MST vai ocupar as carteiras: produto de renda fixa das cooperativas chega no varejo; saiba mais

O Finapop lançará sua primeira plataforma de financiamento coletivo para investimentos em títulos de crédito das associações e produtores ligados ao movimento.

Financiamento Popular (Finapop), iniciativa de captação para as cooperativas de agroindústria ligadas ao Movimento dos Sem Terra (MST), nem fez três anos e já desbravou caminhos até o varejo. Do lançamento, em maio de 2020, até hoje, o Finapop levantou R$ 42 milhões no mercado financeiro, em grande parte com investidores profissionais. Agora, a empresa avança para alcançar o investidor pessoa física. Em janeiro, lançará sua primeira plataforma de financiamento coletivo (ou crowdfunding), que permitirá alocação direta nas cooperativas, com investimentos a partir de R$ 100.

O Finapop estruturou dois produtos para financiar quatros cadeias produtivas por meio dessa nova plataforma. E a conjunção é bem brasileira: café com leite e arroz com feijão. Quer dizer, o investidor poderá escolher alocar nas cooperativas que produzem quaisquer desses produtos.

O investimento será em CCB (Cédula de Crédito Bancário), títulos de crédito emitidos pelas cooperativas e endossados por uma instituição financeira parceira. É, portanto, um produto de renda fixa – e, neste caso, prefixado.

“A ideia é que esses ativos remunerem em torno de 11% ao ano, tomando por base o patamar da Selic (hoje em 13,75% ao ano) mas não chegando nele. Nossa proposta é ter uma taxa rentável, certamente acima da poupança, mas que não comprometa o financiamento das cooperativas”, explica Ana Terra, engenheira agrônoma e coordenadora do Finapop.

A meta de captação dessa primeira rodada foi estabelecida com base no marco que a iniciativa alcançou no ano passado com a negociação de CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) – que também são títulos de renda fixa – na bolsa: R$ 1 milhão.

No caso do novo produto de financiamento coletivo, as cooperativas ligadas ao Finapop serão as emissoras dos títulos de dívida e oferecerão como garantia os contratos de vendas e os estoques, quando for o caso de produtos estocáveis. Como as terras das cooperativas da reforma agrária são bens públicos, isto é, não podem ser comercializados nem dados como garantia de crédito em operações, a empresa buscou esses outros caminhos para assegurar a operação.

Neste âmbito, estão principalmente os contratos de venda para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que é o principal mercado para as cooperativas mais estruturadas“, diz Terra. O PNAE é um programa do governo federal de repasse de verba a estados, municípios e escolas federais para a cobertura da alimentação dos estudantes do sistema público de ensino.

Ainda seguindo a lógica do investimento de impacto social, o crowdfunding do Finapop é um produto de giro rápido. Seus títulos expiram em 12 meses, sendo que em seis meses já começam a remunerar o investidor.

Em 2021, o Finapop estruturou uma emissão de CRA na bolsa que alçou o projeto à fama no mercado financeiro. À época, o investimento inicial também ficou em R$ 100, mas o ciclo da dívida era de cinco anos, ou seja, vencem em 2026. O rendimento bruto do título é 5,5% ao ano com pagamentos mensais a partir do 13º mês da emissão.

Muito mudou nesse meio tempo – e por muito, leia-se: a taxa básica de juros da economia. Além de algumas limitações para a negociação em bolsa, o Finapop não consegue mais entregar uma remuneração tão competitiva no mercado de renda fixa. A saída foi apostar em um ciclo de dívida menor, que traz mais segurança ao investidor e compromete menos o orçamento do pequeno produtor.

“Está mais difícil criar uma equação equilibrada para ter um produto interessante ao investidor, mas que não prejudique o agricultor. Por isso, a tendência é que a gente faça projetos de curto prazo para ir dialogando com as taxas que estão sendo operadas no mercado neste momento“, explica.

Como funciona o investimento pela plataforma?

A nova plataforma de financiamento coletivo do Finapop está disponível dentro do site da iniciativa. É preciso realizar um cadastro para criar uma conta e, só então, fazer o investimento, na mesma dinâmica de funcionamento de qualquer plataforma de crowdfunding ou das “vaquinhas” on-line. Claro que, neste caso, não se trata de doação, mas de uma alocação de recursos.

A exemplo: com R$ 1 mil investidos no produto de financiamento coletivo do Finapop, em janeiro de 2024, a pessoa terá uma remuneração bruta (sem desconto do imposto de renda) próxima dos R$ 110.

O índice de adimplência (pagamento da dívida no prazo estabelecido) do Finapop está atualmente em 99,68%. Hoje, dois projetos já existentes da rede estão com pagamento em atraso superior a 90 dias, e a entidade vem conversando com essas organizações para reverter o quadro. A perspectiva de pagamento, segundo Terra, é para a próxima safra. Caso a projeção se concretize, a adimplência do financiamento popular ficaria em 100%.

“Há uma atuação conjunta das cooperativas e associações que parte do entendimento de que o projeto não pode fazer um voo galinha, porque é ele que nos fortalece hoje. Isso leva à criação de uma rede que atua de forma que os compromissos sejam cumpridos e os modelos de financiamento deem certo”, conta a coordenadora do Finapop.

Com o site já no ar, na primeira semana, a plataforma recebeu 200 inscrições de investidores pessoa física interessados no produto, mesmo sem estar ainda em funcionamento, nem sequer ter feito um comunicado do seu lançamento ao mercado.

O que (ou quem) está por trás do Finapop?

O Finapop é uma iniciativa de sociedade civil que tem como propósito fazer essa ponte entre a demanda das cooperativas ligadas ao MST com investidores interessados em projetos de impacto ou que “questionem o modelo produtivo do agronegócio, que prioriza apenas as grandes propriedades, sob um modelo devastador e com reprodução de miséria no campo”, diz Terra.

A entidade articula projetos de financiamento com mais de 150 cooperativas e associações ligadas ao MST e espalhadas pelo Brasil. Todas essas organizações produzem alimentos, que são comercializados em circuitos curtos (regionalmente), para programas institucionais (do governo, entidades e de empresas) e nas redes de varejo, como em lojas, mercearias e supermercados.

Existem três linhas de financiamento no Finapop: em capital de giro (R$ 9,82 milhões), nos investimentos associativos (R$ 1,12 milhão) e em produto (R$ 31 milhões). Os 46 projetos que foram estruturados sob esse guarda-chuva nos últimos dois anos captaram quase R$ 42 milhões.

O Finapop começou efetivamente durante uma das piores crise econômicas da história recente: os primeiros meses da pandemia da covid-19. O cenário de incertezas limou o pouco crédito disponível para a agricultura familiar e para as cooperativas no mercado.

Já havia indícios de que a política governamental na gestão de Jair Bolsonaro não teria esse público como prioridade, então buscar alternativas de financiamento era uma questão urgente para o coletivo. O PNAE, por exemplo, foi alvo de controvérsias neste ano pelo veto do presidente ao reajuste de 34% no programa. Desde 2017 não havia correção nos valores per capita, mesmo com a escalada da inflação sobre os alimentos, o que impactou as vendas de cooperados.

“Nascemos com um projeto piloto de levantar recursos para terminar a estrutura de um frigorífico de um dos assentamentos”, relata a engenheira agrônoma. Esse financiamento captou, inicialmente, R$ 1 milhão com investidores profissionais. Mais importante, realizou o potencial da conexão da rede de cooperativas ligadas ao MST com o mercado financeiro.

O Finapop foi galgando seu espaço enquanto entendia como estruturar outros veículos de investimentos. Para isso, contou com a ajuda de duas figuras em particular: o economista Eduardo Moreira e o investidor João Paulo Pacífico, fundador do Grupo Gaia.

Hoje, o programa dialoga com cerca de 8 mil investidores profissionais. É na interlocução com esse grupo que a empresa tem se organizado e pensado os novos veículos para investimentos nas cooperativas associadas ao movimento, especialmente no sentido de trazer mais segurança e garantias a esses investidores.

“As pessoas costumam nos procurar com muitas curiosidades. Geralmente, aqueles que alocam conosco são investidores que não se identificam com as instituições de intermediação do mercado financeiro, seus valores ou até mesmo com os projetos em que investem”, diz Terra.

No ano passado, a iniciativa ganhou tração com captação internacional, financiamentos de capital de giro e até a estruturação de um fundo de R$ 1 milhão numa cooperativa de crédito, a Crehnor. A instituição financeira vem seguindo uma estratégia de expansão nacional para atender as cooperativas no país. Também pode fazer a emissão de CCB (Carta de Crédito Bancário), por isso virou mais uma solução do Finapop para imprimir mais segurança ao investidor que aloca via crédito.

Em 2022, o Finapop se consolidou como uma empresa focada em consolidar as alternativas de veículos para investimentos na produção dessa rede de cooperativas. Hoje, é uma entidade jurídica que estabelece o relacionamento com parceiros no mercado e presta consultoria aos cooperados.

“Nossa principal preocupação é qualificar os projetos e que as propostas tenham viabilidade econômica e técnica, que não causem inadimplência, porque nosso compromisso com o investidor – pessoa física, inclusive – é quase um compromisso político. É a promessa de que esse ativo terá o retorno que a pessoa espera”, diz a coordenadora do Finapop.

Fonte: Valor Investe

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