Efeitos extremos do clima ganharam intensidade nas últimas décadas e impactos sobre o agro são cada vez mais frequentes e severos.
As recentes e drásticas ondas de calor e queimadas que têm afetado diversos estados brasileiros reacenderam, mais uma vez, o debate público em torno dos impactos das mudanças climáticas sobre os mais variados setores. Desde danos à saúde até a inflação e alta de juros, os efeitos do aquecimento global são uma realidade e estão no dia a dia da população, seja no campo ou na cidade.
O impacto na produção de alimentos, por exemplo, começa antes mesmo do plantio, uma vez que a falta de chuva – ou excesso dela – e calor acima da média comprometem a preparação do solo para a semeadura. Lidar com as intempéries do clima não é uma novidade para o produtor rural, no entanto, os fenômenos têm se tornado cada vez mais constantes.
“A gente tem visto essas mudanças de maneira muito mais frequentes e isso é um impacto direto da mudança climática. A gente tem extremos cada vez mais comuns”, afirma ao Agro Estadão Eduardo Bastos, coordenador do Comitê de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e diretor do Instituto de Estudo do Agronegócio (IEAg).
“Sempre tivemos enchentes, sempre tivemos secas, mas isso acontecia, muitas vezes, num período de décadas, né? E hoje a gente tem pelo menos um grande evento por década, de seca e pelo menos um de enchentes. Se a gente olhar o Rio Grande do Sul, foram ondas de secas seguidas de uma enchente em um intervalo menor de 10 anos”, exemplifica Bastos, que ainda contextualiza citando as secas na Amazônia e no Pantanal, seguidas de incêndios.
O excesso de chuva, a seca, as geadas e granizos, eventos climáticos extremos, têm alterado o calendário agrícola e gerado impactos às cadeias produtivas.
“Em redução do tempo de plantio, é um impacto direto às safras. Se eu atraso o plantio isso acaba impactando a segunda safra, que aqui no Brasil é muito importante”, comenta o coordenador da Abag.
Além do impacto direto à produção, Eduardo Bastos chama atenção para demais efeitos como inflação e logística. “É importante a gente lembrar que [a seca] tem um impacto indireto, por exemplo, no modal hidroviário, que a gente usa muito no Brasil, quando se tem as calhas dos rios mais secas a gente fica impedido de transportar por barcaça até um grande porto para fazer o transbordo para exportação ou até mesmo para consumo interno. Então, tem um impacto indireto bem grande além do mais tradicional que é redução da oferta e por consequência um aumento dos preços”, ressalta.
Para a economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carla Beni, é inegável que as mudanças climáticas, principalmente na última década, têm impactado os preços dos alimentos. Exemplos não faltam, como quando o preço do arroz disparou nas prateleiras, após as enchentes no Rio Grande do Sul, ou até mesmo no cenário internacional.
“O que a gente está tendo agora, este ano, com elevação do preço do azeite, que aumentou mais de 60% por causa da seca no sul da Europa – que é a grande produtora de azeite do mundo -, dois anos antes nós tivemos um outro desequilíbrio onde o óleo de soja, por exemplo, estava mais caro que o azeite. Então, essas questões climáticas têm se agravado, sim, nessa última década e isso é algo inegável, isso não tem mais como negar porque quando você nega isso, aí sim você acaba aumentando mais ainda a problemática”, diz Beni.
Mudanças climáticas nas últimas décadas
Embora sentidas com mais ênfase atualmente, as mudanças climáticas começaram séculos atrás, mas só há poucas décadas ganharam destaque no debate público. “Fatores antropogênicos, fatores ligados às ações do homem, já estão interferindo no clima desde o século 18, desde o período da revolução industrial, quando nós passamos de fato a ter um aumento muito significativo na emissão de gases na atmosfera”, explica ao Agro Estadão o diretor de Tempo e Clima da Meteoblue, Willians Bini.
De acordo com o especialista, apesar de alguns pesquisadores já debaterem o tema desde os anos 60, 70, mas foi a partir dos anos 90 que a questão ganhou notoriedade. Sobre os eventos extremos mais recentes, o meteorologista confirma que os estão ocorrendo com mais frequência e mais intensidade.
“Estamos vivenciando uma nova era climática. Esta geração está presenciando uma mudança de padrões. É difícil mensurar o que vai ocorrer nas próximas décadas, mas os dados mostram que essa mudança já está em andamento, não é ficção científica, não é projeção, não é algo pro futuro, é algo em curso”, afirma o especialista.
Sobre os impactos para a agropecuária, o meteorologista chama atenção para mudanças de padrões. “A partir do momento que nós observamos que tem havido mudanças nessas questões climáticas, temperatura, umidade, chuva… começamos a levantar questões sobre como as diferentes culturas estão reagindo em termos de produtividade diante dessas mudanças”, comenta Willians alertando para a importância de avanços tecnológicos , como desenvolvimento de cultivares mais resistentes à seca e a doenças.
Irrigação e o uso racional da água a favor do produtor
A escassez de chuva exige que o produtor faça uso racional dos recursos hídricos. Para isso, é fundamental que a plantação receba um olhar integrado, onde a água é vista em conjunto com o solo, o clima, a hora do dia e também os aspectos que circundam a propriedade, orienta a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp).
A ação da Faesp chama atenção dos produtores paulistas em um momento de seca e queimadas que afetam drasticamente o setor agropecuário do estado.
Entre ações desempenhadas para mitigar os efeitos climáticos está a irrigação, utilizada, cada vez mais, de forma sustentável, com o amparo de tecnologias e conhecimento sobre uso racional da água.
A fim de apoiar e capacitar os produtores sobre a utilização de recursos hídricos no campo, um Centro Nacional de Irrigação será construído em Paranapanema, interior de São Paulo, que representa o principal polo de irrigação do estado. O anúncio do Centro ocorreu nesta semana durante o 12º IrrigaShow.
O anúncio foi feito pelo diretor geral do Senar, Daniel Carrara. A proposta do empreendimento é “capacitar profissionais e trabalhar para que a técnica da irrigação esteja disponível para os pequenos produtores”.
Presente no evento, o presidente da Faesp, Tirso Meirelles, disse que também utiliza a técnica da irrigação em sua propriedade há 15 anos e ressaltou a importância de se debater esse tema com os jovens.
“Tenho orgulho de ser um irrigante também. Temos visto como essa técnica tem contribuído para a economia do nosso estado e do país. A criação do Centro Nacional aqui será um passo importante para a discussão de novas técnicas e difusão da importância da irrigação para a agricultura, principalmente em momento de mudanças climáticas, onde a preocupação com os recursos hídricos é cada vez maior”, explicou Meirelles.
Aliado às ações da Faesp, o governo de São Paulo também tem investido no tema e lançou em abril deste ano o Plano Estadual de Irrigação, com o objetivo de elevar a área produtiva paulista de 6% para 15% até 2030. O programa também prevê, entre outras ações, uma linha de crédito para os agricultores com recursos para aquisição de implementos, além de apoio técnico dos institutos de pesquisa ligados à SAA.
“A irrigação é sinônimo de prosperidade e garantia de produtividade no campo. Ainda mais agora, com a estiagem prejudicando as lavouras paulistas, se torna ainda mais importante as propriedades terem sistema de irrigação e vamos dar o máximo de suporte possível para que essa prática seja adotada em todo o estado”, disse ao Agro Estadão o secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, Guilherme Piai.
Na próxima semana, dia 25, será criada a Câmara Temática de Irrigação Sustentável, que contará com a participação de coordenadorias e institutos de pesquisa, vinculados às pastas da Agricultura e do Meio Ambiente, além de universidades estaduais e federais, associações de produtores e a iniciativa privada. “A criação da Câmara Temática de Irrigação é uma forma de estarmos mais próximos do produtor, ouvir suas necessidades e criar políticas públicas mais assertivas”, afirma o secretário.
Fonte: Agro Estadão
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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