Redução da produção na China, crise geopolítica no leste europeu e pandemia afetaram cadeia global, gerando preocupação já para a safra 2022/2023.
O diretor da mesa de fertilizantes da StoneX, Marcelo Mello, classifica como “muito séria” a situação do setor com o qual trabalha todos os dias. A orientação que ele tem dado a seus clientes, que, hoje, respondem por cerca de 40% da produção brasileira de grãos, é que comprem o quanto puderem de potássio, um nutriente fundamental para a produção agrícola mundial. Segundo ele, “há uma chance concreta de desabastecimento” no mercado.
Nutriente indispensável para a produção em larga escala, juntamente com o fósforo e o nitrogênio, o potássio é essencial para o metabolismo das plantas, sobretudo para o balanço osmótico. “Considerando que todo o fluxo de água e nutrientes nas plantas tem relação com abertura e fechamento dos estômatos, sem potássio, não tem fluxo”, explica Diego Siqueira, doutor em ciências do solo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).
Naturalmente presente no solo, ele precisa ser reposto quando há uso intensivo da terra, como em monoculturas de grãos. Maior produtor mundial de soja, o Brasil consome 18% da produção mundial de potássio. O nutriente é obtido a partir da mineração em reservas concentradas no Canadá, na Rússia e na Bielorrússia, onde uma crise geopolítica tem comprometido a oferta futura do insumo.
Em maio deste ano, um avião da Ryanair que partia da Grécia para a Lituânia precisou fazer um pouso forçado ao passar pela Bielorrússia. O país determinou que a aeronave aterrissasse na capital, Minsk, alegando que havia uma ameaça de bomba na aeronave. A alegação, contudo, era um pretexto: na aeronave estava um opositor do presidente do país, Alexander Lukashenko, no poder há mais de duas décadas.
“O apelido dele na Europa é de que ele é o último ditador europeu, porque ele está há 26 anos no poder e foi reeleito para o sexto mandato consecutivo de quatro anos, no ano passado, em uma eleição supostamente fraudulenta”, explica Mello, da StoneX.
A ação do governo bielorrusso gerou reação por parte da comunidade internacional e, em agosto deste ano, o governo dos Estados Unidos anunciou a proibição da compra do insumo da estatal Belaruskali, que responde por 20% da produção mundial de potássio.
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Desconfiança e apreensão
Embora a medida só tenha validade a partir de dezembro e tenha deixado de fora as demais empresas do setor no país, que concentram a maior parte das exportações, o impacto sobre o mercado foi imediato. Bancos e outros agentes financeiros têm evitado fazer pagamentos a empresas bielorrussas. Além da StoneX, o problema também é relatado pela AgroGalaxy, que atua na distribuição do produto.
“Um dos grandes fornecedores nossos mencionou isso. Tem o produto, está feito o pedido, mas ele não consegue pagar porque não consegue transacionar dólar como país Já tem muitos bancos que já não querem operar por conta dessas sanções”, conta o diretor de fertilizantes da companhia, Rodrigo Bussadori, ao destacar a importância dos bielorrussos para o setor.
“Realmente, há uma expectativa muito grande com o que vai ser porque esse é um produto que você não tem um substituto e obviamente você perder 20% da produção deste insumo requer dizer que a própria alimentação humana passa a sofrer com isso, porque estamos falando de um fertilizante que é um dos principais responsável pelo aumento da produtividade no campo”, explica Bussadori.
Olhando para o cenário atual, diretor de fertilizantes da StoneX considera possível uma piora na oferta de potássio nos próximos meses, com altas ainda mais expressivas nos preços nos próximos meses após uma valorização acumulada de mais de 200% este ano.
“Se os Estados Unidos forem bem sucedidos na intenção de proibir que uma parcela significativa do fluxo de exportação da Bielorrússia, que seja 50%, vamos ter uma crise de desabastecimento. Não vai ter potássio para todo mundo e é no mundo todo” aponta Mello.
A situação, segundo ele, é de total imprevisibilidade do mercado. “Como isso vai passar, eu não sei, mas temos um risco iminente e sério. Tenho recomendado meus clientes que eles comprem o potássio que eles puderem porque isso é uma coisa de longo prazo. Se os EUA conseguirem impedir esse fluxo, até o mundo conseguir repor essa produção são vários anos”, explica Mello. Com as compras da safra de verão 2021/22 praticamente fechadas, a preocupação do mercado tem sido com a safrinha de milho e com a próxima temporada, que se iniciará daqui um ano.
Fósforo e nitrogênio
Além do potássio, o mercado também enfrenta falta de fósforo, outro macronutriente usado na adubação obtido da mineração. Neste caso, a produção mundial concentra-se na China, de onde sai um quarto das exportações mundiais. Com a alta no preço das commodities agrícolas e a maior demanda mundial por insumos, os preços internacionais dobraram de valor, gerando um clima de especulação com atraso nas importações brasileiras este ano.
“Isso fez com que os próprios importadores segurassem as importações para entender se aquele preço fazia sentido ou não. E a própria indústria nacional teve dificuldades de ter acesso a precificações, porque o próprio produtor lá fora, vendo que o mercado estava altamente demandante, não tinha pressa para comercializar”, explica Bussadori.
Ele destaca que, neste cenário, os países exportadores também têm segurado a exportação para priorizar o mercado interno. “Isso também tem penalizado muito o abastecimento e não só de novos negócios, mas também de contratos já fechados”, relata o diretor da Agrogalaxy.
No caso do nitrogênio, obtido a partir do gás natural, a crise no fornecimento se dá pela queda na produção do petróleo no início da pandemia somada a uma retomada da economia mundial mais forte do que se imaginava. “Os estoques que existiam foram sendo dilapidados pouco a pouco, principalmente quando as economias começaram a retomar, no início deste ano”, conta Mello. O resultado foi uma alta de 120% no preço do gás natural, o que atingiu de forma direta a cotação dos nitrogenados, como a ureia e a amônia.
“Com isso, muitas plantas na Europa anunciaram o fechamento total ou parcial da produção nos últimos dias, gerando um problemão porque, evidentemente, o preço da ureia também está subindo loucamente”, conta o diretor de fertilizantes da StoneX.
Assim como o fósforo, o nitrogênio dobrou de valor em um movimento que também está relacionado às metas de descarbonização anunciada por diversos países. “O gás natural está subindo e o custo de oportunidade para produzir a ureia está levando a ureia para um preço imenso porque todo mundo precisa o gás natural para outras coisas”, pontua Mello.
Glifosato
Na China, a corrida pela descarbonização tem afetado a produção de outro insumo importante: o glifosato. Defensivo mais usado no mundo, o herbicida tem como matéria prima uma molécula chamada Isopropilanina, cuja produção está concentrada na indústria chinesa. O país responde por 90% do mercado mundial e tem fechado fábricas, em meio aos esforços para mitigar as suas emissões de gases do efeito estufa, tal como se comprometeu durante Assembleia Geral das Nações Unidas, no ano passado.
Em comunicado enviado a seus clientes, a CCAB Agro, que atua no mercado de defensivos genéricos e biológicos, detalhou a situação. Além das restrições de energia, a empresa conta que o governo chinês tem feito inspeções ambientais e fechado temporariamente algumas plantas visando a qualidade do ar na região de Beijing onde acontecerá em fevereiro de 2022 as Olimpíadas de inverno.
“Temos como maior exemplo a província de YunNan que é a maior produtora de fósforo amarelo na China e que recebeu redução de 90% na disponibilidade de energia. Os preços do fósforo amarelo dobraram entre 1º e 15 de setembro e causaram falta de matéria-prima para produtos importantes como Glifosato, Acefato, Malathion”, afirma a companhia, ao destacar uma alta de 233% no preço do glifosato no Brasil este ano.
Crise estrutural
Segundo o consultor de mercado Junior Crosara, a redução no número de fornecedores de moléculas de defensivos na China é algo “estrutural” e coincidiu com uma “altíssima” demanda por insumos agropecuários. “O agro não está crescendo só no Brasil. Existe uma demanda muito forte, no mundo inteiro. Então tem uma questão conjuntural, de alta de demanda e também de momento. Porque a organização do transporte marítimo ficou deturpada. É uma soma de fatores que acaba levando a essa crise”, destaca.
Para o consultor, a situação está longe de ser passageira.“A molécula glifosato é a mais vendida no mundo, a mais vendida no Brasil e ainda não se tem uma tecnologia em larga escala que possa substitui-la. Então, hoje temos orientado nossos clientes a priorizar talhões mais problemáticos e com maior infestação para fazer uso do glifosato”, relata o consultor, ao mencionar também o uso de herbicidas pré-emergentes e outras tecnologias para reduzir a dependência do insumo.
Em boletim divulgado nesta terça-feira (28/9), o Itaú BBA destaca o aumento de 7% na importação de herbicidas pelo Brasil este ano, o que poderia indicar um possível esforço para substituir o glifosato, cujas importações caíram 40% no mesmo período.
“A nossa recomendação é que o agricultor realmente pense em garantir seus insumos junto a seus parceiros. Já tem uma demanda muito forte para 2022/23 porque isso cria um senso de urgência e também já tem uma boa evolução da safrinha”, conta Crosara, ao ressaltar que a dificuldade para obter o insumo se tornou mais um desafio do setor, tal como o clima, a fixação de preços e o próprio manejo agrícola. “A gente vê um esforço enorme das empresas para tentar realocar produtos e trazer para o Brasil. Não está sendo medido esforços, mas não é uma questão só do Brasil, é mundial”, completa o consultor.