Publicação da Medida Provisória pelo Governo Federal e leilão de arroz vencido por ‘desconhecido’ tem gerado uma reação negativa no setor agropecuário brasileiro
A publicação da Medida Provisória 1227/2024 pelo Governo Federal tem gerado uma reação negativa no setor agropecuário brasileiro. Além de afetar o mercado em um momento de crise, as alterações impactam a balança comercial brasileira, trazendo consequências prejudiciais para o sistema tributário e a forma como os créditos do PIS/Cofins podem ser utilizados. Por conta disso, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), representada pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), articulou um pedido de devolução da MP junto ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou, na quarta-feira (5), que a decisão do Poder Executivo representa “um retrocesso para o país”. Ela ressaltou que a medida pode travar a economia, afetar a saúde financeira e a geração de empregos.
“A MP mexe no sistema tributário, indo na contramão da reforma, e altera a forma como os créditos do PIS/Cofins podem ser utilizados. É um verdadeiro calote nas empresas, que perderão recursos disponíveis, reduzirão planos de investimentos e, consequentemente, cortarão empregos”, enfatizou.
Segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (Citrus BR), o setor de suco de laranja deve ter um impacto de cerca de R$ 400 milhões com a MP. Na avaliação da entidade, a medida “vai na contramão” do PLP 68/2024, que visa regulamentar a reforma tributária, com “celeridade no ressarcimento e na não cumulatividade” de impostos. “O impacto preliminar é estimado em cerca de R$ 400 milhões, mas pode ser ainda maior”, afirmou o diretor executivo da entidade, Ibiapaba Netto, em nota da Citrus BR.
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a estimativa do total de créditos de PIS e Cofins acumulados na indústria de oleaginosas e na exportação de soja e derivados, tendo como base o ano de 2023, é de R$ 6,5 bilhões. Esse valor, com a MP, torna-se um custo para a indústria de óleos vegetais.
“Esse custo será considerado na precificação da soja, representando a redução de 4% do preço pago aos produtores rurais. Isto é, o produtor de soja será prejudicado pela cumulatividade estacionada na indústria de oleaginosas. Esse impacto pode chegar a até 5% do valor corrente da soja”, afirma a Abiove.
Leilão de Compra de Arroz Importado. Resultado Estranho!
Outro destaque da semana foi o famigerado leilão de arroz. Das quatro empresas que venceram o leilão de arroz do governo federal, a maior compradora é dona de um estabelecimento em Macapá (Amapá) que tem como atividade principal a venda de leite e laticínios. Outra é de um empresário de Brasília que disse à Justiça ter pago propina para conseguir um contrato com a Secretaria de Transportes do Distrito Federal (DF).
O objetivo do governo é amenizar os impactos das chuvas no Rio Grande do Sul sobre o abastecimento e os preços do cereal, mas a medida é questionada pela oposição e pelo agronegócio. Questionada pois, há cerca de 15 dias, a Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) afirmou categoricamente que a safra gaúcha de arroz é suficiente para abastecer mercado brasileiro.
A safra 2023/2024 de arroz do Rio Grande do Sul deve ficar em torno de 7.149.691 toneladas, mesmo com as perdas pelas inundações que o estado sofreu em maio. O número é bem próximo ao registrado na safra anterior, de 7.239.000 toneladas – o que comprova que o arroz gaúcho é suficiente para abastecer o mercado brasileiro, sendo desnecessária a importação do grão.
E não para por aí.
Segundo uma análise de Carlos Cogo, da Cogo Inteligência em Agronegócio, os principais arrematantes do leilão são uma queijaria, Locadora de Carros e Fabricante de Sucos. A queijaria tem capital social de R$ 5 milhões. Um arrematante é pessoa física, que tem 70 processos na Justiça brasileira. Somente um dos arrematantes tem tradição em trading.
Não houve disputa entre os lotes arrematados. O maior lote arrematado foi para Wisley Alves de Souza, dono de uma loja de queijos no Amapá. Ele terá que internalizar e entregar 147 mil t de arroz, sem experiência alguma nesta operação. Para isso, receberá R$ 736 milhões da Conab. A soma chamou atenção pelo porte da companhia, que é uma anônima no mercado brasileiro de grãos.
Até a semana que vem, Souza terá de pagar uma caução de R$ 36,8 milhões à Conab como forma de garantir que possui condições de cumprir o contrato, o que provoca muito ceticismo.
Os lotes foram adquiridos por apenas 4 empresas. Nenhuma é conhecida com player tradicional do Agro, especialmente no mercado de arroz. A única arrematante com expertise em comércio exterior é a Zafira Trading.
Esses arrematantes terão que vender à CONAB o arroz a preços elevados. Justamente por isso grandes tradings do País com expertise nos mercados de grãos e arroz não quiseram participar do leilão.
Todos os arrematantes ainda não têm o arroz disponível. Um deles afirma que irá importar o produto ao custo de US$ 800/t. Esse preço é incompatível com o custo final de entrega ao governo.
Toda essa operação deverá merecer atenção minuciosa dos órgãos de fiscalização. Lembrando que a própria CONAB informa que não há risco de desabastecimento e que os preços do arroz não subiram entre 30% e 40%.
A senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura no governo de Jair Bolsonaro, também protocolou uma representação no TCU junto ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do seu partido.
Na peça, ela pede que a corte avalie se a utilização de recursos públicos na aquisição do arroz importado atende interesse público ou se, pelo contrário, causa dano ao erário. A senadora quer ainda que o TCU realize uma “auditoria de conformidade” para analisar a necessidade e os impactos dessa importação para os agricultores brasileiros e para o mercado, bem como a capacidade financeira das empresas vencedoras do leilão.
Outro questionamento foi quanto à legalidade da utilização de recursos públicos e da logomarca do governo em ano eleitoral nas embalagens do arroz importado que será comprado pela Conab e repassado para o varejo.
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