“Tudo que se diga desse animal não poderá revelar o que seja – é um colosso”, descreveu o vaqueiro. O touro pertencia à famosa raça Gir e, ainda, teve uma morte rodeada de mistérios!
O touro pertencia à raça Gir, famosa pelos chifres para baixo e pela pelagem branco-avermelhada. Chamava-se Krishna, como um dos deuses mais populares do Hinduísmo, religião majoritária na Índia. A saga do touro liga o Brasil à era dos marajás na Índia, quando poderosos locais governavam microestados.
Krishna pertencia ao marajá da localidade de Bhavnagar, H. H. Shri Krishnakumarsinghji – que se notabilizara pela criação de bois e vacas preparados para resistir à maior ameaça local: ataques de leões. O touro impulsionou uma revolução genética que fez do Gir uma das raças mais valorizadas no milionário mercado de embriões bovinos e ajudou na composição genética do Girolando brasileiro, raça responsável por 80% da produção de leite nacional.
Graças aos chifres voltados para trás e para baixo, os pescoços dos animais ficavam protegidos das mordidas dos predadores. Atualmente, a raça é uma das mais queridas pelos pecuaristas, principalmente pelo sua grande adaptação a pecuária nacional.
Os pecuaristas paranaenses formaram um rebanho importado da Índia, há quase meio século, transformando-se numa referência entre os criadores de nelore e de gir leiteiro.
Morte misteriosa
Em O Tempo de Seo Celso, biografia do fazendeiro, morto em 1972, o jornalista Domingos Pellegrini narra a negociação para trazer o animal ao Brasil.
Solto na fazenda Cachoeira, em Sertanópolis (PR), Krishna logo engordou. Até que, um ano depois, um peão chegou esbaforido à sede da propriedade: “O boi caiu, parece que tá morrendo!”. Cid ordenou que, assim que morresse, o animal fosse coberto de gelo. No dia seguinte, levou um taxidermista à fazenda para embalsamá-lo. Queria poder olhar o touro predileto até seus últimos dias.
A carcaça de Krishna foi posta num sarcófago de vidro na sede da fazenda, onde se encontra até hoje. Entre as patas do bicho, Cid deixou uma placa: “Quer conhecer Gir? Observe-me!”
Após embalsamá-lo, o pecuarista passou a guardar a cabeça de cada animal morto. As paredes da fazenda se encheram de crânios com longos chifres e fotografias dos touros e vacas genearcas, como um templo de adoração bovina.
Um ano depois, um peão chegou esbaforido à sede da propriedade: “O boi caiu, parece que tá morrendo!”.
Jamais a causa da morte de Krishna foi elucidada. Peões relataram que, horas antes de desabar, Krishna brigou com um touro mais jovem.
Neto de Cid, Guilherme Sachetim conta que uma autopsia revelou que as veias do coração do animal estavam dilatadas. “Ele pode ter ficado nervoso durante a briga, a pressão subiu, e aí sofreu uma espécie de aneurisma”, especula.
Na curta estadia no Brasil, Krishna deixou um único herdeiro – fruto de um cruzamento com a vaca Sakina, também comprada do marajá de Bhavnagar. Coube ao jovem touro Krishna-Sakina, apelidado pela família de Krishninha, a tarefa de espalhar o DNA do pai Brasil afora.
Desenvolvimento e a raça no país
Na década de 1980, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) impulsionou o melhoramento genético da raça Gir no Brasil ao se associar aos criadores. Montou-se um grande banco de dados com informações sobre a lactação de cada vaca. O desempenho dos touros era medido por meio de suas filhas: quando produziam muito leite, garantiam boas notas ao pai.
Técnicas de inseminação artificial e de fertilização in vitro permitiram que vacas e touros com boa genética gerassem muitos descendentes ao longo da vida.
Estima-se que 80% do gado Gir brasileiro carregue genes do touro Krishna.
O avanço tecnológico também gerou um valioso mercado de embriões bovinos. Pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Marcos Vinicius Barbosa da Silva diz que técnicas de melhoramento genético fizeram a produção leiteira do país quadruplicar nos últimos 20 anos.
O feito chamou a atenção até do governo indiano – que, agora, busca o Brasil para reintroduzir a raça em sua terra natal, onde ela quase desapareceu após cruzamentos malsucedidos e jamais teve a produtividade alcançada em fazendas brasileiras.
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Ele diz que 80% do leite produzido no país hoje vem da raça Girolando – um cruzamento entre as raças Gir e Holandesa. Nos últimos anos, a Embrapa foi procurada por autoridades indianas interessadas em importar vacas e touros Gir brasileiros.
Enquanto evoluía no Brasil, a raça foi minguando no país natal, misturada com outros tipos de gado sem que houvesse avanços relevantes em produtividade. As vacas Gir agora voltarão a sua terra natal para incrementar a produção de leite num país onde boa parte da população é vegetariana.
Conteúdo adaptado da BBC Brasil