No ano passado, a pesca do pargo no Brasil somou 2,3 mil toneladas, segundo dados dos mapas de bordo do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA).
No entanto, foram exportadas 4,65 mil toneladas do peixe congelado, de acordo com as Estatísticas de Comércio Exterior do Agronegócio Brasileiro (Agrostat) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Ou seja, o país vendeu ao exterior praticamente o dobro do que foi pescado.
Como explicar a diferença de mais de 2 mil toneladas nessas estatísticas do pescado magro de sabor suave que representa a segunda receita das exportações do setor, com US$ 40,9 milhões (cerca de R$ 198,3 milhões) em 2022, atrás apenas da lagosta?
“Há um descompasso entre o volume capturado e o que é exportado devido à falta de estrutura do governo. Nos últimos 4 a 5 anos, a média de exportações do pargo ficou entre 4 mil e 5 mil toneladas, mas os mapas de bordo não registram isso. Minha empresa embarcou 2.700 toneladas em 2022, eu tinha os mapas de bordo comprovando a pesca, mas 800 toneladas do que eu declarei não foram lançadas pelo governo”, diz Gilvan de Paula Silva, dono da G Pesca, de Bragança (PA), uma das maiores empresas de captura e processamento de peixes e crustáceos que tem o pargo como um dos carros-chefe.
O empresário, que também é presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Pargo (Abrappa), diz que trabalha com a importadora Netuno, dos Estados Unidos, e manda toda a rastreabilidade da pesca, mas alega falta de profissionalismo do governo brasileiro.
Falta de dados confiáveis
André Macedo Brugger, gerente de sustentabilidade e compliance da Netuno, que importa do Brasil de 2.000 a 2.500 toneladas de pargo por ano, diz que, infelizmente, o Brasil não controla a estatística pesqueira, nem o volume que fica no mercado interno. O único dado confiável é o das exportações.
Brugger, formado em oceanografia, conta que nos EUA, os desembarques do pescado são controlados pela NOOA (National Oceanic and Atmospheric Administration ou Administração Oceânica e Atmosférica Nacional), agência que faz parte do Departamento de Comércio americano, e pela FDA (Food and Drug Administration), agência do Departamento de Saúde e Serviços.
“Tudo que entra aqui é rastreado. Os mapas de bordo são documentos internos do Brasil, mas o exportador tem que apresentar documentos comprovando onde foi a pesca, nome da embarcação, licença, RGP (Registro Geral de Pesca), dia da captura, certificado sanitário do Mapa etc. Pode falsificar os documentos? Sim, pode, mas se a importadora for auditada e não tiver como comprovar a legalidade de todos os documentos é punida com rigor.”
As auditorias são feitas por amostragem. A Netuno, empresa de origem brasileira que atua nos Estados Unidos há 25 anos, passa, geralmente, por duas auditorias anuais. Ela vende o pescado para restaurantes, hotéis e cruzeiros.
“Estudos mostram que, para ser susentável, o desembarque deveria ser de 3 mil toneladas. Junto com a Abrappa, fizemos proposta ao governo no final do ano passado para estabelecer uma cota e reduzir a exportação porque pode estar ocorrendo uma sobrepesca, mas não recebemos nenhuma resposta”, revela Brugger.
A empresa iniciou um programa de melhora pesqueira para obter o selo de sustentabilidade MSC (Marine Steward Council), emitido por um conselho privado de gestão pesqueira com sede em Londres. Uma auditoria feita há dez anos mostrou falha em 10 dos 28 requisitos e apontou a necessidade de a Netuno se juntar com organizações e o governo brasileiro para resolver as pendências.
“Nosso plano não anda porque o governo falha na fiscalização e no monitoramento da pesca. Não seria difícil resolver porque a pesca do pargo no Brasil se resume a poucos atores num território de 100 km. O setor tem vontade de trabalhar melhor e com mais sustentabilidade, mas, sem a normatização, a gente também não consegue fazer. O governo não ajuda. Parece que premia quem ainda quer fazer as coisas erradas”, ressalta Brugger.
Parceria
O estudo recente “Subsídios para a Implementação de Limites de Captura para a Pesca do Pargo”, coordenado pela Oceana, mostrou que é possível controlar de forma eficaz a pesca do pargo a partir de um sistema de monitoramento instalado diretamente nas indústrias que exportam o pescado.
“Em parceria com o setor, testamos um sistema de monitoramento implantado dentro das quatro principais empresas que processam o pargo no Pará, que conseguiu acompanhar quase 90% das exportações, mostrando que é possível termos um controle efetivo da produção em vez de se basear no cenário ruim dos mapas de bordo que não monitoram a metade do que é exportado”, disse o diretor científico da Oceana, o oceanógrafo Martin Dias.
O sistema foi apresentado em reunião recente do Plano de Gestão do Pargo nos dias 6 e 7 de novembro, em Belém, reforçando um relatório ignorado em 2018 que propunha um limite de captura e um ordenamento para a pesca da espécie.
Pesca ilegal
O número de embarcações que atua na pescaria do pargo sem licença, ou seja, de forma ilegal, é desconhecido. O dono da G Pesca afirma que o descontrole do governo federal é tamanho que metade da sua frota tem apenas um protocolo da licença de pesca emitida pelo ministério.
“A gente entra no sistema, paga, faz vistoria da embarcação, mas espera mais de seis ou sete anos pela liberação do documento. É como se você licenciasse seu carro e tivesse que esperar anos para receber o documento”, lamenta Silva.
O defeso do pargo, época em que é proibida a pesca para fins de reprodução, começa em 15 de dezembro e vai até 30 de abril. O peixe tem corpo oval, robusto, cor rosa prateado, com uma linha lateral de escamas até a barbatana caudal. É capturado com covos (armadilhas) ou linhas com até 20 anzóis.
Segundo a Oceana, o Pará é o Estado que mais concentra a pesca da espécie, responsável por 87% da produção, segundo consta no Plano de Gestão do Pargo. Os Estados Unidos representam o principal mercado de destino, absorvendo entre 80% e 95% da produção.
Já o mercado interno da espécie é pouco conhecido e de difícil controle, mas estima-se que até 20% do volume permaneça no Brasil, principalmente os peixes fora do padrão de exportação.
Sob risco
Dias destaca que, se o governo seguir agindo como se esse problema não existisse, as coisas só vão piorar e o país corre o risco de perder o principal mercado comprador do pargo, os Estados Unidos.
“Lá, eles têm um programa especificamente desenhado para combater a importação de pescados capturados de forma ilegal. O Programa de Monitoramento dos Pescados Importados (Seafood Import Monitoring Program, SIMP, em inglês) visa proteger a economia norte-americana, mas também a segurança alimentar global e a sustentabilidade dos recursos pesqueiros.”
O presidente da Abrappa admite que o setor teme ter problemas futuros na exportação. “O setor produtivo não é o vilão. Ele quer preservar. Quem não está fazendo a lição de casa é o governo, que tem um grupo esforçado de pessoas no Ministério da Pesca, mas com pouca gente e sem estrutura para trabalhar.”
Outro lado
Valdirene Ferreira, coordenadora geral de Monitoramento da Pesca e Aquicultura do MPA, admite que há discrepância entre o volume pescado e o exportado do pargo e diz que é necessário aprimorar os instrumentos de monitoramento para reduzir a diferença. “A ideia é chegar no ótimo mesmo, num processo que os dados sejam similares.”
Questionada se existe captura ilegal, ela afirma que, como todas as cadeias produtivas, há uma necessidade da regularização, da regulamentação da atividade e o ministério tem trabalhado em diversas ações, discutido com vários setores para que esse processo seja fortalecido.
Atualmente, uma portaria permite o número máximo de 150 embarcações na pesca. No site do ministério de monitoramento e ordenamento da pesca do pargo 2023 constam apenas 89 embarcações.
Todas devem estar registradas no Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite (Preps) e entregar os mapas de bordo.
“O MPA fez um processo de vistoria neste ano e, no final das análises em dezembro, teremos o número atualizado de embarcações que atuam hoje e quantas serão mantidas. Provavelmente, esse número deve cair”, diz a coordenadora.
Relatório do ministério sobre a reunião com o setor em novembro traz apenas a sugestão de “encaminhar ao GTC (Grupo Técnico-Científico) propostas de manejo sobre medidas de ordenamento para a pesca do pargo, em especial quanto à regularização de frota, limite de captura, zonas/áreas de exclusão e viabilidade econômica das pescarias”. Nova reunião foi agendada para março de 2024.
Sandra Silveira de Souza, coordenadora geral de Ordenamento da Pesca Industrial, Amadora e Esportiva da Secretaria Nacional de Pesca Industrial Amadora e Esportiva do MPA, diz que, por estar incluso na Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção – Peixes e Invertebrados Aquáticos, mas ter a permissão de pesca, o ordenamento desta atividade é de atribuição tanto do MPA quanto do Ministério do Meio Ambiente.
Fonte: globorural.globo.com
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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