripuí, e vem desenvolvendo diversos outros projetos na região Nordeste, além de atuar em todo o país.
O setor leiteiro no Nordeste
Desde 2010, Andrew tem se dedicado à região Nordeste, acompanhando de perto o desenvolvimento da cadeia leiteira. Por meio da sua empresa, ele prestou consultoria liderando um projeto em uma fazenda escola, localizada em Bom Conselho, entre o Agreste e o Sertão de Pernambuco. Esta iniciativa tinha como objetivo capacitar produtores de Alagoas e Pernambuco, oferecendo uma combinação de teoria e prática em todas as atividades diárias de uma fazenda leiteira, como boas práticas de ordenha, qualidade do leite, nutrição do rebanho, manejo reprodutivo e sanitário.
“A fazenda se tornou uma referência para as práticas que implementávamos e os investimentos realizados, servindo como modelo para outras propriedades. Levávamos especialistas em silagens e outras atividades práticas do leite, além de profissionais do setor da região Sul e Sudeste para ministrar palestras em uma sala de aula”, comenta Andrew.
Após a consultoria na fazenda escola, Andrew continuou suas consultorias pelo Sertão do Nordeste e outras fazendas do Brasil. Segundo Andrew, a região Nordeste apresentava grande carência em tecnologia e práticas de produção de leite. Embora ainda haja um longo caminho a percorrer em termos de tecnologia, ele observa que os produtores da região demonstram grande interesse em melhorar suas propriedades e a atividade leiteira.
A produção de leite está presente em todo o Nordeste, com alguns estados se destacando mais que outros. A produção de volumoso na região é um desafio significativo, e Andrew relata ter presenciado secas severas que dizimaram parte do rebanho em Pernambuco. No entanto, esses desafios estão sendo superados cada vez mais com a conservação de alimentos, como pré-secado, silagem e feno.
O consultor observa que a região possui um rebanho geneticamente interessante e qualificado, em parte, resultado da produção de volumoso. Existem cenários distintos, mas, em geral, propriedades com boa produção de volumoso em quantidade e qualidade possuem rebanhos mais qualificados. Por outro lado, propriedades com maior escassez na produção de volumoso tendem a ter rebanhos menos produtivos, normalmente compostos por raças zebuínas.
Atualmente, Andrew destaca que o Nordeste está crescendo com projetos maiores e mais tecnificados, sejam de investidores ou de produtores de leite em expansão. O resultado é o aumento da produção de leite na região, tanto em termos de produção total quanto de produtividade individual das fazendas.
O Engenheiro Agrícola destaca que, dentre as regiões em que atua, a pecuária leiteira do Ceará tem chamado atenção, com um polo interessante no uso de tecnologias e produção em fazendas de grande escala, um cenário que gradualmente se dissemina pelo interior do estado. A produção de leite no Nordeste não ocorre na Zona da Mata, região litorânea, mas no interior e Sertão, onde o clima é semiárido.
A 1° ordenha robotizada no Nordeste
O projeto na Fazenda Haras Tripuí foi iniciado há aproximadamente dois anos. Quando Andrew iniciou o projeto na fazenda, a propriedade contava apenas com um pequeno rebanho alimentado com silagem de capiaçu e ainda não possuía sistema de ordenha.
Visando iniciar uma fase de treinamento para todos os envolvidos no projeto, surgiu a ideia da “escolinha de aprendizado”. Com sistema de ordenha balde ao pé e com 7 vacas em lactação, o objetivo era capacitar todas as pessoas desde os processos de ordenha, criação de bezerras, manejo sanitário, manejo reprodutivo e demais práticas da atividade leiteira.
Ao longo desses dois anos, um dos principais focos da fazenda foi a produção de silagem, acumulando atualmente 2,6 mil toneladas armazenadas para o rebanho que está sendo adquirido em lotes.
Inicialmente, a estruturação do projeto contemplava a instalação de um sistema de ordenha canalizado, devido à falta de serviços especializados em ordenha robotizada na região. Contudo, durante o desenvolvimento do projeto, Andrew conta que por meio de uma empresa de ordenhas, foi possível treinar uma equipe em Feira de Santana/BA, para oferecer suporte na ordenha robotizada. Isso permitiu a reconfiguração do projeto para iniciar a produção com dois robôs de ordenha.
O projeto da Fazenda Haras Tripuí já está em andamento, com todas as estruturas instaladas, incluindo galpões, ventiladores, diversos equipamentos e dois robôs de ordenha. No entanto, a produção de leite com o novo sistema ainda não começou. Os animais estão sendo adquiridos em lotes provenientes de Minas Gerais. Na primeira semana de julho de 2024, 26 novilhas prenhes chegaram à fazenda.
“Optamos por começar com a raça Girolando, no grau 3/4, com a intenção de gradualmente avançar para 7/8 e 15/16. Dada a região quente e úmida durante os períodos chuvosos, decidimos não iniciar com a raça holandesa pura, preferindo testar primeiro com o girolando. O ambiente nos indicará se continuaremos com girolando ou se migraremos para a holandesa” comenta Andrew.
A fazenda está em fase de aquisição dos animais em lotes, para que comecem a parir e se acostumem com o robô de ordenha. Após essa fase, novos animais serão adquiridos até completar a primeira etapa do projeto, que prevê 140 vacas em lactação.
Posteriormente, o projeto será ampliado para quatro robôs, com capacidade para 280 vacas lactantes e uma expectativa de produção diária de 10.000 litros de leite. Todo o rebanho será confinado, desde bezerras, novilhas e vacas, em um sistema de compost barn.
A Fazenda Haras Tripuí será totalmente automatizada, incluindo o processo de ordenha, onde 100% dos animais serão ordenhados por robôs. Haverá ainda amamentadores automáticos para as bezerras, empurradores de silagem na pista de trato e scrapers automáticos para limpeza.
A produção de volumoso
Na região da Zona da Mata, no estado da Bahia, as chuvas são regulares de dezembro a julho, com uma média anual de 1.500 mm. Durante esses seis meses, as precipitações são constantes, enquanto no restante do ano, embora presentes, são menos intensas.
Contudo, essa não é a realidade de toda a região Nordeste. No Agreste, a precipitação anual varia entre 700 e 800 mm, enquanto no Sertão, os índices são ainda menores, entre 300 e 400 mm.
A Fazenda Haras Tripuí dispõe de áreas destinadas ao cultivo de milho e sorgo para silagem, com e sem irrigação. Nas áreas irrigadas, é possível produzir três safras de milho para silagem ao ano. “O Nordeste é fabuloso nesse sentido, porque temos altas temperaturas e alta luminosidade para o desenvolvimento das culturas em áreas irrigadas,” comenta Andrew. Nas áreas sem irrigação, a fazenda realiza uma safra de milho e uma de sorgo por ano.
No entorno dos galpões, também há áreas destinadas ao cultivo de tifton e braquiária para a produção de pré-secado e feno, com o objetivo de fornecer fibra longa para as futuras vacas em lactação e reduzir os custos da recria. Dessa forma, todo o volumoso é produzido dentro da fazenda, enquanto o concentrado é adquirido externamente.
O potencial crescimento de uma bacia leiteira
Há alguns anos, a região carecia de empresas compradoras de leite, o que dificultava a expansão da produção leiteira. “No início da “escolinha”, enfrentávamos dificuldades para comercializar o leite” diz Andrew.
Atualmente, a Fazenda Haras Tripuí comercializa o pequeno volume de leite produzido na escolinha de produção para um laticínio regional. Desde a divulgação do projeto da fazenda, há três meses, quatro laticínios já apresentaram propostas para a compra do leite, com diferentes ofertas de preço pela matéria-prima, gerando concorrência e tornando a atividade mais atrativa na região.
Os produtores locais começam a enxergar o leite como uma possibilidade com boa rentabilidade. Segundo Andrew, a fazenda pode ajudar a moldar uma bacia leiteira na região, incentivando o crescimento e o desenvolvimento da atividade. A Prefeitura de Mata de São João também está desenvolvendo um projeto para incentivar a bacia leiteira no município.
“Estamos criando um cenário favorável para o desenvolvimento da atividade no entorno. Acredito que esse cenário se repetirá em várias regiões do Nordeste., afirma Andrew.
O Nordeste representa uma oportunidade para o setor lácteo brasileiro.
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