Grão se tornou opção rentável para as usinas, especialmente por ser uma matéria-prima que pode ser utilizada o ano todo; produção brasileira de etanol de milho cresceu 800% nos últimos cinco anos
A produção brasileira de etanol de milho deve alcançar 6 bilhões de litros na safra 2023/2024, alta de 36% em relação ao ciclo anterior e de 800% nos últimos cinco anos, de acordo com projeções da União Nacional do Etanol de Milho (Unem). O crescimento da capacidade produtiva é resultante, principalmente, da ampliação do complexo industrial brasileiro – com evolução da quantidade de usinas – , adoção de tecnologias, aumentando o rendimento industrial, e maior demanda internacional por biocombustíveis. É possível citar como vantagens, ainda, a grande disponibilidade de matéria-prima, principalmente por utilizar milho de segunda safra no País e que traz benefícios quanto à proteção da terra, reciclagem de nutrientes e carbono orgânico no solo, e a contribuição com o processo de descarbonização.
Em Goiás, na safra 2022/23, foram utilizados 1,1 milhão de toneladas de milho para a produção de etanol. Considerando que o Estado colheu 12 milhões de toneladas – segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) -, este volume representa quase 10% da produção local. Para a próxima safra, a expectativa é de crescimento para 1,2 milhão de toneladas. O etanol de milho já é a segunda principal fonte de consumo do milho goiano, ficando atrás apenas da alimentação animal.
Segundo o coordenador técnico do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag), Alexandro Alves, o etanol de milho tem sido visto como um produto com grande agregação de valor. “Além de fomentar a produção do cereal, especialmente em Goiás e no Mato Grosso, e produzir biocombustível [etanol], ele gera coprodutos como o óleo, o DDG [grãos secos de destilaria] e o DDGS [grãos secos de destilaria com solúveis], estes últimos usados na ração animal. Também fomenta a geração de energia e a produção de florestas plantadas de eucalipto”, informa.
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Alexandro explica que existem diferenças entre a cana-de-açúcar e o milho. “A cana tem 54% menos açúcar do que o milho. Ou seja, 1 tonelada dela só faz 89,5 litros de etanol. Apesar de ser mais difícil transformar em açúcar as moléculas de amido, o milho produz mais sacarose e álcool. Uma tonelada rende 407 litros de etanol. A diferença basicamente está no rendimento, sendo que em relação ao produto final é exatamente o mesmo produto, ou seja, a molécula de etanol é uma cadeia carbônica que não possui diferença, independentemente de onde a matéria-prima é oriunda”, afirma.
Indústria brasileira de etanol de milho
Existem três modelos de usinas de etanol de milho operando no Brasil: a Usina Full (ou dedicadas) – que processa exclusivamente milho para produção de etanol; a Usina Flex, que são aquelas de cana-de-açúcar adequadas para produzir etanol de milho no período da entressafra da cana; e a Usina Flex Full, que são usinas de cana e milho que operam paralelamente. No Estado, são oito plantas que produzem etanol de milho. Duas dedicadas, localizadas em Acreúna e Jataí. Outras três plantas industriais fazem uma safra ou outra. Já as flex full também são três, sendo duas em Quirinópolis e uma em Chapadão do Céu.
O presidente do Sindicato da Indústria de Fabricação de Etanol do Estado de Goiás (Sifaeg), André Rocha, acrescenta que a produção de etanol de milho no Brasil começou com o segundo tipo de unidade, as chamadas unidades flex. “No primeiro momento, algumas unidades que já produziam etanol a partir da cana começaram a fazer modificações em suas plantas para também produzir a partir do milho para justamente aproveitarem o período da entressafra. No período chuvoso, você não consegue produzir etanol a partir da cana, porque não consegue colher a cana no campo por causa da chuva. E você não consegue armazenar a cana. É um produto perecível, uma vez que cortou a cana, a partir de 24 horas, começa a perder o seu teor de sacarose. Ao passo que o milho não, é possível armazenar e aproveitar para fazer a produção de etanol. Então, de abril a novembro ou dezembro produz a partir da cana, e a partir do momento que começa o período chuvoso, começa a produzir etanol do milho”, reforça André.
Ele destaca que as primeiras usinas flex faziam a produção de etanol de milho durante apenas o período da entressafra, então aproveitavam o bagaço das próprias unidades para poder utilizar essa energia para a produção. “Depois teve o início do desenvolvimento de usinas que produziam o etanol do milho durante toda a safra, em paralelo com a de cana, quer dizer, durante todo o ano fazendo a produção do etanol de milho e em sete, oito, nove meses a produção do etanol de cana, aproveitando que eles tinham o principal insumo para a questão da energia que é justamente o bagaço, a biomassa”, relata.
André orienta que o milho é uma excelente oportunidade, porque pega um ativo que é muito caro e consegue utilizar durante todo o ano. “Logicamente, tem também que tomar todos os cuidados com a manutenção da usina, porque normalmente as unidades aproveitam esse período de entressafra para fazer manutenção. Mas hoje as usinas são mais modernas e conseguem programar mais essa questão da manutenção, podendo operar o ano todo”, explica.
Ele complementa que depois que cresceu o uso de milho para a fabricação de etanol, com investimentos em usinas, a produção de milho também aumentou bastante, especialmente em estados como Mato Grosso. “Apesar de as usinas estarem cada vez mais comprando o milho para a produção de etanol, a produção do grão cresceu lá. Então, não houve corte na disponibilidade da matéria-prima para a produção de alimentos. E, aliás, é bom destacar, porque quando você produz o etanol de milho, você tem dois subprodutos dessa produção do etanol de milho, o DDG, ou WDG, ou DDGS, que é uma ração alimentar, você pega o milho que tem apenas 5%, 6% ou 7 % de proteína, e extrai dele, o DDG, quando ele é seco, ou o WDG, quando ele é molhado, uma proteína com um teor de 35% a 38%. Em alguns casos até de 40% de proteína”, relata.
A São Martinho assinou protocolo de intenções com o Governo de Goiás para produzir etanol de milho na unidade de Quirinópolis. O início da operação ocorreu em março de 2023. A nova unidade produtora, acoplada à Usina Boa Vista, terá capacidade anual de moagem de milho de 500 mil toneladas e produção anual aproximada de até 210 mil metros cúbicos de etanol; 150 mil toneladas de DDGS e 10 mil toneladas de óleo de milho, sendo DDGS e óleo de milho coprodutos utilizados para nutrição animal.
Segundo Ivan Barcellos Dalri, que é diretor Agroindustrial da Usina Boa Vista, unidade São Martinho, em Quirinópolis, o grupo investiu na produção de etanol de milho para expandir as operações e diversificar a fonte de matéria-prima na produção de etanol, aproveitando a alta disponibilidade de milho da região. “A integração energética com a unidade produtiva de etanol de cana-de-açúcar faz com que a planta de etanol de milho utilize 100% de sua energia proveniente do bagaço da cana, uma fonte limpa e renovável. Isto contribui para produzirmos um etanol com baixa intensidade de carbono. Além disso, o acesso à matéria-prima, que é o milho, também é um diferencial”, afirma.
De acordo com ele, para iniciar a produção foram adquiridos equipamentos e implementadas as instalações industriais, bem como realizada a construção dos armazéns e compra do estoque de milho. No total, foram gastos em torno de R$ 1 bilhão. Já a matéria-prima é comprada de produtores rurais, cooperativas, cerealistas e tradings do Estado de Goiás.
Mais investimentos para ampliar competitividade no mercado
De acordo com o coordenador técnico do Ifag, Alexandro Alves, a produção de etanol de milho já é realidade nos Estados Unidos há alguns anos e começa a adquirir grande importância também no Brasil, tornando a matriz energética nacional ainda mais limpa. “Os números mostram isso. Mas, há três anos, sua participação não passava de 6%, o que mostra a rápida evolução na participação do etanol de milho no mercado nacional”, diz.
Ele reforça que para os próximos anos, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) espera que 11 novas usinas sejam colocadas em prática e sete ampliações envolvendo especificamente a fabricação de etanol de milho. “Em dez anos, a produção de etanol de milho no Centro-Sul saltou de 37 milhões de litros para 4,4 bilhões de litros. A expansão da produção do biocombustível a partir do grão deverá ser ainda maior no atual ciclo, representando 17% do volume total de etanol contra 15% na safra 2022/2023. Há uma tendência clara de crescimento não somente no Centro-Oeste, mas já temos iniciativas em outras regiões do País”, informa.
Entretanto, Goiás ainda não alcançou, neste mercado, a mesma competitividade que o Mato Grosso, que por ser o maior produtor de milho, também é o maior produtor de etanol de milho. O presidente do Sifaeg, André Rocha, cita que o estado mato-grossense utiliza 10 milhões de toneladas de milho para a produção de etanol. “Isso é basicamente a produção de milho de Goiás ou do Mato Grosso do Sul, por exemplo. Só que a produção de milho no Mato Grosso, que era de 30 milhões de toneladas, hoje já supera 60 milhões. O preço para o produtor também melhorou, porque o produtor que tinha a opção apenas de vender o seu milho para tradings, ou para exportar esse milho, ele passa a ter a possibilidade de vender para a indústria”, relata.
Ele acrescenta que Mato Grosso ganhou muito, agregando valor ao milho, e teve uma política arrojada de incentivos para receber unidades industriais e apoio de produtores rurais, que viram suas terras sendo mais valorizadas e alcançando melhor remuneração. “Esse milho que era exportado e que tinha um ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] zero para o estado, hoje é industrializado. O estado arrecada com isso, vendendo o etanol dentro do estado e para fora. Assim, gera emprego, melhora o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] e consegue também ter uma cadeia produtiva maior, distribuindo mais a riqueza. Isso a gente vê muito aqui em Goiás com a cana e estamos vendo com esse complemento do milho”, afirma.
Até o início de 2023, Goiás ocupava a segunda posição como maior produtor de etanol de milho. Foi ultrapassado agora pelo Mato Grosso do Sul. “Por lá, só tem uma planta em funcionamento, a segunda começa a funcionar agora, mas são plantas grandes. O Mato Grosso do Sul tem um programa muito arrojado de incentivos fiscais e por isso está recebendo muito investimento na área, sobretudo de etanol de milho, mas também na produção de etanol de uma maneira geral. E nós esperamos, e estamos tentando sensibilizar o governo do Estado de Goiás, a colar essa política do Estado do Mato Grosso do Sul, para que as empresas, inclusive goianas que estão investindo no Mato Grosso do Sul, possam deixar o investimento aqui em Goiás, ao invés de levar para o Mato Grosso do Sul ou para outros estados, como tem ocorrido”, defende, André Rocha.
Eficiência energética e sustentabilidade em avaliação
A eficiência energética é uma atividade que procura melhorar o uso das fontes de energia. A utilização racional de energia consiste em usar de modo eficiente a energia para se obter um determinado resultado. Em termos de eficiência energética, a cana-de-açúcar é melhor, com a vantagem de obter biomassa, palha e bagaço, possibilitando produzir energia para rodar a usina. Existe ainda a vinhaça como subproduto, que funciona como fertilizante, e até uso para fabricação do biometano e biogás. “Além de que, com a cana, você tem a flexibilidade de poder fazer açúcar. No caso do bagaço, além da produção de energia, pode fazer um bagaço hidrolisado, que é utilizado também como ração animal, assim como produzir um etanol de segunda geração, como já está ocorrendo em algumas plantas no interior de São Paulo”, informa André Rocha.
Na questão da emissão de Dióxido de Carbono (CO2), o etanol de cana também é mais eficiente. Dados, inclusive, do USDA, que é o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, e também do departamento que controla as emissões norte-americano, mostram que o etanol de milho emite 30% a menos de carbono do que a gasolina, ao passo que o etanol de cana brasileira emite em torno de 80% a menos. “Isso em função do ciclo produtivo, da captura, inclusive, do CO2, com a fotossíntese, nas plantas, na cana-de-açúcar, e pelo fato de, nos Estados Unidos, você utilizar como fonte de energia o metano. O milho no Brasil, o etanol de milho, ele consegue emitir menos CO2 do que o seu concorrente americano, justamente porque aqui as empresas têm procurado utilizar como fonte de energia a biomassa, mas ele ainda é um pouco menos eficiente, deve ser em torno de mais ou menos 50%, chegando próximo a 60%, enquanto que as usinas de cana chegam a emitir 80% a menos do que a gasolina. A combinação de usina flex é bastante interessante, inclusive isso tem sido verificado na questão do programa Renova Bio, nas notas das usinas, que elas estão procurando cada vez mais, no seu ciclo produtivo, emitir menos carbono”, relata o presidente do Sifaeg.
André explica que para isso ocorrer, as usinas buscam utilizar adubos orgânicos, trocar tratores, colheitadeiras de diesel por motores a biogás e tudo mais, tentando ser cada vez mais eficientes, emitindo menos carbono e, com isso, melhorando as suas notas e tendo que produzir menos litros de etanol para emitir mais certificados, mais CBIOs (que são créditos de carbono). “Um CBIO que uma usina emite equivale a você tirar uma tonelada de CO2 e nós temos, só no início do Renova Bio, nos últimos dois anos, nós temos 100 milhões de toneladas, 100 milhões de CBIOs emitidos, ou seja, 100 milhões de toneladas de CO2 que foram retirados da atmosfera, certificados, fora aquela produção que foi feita que, por um motivo ou outro, acabou não tendo sido certificada”, ressalta.
Via Revista Campo do Sistema Faeg/Senar/Ifag
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