Ministério Público do Mato Grosso dá um tapa na cara da agronomia

Órgão pode proibir agricultores de usar o herbicida glifosato com base em argumentos sem nenhum lastro na técnica e na ciência, escreve Xico Graziano.

O maior perigo do negacionismo científico é induzir à deformação da política pública, conforme vimos na epidemia de covid-19. Agora, repete-se o desprezo pela ciência em uma ação do Ministério Público do Mato Grosso contra o agro tecnológico. É inacreditável.

Quer aquela instância judicial proibir os agricultores mato-grossenses de utilizar o herbicida glifosato no controle das ervas daninhas em suas lavouras. Para os promotores públicos do Mato Grosso, pouco importa que o Ministério da Agricultura recomende o uso técnico do referido herbicida, ou ainda que a Anvisa valide sua formulação. Não.

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O MP do Mato Grosso, com endosso do Ministério Público Federal, buscou respaldo, para sua Ação Civil Pública, em uma deliberação do desconhecido Fórum Mato-Grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos. A peça fundamental do processo reside em um “parecer” não referendado por qualquer agência pública nem publicado em nenhum órgão acadêmico-científico. Trata-se de um absurdo total.

Lembram-se quando, na pandemia, autoridades nos recomendavam tomar remédios não testados pela medicina, ou ainda diziam para a população evitar vacinas, mesmo se chanceladas pela Anvisa? Pois é. É do mesmo quilate o negacionismo explicitado pelo MP do Mato Grosso.

Vamos aos fatos. Patenteado originalmente, há quase 30 anos, pela Monsanto, empresa norte-americana, o ingrediente químico glifosato passou a ser comercializado pela marca Roundup, trazendo enormes ganhos agronômicos no controle de plantas invasoras. Na sequência da evolução tecnológica, a Monsanto desenvolveu, por engenharia genética, uma variedade de soja (denominada RR, Roundup Ready) imune ao glifosato.

Na prática, os agricultores plantavam a soja RR e, quando a lavoura se infestava de mato, a pulverizavam com o herbicida à base de glifosato, ferramenta tecnológica que aniquilava todas as ervas invasoras sem causar nenhum dano à cultura principal. O feito é reconhecido como um dos mais extraordinários eventos científicos da agronomia mundial.

Órgãos reguladores de EUA, Austrália, Brasil, Argentina, Canadá e Europa comprovaram a menor agressividade ao meio ambiente, baixa toxicidade e boa degradabilidade do glifosato, que se tornou o herbicida mais usado no mundo –presente em cerca de 130 países.

Tendo expirada, em 2000, a patente do Roundup, dezenas de empresas passaram a fabricar herbicidas com o mesmo princípio químico do glifosato, à semelhança dos medicamentos genéricos. No Brasil, mais de 50 empresas têm registro para a comercialização do glifosato, distribuídos sob variadas marcas comerciais.

Com a aquisição da Monsanto pela gigante alemã Bayer, ocorrida em 2018, muitos tribunais dos EUA passaram a receber ações judiciais de indenização, de pessoas que alegavam sofrer males de saúde, especialmente linfoma não Hodgkin, causado pela exposição ao glifosato. Apesar de inexistir comprovação científica, a Iarc (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer), classificou o glifosato como “provavelmente” cancerígeno.

Assim, todas as agências de regulação do mundo foram orientadas a reavaliar, com extremo cuidado, as consequências maléficas atribuídas ao glifosato. No Brasil, a Anvisa abriu uma consulta pública para obter novas informações científicas, e depois de considerar 19 pareceres (Nota Técnica 12 de 2020 – PDF – 842 kB), assim se manifestou:

“A Anvisa reavaliou o IA Glifosato e concluiu pela manutenção do ingrediente ativo no Brasil. Verificou-se que o glifosato não apresenta características mutagênicas, teratogênicas ou carcinogênicas, não é desregulador endócrino e não é tóxico para a reprodução. Não há evidências científicas de que o glifosato cause mais danos à saúde que os testes com animais de laboratório puderam demonstrar.”

Quando o MP do Mato Grosso solicitou a proibição do uso do glifosato naquele Estado, o Ministério da Agricultura, preocupado com as consequências da eventual decisão judicial proibitiva, publicou uma nota técnica (36 de 2019), na qual ressalta 3 pontos essenciais:

  • Uma retirada abrupta dos produtos à base de glifosato do mercado levaria a severas quebras de produção, retornando a índices de produtividade da década de 1980;
  • Estima-se grande impacto ao meio ambiente e à saúde dos aplicadores de defensivos, tendo em vista que normalmente os produtos à base de glifosato têm melhores classificações toxicológicas e ambientais, e em caso de restrição imediata, seriam parcialmente substituídos por outros agrotóxicos registrados que, geralmente, foram classificados por Ibama e Anvisa como mais tóxicos do que o próprio glifosato;
  • Caso sejam banidos os produtos à base de glifosato, muito provavelmente a maior parte dos produtores deixaria de usar o plantio direto, causando evidentes perdas para o meio ambiente (erosão, diminuição do teor de matéria orgânica do solo e aumento do consumo de combustível).

Mais recentemente, em novembro de 2023, a rigorosa Comissão Europeia, embora pressionada fortemente pelo movimento ambientalista, revalidou o uso do glifosato por mais 10 anos na agricultura dos seus países-membros. A decisão europeia decorre, conforme explicitado, da inexistência de comprovação científica conclusiva, sobre a relação do glifosato com doenças, incluindo autismo, parkinson, alzheimer e cânceres.

Tomando por base a controvérsia existente sobre o assunto, o engenheiro agrônomo Décio Gazzoni, reconhecido pesquisador da Embrapa, recomenda cautela dos analistas e apregoa “sempre questionar as informações veiculadas, cotejando-as com fatos científicos produzidos por cientistas sérios, vinculados a instituições idôneas, publicados em revistas científicas conceituadas”.

A sugestão do pesquisador da Embrapa serve como uma luva ao MP do Mato Grosso, que despreza as informações científicas usadas pelas agências governamentais do mundo todo, preferindo confiar no “parecer” de um fórum local, conhecido por sua militância ideológica.

Na 1ª instância, em setembro de 2023, a juíza Tatiana Pitombo julgou totalmente improcedente essa Ação Civil Pública. Os autores, todavia, recorreram ao Tribunal de 2ª instância, colocando a decisão nas mãos dos senhores desembargadores.

Eu, sinceramente, pouco entendo da técnica jurídica. Pelo método científico, porém, posso afirmar que tal causa significa uma afronta ao conhecimento racional. Um tapa na cara da moderna agronomia.

Fonte: Poder360

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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