Pecuarista e professora, mineira de nascimento é uma verdadeira Mulher do Agro. Ela superou os obstáculos e mostra que é “bruta” na lida e grande sonhadora!
Meu nome é Sandra Murta Souto, tenho 44 anos, sou Pecuarista e Professora de Matemática em Carlos Chagas – MG, cidade em que nasci e me afastei somente na adolescência durante os estudos. Filha, neta, bisneta e trineta de pecuaristas. A matéria faz parte da campanha lançada pelo Portal Compre Rural, “Agro e Mulher, uma combinação de sucesso”, que visa apresentar mulheres que se destacam e se tornaram grandes no agronegócio!
Apaixonada pela roça, ou fazenda, alguns até implicam e me corrigem, “roça não, fazenda”, que pra mim é a mesma coisa. Fui criada dentro do Agro, mesmo residindo na cidade. Nos finais de semana, feriados e férias, eu, meu pai, minha mãe, minhas duas irmãs e meu irmão partíamos para a fazenda.
Desde pequenina, aprendi a trabalhar na fazenda com o meu pai (‘in memoriam‘), não desgrudava dele o dia inteiro. Já andava a cavalo, queria ajudar no curral. Gostava de acordar bem cedinho para ver os vaqueiros tirar o leite, e claro, ouvir os “casos” e as músicas nas rádios caipiras da madrugada. Sempre curiosa, queria entender tudo o que acontecia no dia a dia da fazenda.
Lembro-me, que enquanto as minhas irmãs brincavam de casinha, de boneca e de fazer cozinhadinho no quintal (tínhamos até mini panelinhas), eu já pulava da cama me aprontando de mini vaqueira e partia para o curral. Sempre impaciente para montar e ir pra “manga”, é assim que chamamos o pasto aqui.
Fui crescendo assim, totalmente apaixonada e envolvida no Agro. Gosto de exatamente TUDO, de acordar com o cantar do galo, da lida no campo, da lida na lavoura, das hortas, das comidas, das músicas, dos pomares, dos terreiros a serem varridos, dos fornos de tambor, dos fogões à lenha, dos animais, do cantar dos sapos e outros animais durante a noite.
Acompanhava o meu pai nos leilões de gado e nas feiras agropecuárias, não gostava de ficar de fora de nenhum evento do Agro. Lembro-me que ficava atenta ao tattersal (pista onde os animais entram para serem leiloados), cada lote de gado que entrava, eu queria analisar e definir se era bom ou ruim ( rsrs…). Por muitas vezes, meu coração disparava de tanta emoção e paixão pela pecuária.
Na minha cidade e região, os eventos eram muitos e constantes. A pecuária lá sempre foi muito forte. Ela até já ganhou o título de “Capital do Boi”.
Aos 14 anos, meus pais, querendo oportunizar um Ensino Médio e Curso Superior de qualidade, mandaram eu e a minha irmã Mysia para Belo Horizonte/MG. Mas quem disse que eu me adaptei em ficar longe da fazenda. Concluí o Ensino Médio e fiz seis meses de cursinho com muito sucesso, sempre tirava notas excelentes e gostava de estudar, porém chorava todos os dias querendo voltar para casa.
Sou uma pessoa determinada, autêntica, comprometida a dar sempre o meu melhor em tudo o que eu faço. Mas era impossível fugir da minha essência, seria como tentar criar um peixinho na terra.
Não quis mais voltar para Belo Horizonte, foi quando, por gostar muito de cálculos, resolvi fazer Matemática. (tinha o curso numa cidade próxima). E sempre que possível, estava na fazenda.
Aos 22 anos, já casada, tive o meu lindo filho Vinícius, razão do meu viver, que para a minha alegria desde pequenino já ama o Agro. Inclusive, no final deste ano de 2021, vai concluir o Curso de Medicina Veterinária com seus 22 aninhos.
No ano de 2003, infelizmente meu pai faleceu, meu mundo desabou, fiquei totalmente sem chão por muito tempo. Só consegui voltar na fazenda um ano após sua morte. E sofri a sua ausência por muito tempo, sentia seu cheiro em todo lugar.
Após o falecimento do meu pai, iniciou uma fase muito difícil na minha vida pessoal, enfrentei uma separação, com o meu filho ainda pequeno.
Enfim, mesmo fragilizada tive que seguir, o tempo não podia me esperar, nem as obrigações.
Minha mãe ficou na administração de tudo, além de ser Secretária de Educação do Município. Nessa época, eu trabalhava 45 horas semanais como professora de matemática. E toda sexta-feira a tarde, depois do nosso expediente, às 18:30h, partíamos eu e minha mãe para a fazenda. Mesmo a estrada sendo de terra, fazendo chuva ou sol, não fugíamos da nossa obrigação.
O meu irmão ainda estava terminando a faculdade e morava fora. Ele nos ajudava pelo telefone e quando podia vinha para a fazenda. Minhas irmãs também não moravam na nossa cidade e nem apreciavam a vida no campo. E assim ficamos, por mais de um ano. Eu trabalhava de segunda a segunda, sem folga alguma. Coloquei toda a minha energia no trabalho. Tanto na Educação, quanto na fazenda.
Meu irmão, já formado, advogado, assumiu a gestão da fazenda junto com a minha mãe. Naquela época, a questão de gênero era algo muito valorizado pela minha mãe e pela maioria das pessoas. Ser mulher e estar a frente de um negócio, tendo um homem na família, era visto como algo insano. Ainda mais para mim, que já era concursada em dois cargos públicos e trabalhava a semana toda.
Após algum tempo, assumi a direção de uma escola, onde estudavam jovens e adolescentes. Naquele momento eu só queria trabalhar, dava o meu sangue. Hoje acredito que esse comportamento era uma fuga. Anulei minha vida pessoal totalmente, parecia um robô, meu lazer. Anulei até mesmo, aquilo que me dava renovo, prazer, alegria, que era a minha vida no campo. Não tinha mais tempo de ir para a fazenda. Fiquei nessa vida por dois mandatos consecutivos.
E em 2015, após vários sintomas, exames e laudos médicos, foi constatado que eu estava doente. Tinha adquirido estresse profundo, fadiga mental. Afastei-mei da Educação e fui me cuidar. A doença me trouxe o benefício de parar, mudar a rota, querer renascer. Durante muitas reflexões, voltei lá atrás para ver o que estava faltando na minha vida. Foi quando entendi que eu não era mais Sandra, aquela mulher alegre, determinada, motivada. Tinha me tornado outra pessoa, quase que uma “máquina”.
Apesar de gostar do meu trabalho na educação e fazê-lo com eficiência, não era alí que estava a minha paixão, a minha essência, eu não estava inteira. Foi quando uma “chave” virou dentro de mim, como que um milagre. E entendi onde é o meu lugar nessa vida, é no AGRO.
Mudei completamente a minha vida, fui morar na fazenda, algo que nunca tinha feito antes, comecei a estudar MBA em Agronegócios, fazer cursos voltados a administração e gestão de fazendas, participar de mentorias e treinamentos contínuos.
Como somos pecuaristas, voltei para a lida maravilhosa com o gado, cavalos, ovinos. Voltei a me relacionar com outros pecuaristas e produtores, participar dos leilões, das vaquejadas. E me casei de novo, com um homem também pecuarista.
Estou sempre com o meu marido em reuniões que participam somente homens, percebo que muitas mulheres ainda não assumiram o seu lugar de liderança e gestão das suas propriedades. Mas lá eu estava, fina, bela e falante. Por várias vezes já coloquei muitos homens parados e concentrados em me ouvir. Tanto, em congressos, quanto em reuniões e currais em dias de campo. Na lida do dia a dia, nem preciso falar né? kkk . Mas sempre com alegria e respeito.
Como sou estudiosa, comecei a fazer cursos sobre o marketing e a trabalhar nas redes sociais. Objetivando contribuir com a aproximação e a conexão entre o Agronegócio e todas as pessoas e também a divulgação de informações sobre o Agro.
Como “Mulher do Agro” quero continuar colaborando para o acolhimento e desenvolvimento de pessoas, fortalecendo assim o nosso setor.
Jamais foi fácil chegar até aqui, acreditar em mim novamente, mas o meu amor pelo AGRO, com todas as suas dificuldades e delícias me fez “nascer de novo”. Ele faz parte do meu ser, está nos meus sonhos e objetivos de vida e me deu a chance de voltar a ser EU MESMA.
A Sandra voltou, aquela que fica horas no pasto apreciando a beleza dos animais; que ama acordar cedinho e ir para o curral; que passa o domingo quase todo assistindo leilões no celular ou na televisão; que ama cavalgar; que adora o cheiro de esterco e a poeira feita pelo gado no curral ou na estrada; que gosta de alimentar as galinhas e os porcos; que fica feliz ao acordar com o cantar do galo; que ama o cheiro do mato; que adora ir para os pomares somente com uma faca nas mãos para saborear as frutas; que ama mexer na horta, sentir o cheirinho dos temperos, comer churrasco, torresmo, feijoada, beijú, pamonha, mingau de milho, canjica, queijo e requeijão, nem precisa falar. E para dormir, a melodia preferida é o som dos grilos e sapos.
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Gostaria de dar um conselho hoje para as pessoas: Acredite em você! Seja honesto!
Eu estou “cavando a terra com as unhas”, porque acredito que chegarei no “tesouro”, que é a realização dos meus sonhos. Seja grato todos os dias que enquanto estiver cavando, sabe porquê? Você encontrará muitas pedras preciosas durante o trajeto.
Não desista dos seus sonhos, batalhe duro por eles, dê o seu melhor, porque vai valer a pena. Não existe preço pra eles, o que existe é valor.