Resistente ao estresse hídrico, cultura avança em Goiás, líder do ranking nacional. No Brasil, produção deve crescer 9,3% em relação à safra anterior.
Por Eliane Silva
Com o atraso no plantio de soja, choque pela falta de chuva em praticamente todas as regiões produtoras e excesso de umidade em algumas delas, a janela para o cultivo de milho ficou bem apertada. Um cenário que abre o espaço para o sorgo, considerado o principal substituto do milho na ração animal.
“2021 é o ano do sorgo”, aposta o engenheiro agrônomo Flávio Tardin, da Embrapa Milho e Sorgo, que pesquisa há 15 anos o cereal. O especialista diz que, em ano de janela de plantio apertado como este, o sorgo, que tem cerca de 90% da capacidade nutricional do milho, deveria ser a escolha óbvia do produtor em regiões de clima quente como o Cerrado.
Entre os diferenciais, diz ele, estão a maior resistência ao estresse hídrico, um ciclo mais curto entre semeadura e colheita (em média 110 dias) e o custo produção de menor. No mundo, o sorgo é o quinto cereal mais produzido, atrás de trigo, arroz, milho e cevada.
Segundo levantamento do Rally da Safra, expedição tradicional promovida pela consultoria Agroconsult, que percorreu até o final de março como principais áreas produtoras de soja e milho do país, no Mato Grosso, 38% das de milho analisadas por equipe foram plantadas em época de alto risco. Em Goiás, esse percentual subiu para 61% e, no oeste do Paraná, 81%.
“Sonho com o momento em que o produtor vai plantar milho só até 20 de fevereiro no Mato Grosso e depois entrar com o sorgo, que tem uma janela de plantio de 10 a 20 dias maior e ainda depende menos de chuva para ter boa produtividade” , diz Tardin.
“(O sorgo) não rende tanto quanto o milho, é claro, mas é melhor colher sorgo e ter lucro do que não colher milho por falta de chuvas na hora certa”Flávio Tardin, engenheiro agrônomo que atua na Embrapa Milho e Sorgo
Segundo a última previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), uma safra 2020/21 de sorgo no país deve ser de 2,7 milhões de toneladas, um aumento de 9,3% em relação à safra anterior. Uma área plantada estimada é de 875,4 mil hectares, um incremento de 4,8%.
Já o milho, com alta demanda no mercado interno e externo desde o ano passado, tem uma estimativa de produção de 82.608 milhões na safrinha. Primeira opção para regiões com regularidade de chuvas, o milho tem ganhado cada vez mais peso nas exportações com a desvalorização do real frente ao dólar e se tornada matéria-prima também para a indústria de etanol, que está em ascensão no Mato Grosso.
O grão dourado leva boa vantagem também na produtividade média: 5,567 kg por hectare ante 3,120 kg do sorgo, segundo o levantamento da Conab de abril.
André Pessoa, fundador da Agroconsult, diz que a sua equipe observou um pequeno aumento de plantio de sorgo em regiões onde a janela climática para o milho não foi nada favorável. “O fato é que, se passar de março, não dá mais para plantar milho, mas geralmente o produtor insiste porque já comprou os insumos.”
Para o consultor especialista em grãos, apesar de sorgo acompanhar de perto o preço do milho e ser uma boa alternativa para uma ração animal, é difícil de comercialização. “Mas num ano como esse, com o milho tão valorizado e procurado, o sorgo tem boas oportunidades.”
Lidera goiana
Apesar do clima favorável e de ter a maior área de produção de grãos do país, Mato Grosso só aparece em terceiro entre os Estados com a produção mais de sorgo, com 142,1 mil toneladas, atrás de Minas Gerais (775,7 mil toneladas) e do líder Goiás, que produz quase a metade do volume do país.
Nesta safra, a estimativa de área plantada em Goiás é de 382 mil hectares, 2% maior que a safra 2019/20, para uma produção de 1.316 milhões de toneladas, que representa um acréscimo de 19,9% em relação ao ano anterior, segundo a Conab. A produtividade, que era de 2,930 kg por hectare, subiu para 3.443 kg e também supera a média brasileira.
Segundo a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) de Goiás, o sorgo se tornou uma opção de certeira de cultivo na segunda safra no Estado para cobertura do solo e produção de silagem e grãos devido à ampla adaptação às condições climáticas, baixa demanda hídrica, tolerância à presença de alumínio em solos ácidos e cultivo mecanizado.
Também pesam na conta o custo de produção menor, o preço semelhante ao milho e o aumento recente de demanda por alternativas na apresentação de rações para animais.
Donalvan Moreira da Costa, superintendente de produção rural da Seapa, diz que praticamente 100% da produção de sorgo fica no próprio Estado e se destina a indústrias processadoras para fabricação de ração animal e também aos confinamentos de bovinos, suínos e aves.
As regiões que mais específicas do cereal são Paraúna, seguida por Rio Verde, Acreúna, Goiatuba e Catalão. Segundo Costa, só a região norte do Estado não faz safrinha devido ao acentuado estresse hídrico.
Tardin, pesquisador da Embrapa, explica que o “sorgo é bem resistente, mas não faz milagres se não tiver chuva nenhuma.” Ele afirma que Mato Grosso tem vocação para superar Minas e Goiás, desde que solução seus gargalos de armazenagem e o produtor tiveram mais incentivos.
“Uma oferta abundante e barata de milho nas safras anteriores não incentivo ao produtor a investir no sorgo. Só que agora, com dólar alto e demanda superaquecida, o milho virou ouro. ”
Opção dupla
Leonardo Becker Spina, produtor de grãos em Edéia (GO), planta “ouro” em 300 hectares irrigados na safrinha, mas na maior parte da área, em sequeiro, cultiva o sorgo. “Este ano plantei 500 hectares de sorgo e, no próximo ano, vou aumentar a área porque a cultura tem nos trazido bons resultados”, diz Spina, que também é agrônomo e trabalha ao lado do pai, Germano.
Segundo ele, o clima na sua região é bem definido na primeira safra, de soja, mas na safrinha, uma chuva localizada e ele sempre opta pelo plantio menos arriscado de sorgo. “O bom é que o preço acompanha o do milho. Quando o milho valia R $ 23, vendia o sorgo por R $ 15. Hoje com o milho a R $ 80, o sorgo subiu por R $ 62 ”.
A produtividade do milho irrigado, conta o produtor goiano, é mais que o dobro do sorgo de sequeiro (160 sacas por hectare ante 70 sacas), mas o custo de produção fica por volta da metade ea família opta por armazenar o cereal.
“A produção de sorgo que é vendida logo após a colheita vai para as fábricas de ração. Nós armazenamos em silo-bag para vender para confinamentos de São Paulo e do norte de Goiás a partir de setembro, quando acaba a oferta do milho. Colhido na umidade certa, ele pode ficar no bolsão por até oito meses. ”
O engenheiro agrônomo Tiago Custódio da Silva trabalha para José Paulo Rochetto, integrante da família que mais produz batatas no país e é dona da Indústria Bem Brasil. Ele conta que Rochetto também produz 4.000 hectares de soja e tradicionalmente cultivada sorgo na safrinha em Minas e em São Paulo para aproveitar o bom preço do cereal em comparação com o milho.
Na safra passada, a produtividade média na fazenda em Minas foi de 80 sacas (ou 4.800 kg) por hectare e em São Paulo, onde faltou chuva, ficou em 50 sacas. “O preço foi muito bom. Vendemos a saca por 80% do preço do milho. ”
Nesta safrinha, uma opção no lado mineiro foi pelo trigo para fazer a necessária rotação de culturas. O sorgo ficou restrito a 400 hectares na fazenda de Casa Branca (SP). “Investimos bastante no sorgo. Destilar, plantamos o cereal aproveitando o residual de nitrogênio da palhada da soja e ainda fazemos um acréscimo de 150 a 200 kg por hectare de adubo. ”
Salto
Goiás vence em área e produção de sorgo, mas o Mato Grosso do Sul fica com o título nesta safrinha de maior crescimento. Plantou 26,7 mil hectares (alta de 167%) e passou de 36 mil toneladas para 92,6 mil, ficando em quinto no ranking, atrás da Bahia (106,9 mil toneladas).
O sorgo poderia ser uma boa alternativa também para as regiões mais secas do Nordeste, mas, em toda a região Norte e Nordeste, o cereal deve ocupar nesta safrinha penas 180 mil hectares para a produção de 316 mil toneladas, 10,1% inferior à da safra passada.
Spina, o produtor de Goiás que investe no sorgo, conta que uma nova praga está preocupando os agricultores. Trata-se de um novo biótipo do pulgão da cana que migrou para o sorgo e demanda mais pulverizações da lavoura, o que eleva o custo de produção.
“Lavouras sem tratamento contra o pulgão da cana perderam até 100% da produção no ano passado”, diz Spina, causando que, antes, os principais inimigos do sorgo eram o pulgão comum e o lagarta. “Esse pulgão da cana se aloja na parte mais baixa da planta e causa muito estrago. Sua população explodiu no ano passado, exigindo cinco ou seis aplicações de defensivos. ”
Segundo o pesquisador e melhorista genético Tardin, uma Embrapa tem estudado em várias regiões os níveis de infestação e injúria (prejuízo à cultura) para apontar os materiais geneticamente mais resistentes ao pulgão da cana.
Nos casos de ataque da praga, o produtor precisa monitorar as folhas de sorgo para ver se uma colônia de pulgões está crescendo antes de aplicar o inseticida. O inseto sobrevive no ciclo todo da cultura e se multiplica muito rápido, mas chuvas pesadas e inimigos naturais, como a joaninha, podem ajudar na redução da infestação.
A Embrapa pesquisa a cultura do sorgo desde a década de 1970 em busca de ganhos de produtividade, precocidade e adaptação a climas mais secos. São cinco tipos agronômicos: granífero, sacarino, forrageiro, vassoura e biomassa. O mais plantado é o granífero, plantas de porte baixo adaptadas à colheita mecânica e destinado à ração.
O silageiro, de porte alto, é apropriado para fazer silagem, mas também pode ser alternativa para produção de açúcar e álcool. O forrageiro é usado para pastagem e cobertura de solo. O quarto tipo é utilizado para confecção de vassouras e o grupo biomassa serve para a produção de energia.
“O negócio sorgo evoluiu muito no Brasil e atraiu muitas empresas privadas, como a Biomatrix e a Corteva”, diz Tardin. As sementes, diferentemente de soja e milho, não têm transgenia, por isso, são mais baratas.
- CerealCred: nova solução de crédito para associados da Acebra em parceria com a Farmtech
- Prestes a realizar o maior leilão da história do Quarto de Milha, Monte Sião Haras adquire totalidade da égua mais cara do Brasil
- Região do Cerrado Mineiro avança no mercado global com leilão virtual
- Mudanças climáticas redesenham a agricultura brasileira
- Valorizada em R$ 20 milhões, Monte Sião Haras adquire Dinastia Apollo Roxo
A empresa de pesquisa prepara o lançamento de uma nova cultivar, a BRS 3318, para a safrinha 2022/23. Atualmente, a variedade está sendo multiplicada nas sementeiras para fazer testes de mercado. Pelos dados da pesquisa, uma cultivar tem mais resistência à seca e precocidade, além de ser mais produtiva.
O sorgo também é pesquisado como opção para fabricação de produtos alimentícios para humanos. Uma pesquisa da nutricionista Valéria Queiroz, também da Embrapa Milho e Sorgo, selecionou variedades com grãos de altos teores de ferro, zinco, proteínas, vitamina E e fibras. Na África e na Ásia, o sorgo já é usado na produção de amido e farinha para fabricação de pães e biscoitos.
Fonte: Globo Rural