Para o economista André Perfeito, “improviso” contribui para o aparecimento de nomes como Luciano Huck na corrida eleitoral
No dia primeiro de março, depois de se debruçar sobre os resultados da economia brasileira em 2017, divulgados naquela manhã pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), André Perfeito alertou sua clientela. “Não há muito o que comemorar”, escreveu no “Flash Econômico” que divulga logo depois da publicação de números relevantes para a economia e a tomada de decisão dos investidores.
Para o economista-chefe da Gradual Investimentos, empresa que administra uma carteira de R$ 4,5 bilhões, o 1% celebrado pela equipe econômica do governo pode até sinalizar o fim da piora. Mas está longe de tirar a pulga de trás da orelha de quem tiver um olhar mais atento. “Ainda estamos 5,95% atrás do que era antes de iniciar o processo recessivo.”
No que tem dito e escrito, Perfeito tem demonstrado um ceticismo maior em relação à economia do Brasil, e reconhece adotar um tom mais crítico do que muitos de seus colegas do mercado financeiro, de quem costuma ouvir que é heterodoxo. Em outro comunicado para seus clientes, chegou a dizer que o mercado “deu de ombros” para mais um rebaixamento de nota de crédito do país, dessa vez pela agência Fitch.
Para ele, os “sinais de perigo” estão sendo ignorados. “Voltamos para 2006, por assim dizer, e dado o impasse político deste ano, o prognóstico não é animador”, comentou, sobre o BB- carimbado pelos classificadores de risco.
Em entrevista à Globo Rural, concedida dias antes da divulgação do resultado do PIB de 2017, no suntuoso edifício onde funciona o escritório da Gradual, em São Paulo, Perfeito falou dos motivos da sua desconfiança, embora projete uma alta de mais de 2% no PIB brasileiro neste ano.
Até quando a gente vai fingir que não é o maior país da América Latina?
“A gente olha os dados, parece que está tudo indo bem, mas não é verdade. Por que, para mim, isso é muito importante? Se eu for falar o que todo mundo está falando o tempo todo, não adianta nada. Existe uma série de boas razões, desde pesquisas que mostram que a população não quer as reformas, desde problemas já decorrentes das reformas na dinâmica fiscal, desde uma ilusão que a gente está tendo com os valores dos ativos, parecendo que está indo bem, mas não tá, que me levam a crer que, ao longo de 2018, particularmente, lá em meados de 2018, quando a eleição começar a pegar muito forte, vai dar problema.”
O “rolo” das reformas
Reforma da Previdência sempre tem que ter. A população muda. Agora, do jeito que está sendo feito. Se a economia crescer, o Estado vai diminuindo em termos proporcionais. Só que o fato é: no futuro a gente não vai estar mais velho? Se isso é verdade, como não vou gastar mais do PIB para cuidar daquelas pessoas? Vai ter que aumentar a proporção do que a gente produz na economia. Se o estado não vai fazer isso, vai fazer a iniciativa privada. Eu acho bom, não acho ruim. Do meu ponto de vista, do mercado financeiro, seria ideal, porque o mercado financeiro é muito mais ágil em alocar recursos. Mas o problema é o seguinte: a gente vive num país – dados de 2016, que é o último que eu lembro que saiu – em que metade da população vive, em média, com 747 reais por mês. Que sejam mil. Quem ganha mil reais não consegue guardar dinheiro e não consegue fazer uma aposentadoria. Por que sou favorável a uma reforma da previdência que pegue a elite do funcionalismo público? Não é porque eu não gosto do funcionário público. É porque só consegue fazer aposentadoria quem tem renda para fazer poupança. E essa discussão não está sendo feita”, afirma.
André Perfeito acrescenta que, enquanto a arrecadação previdenciária tem que ser resolvida com a sua própria reforma, já vem sendo atingida pelos efeitos de outra mudança: a da lei trabalhista.
“Fizeram a reforma trabalhista. Era para ter sido feito, em alguma medida sim. Mas olha que complicado. O sujeito sai de um contrato CLT e vira um PJ, o que acontece em grande medida já no Brasil. A arrecadação do governo cai. O que o governo vai ter que fazer? Aumentar a alíquota do Simples. O sujeito sai de uma situação em que ele tinha mais proteção para ir para uma em que pode perder se ganhar mais. Esse é o tamanho do rolo político e econômico.”
O “improviso” do mercado
“O Luciano Huck ter surgido como um nome de peso mostra o grau de despreparo. Mais do que isso, de improviso da classe empresarial e da indústria financeira brasileira. Por que eu coloco isso? Nada contra o Luciano Huck. Mas isso mostra um grau de improviso muito grande porque parece que eles estão tentando descobrir alguém que consiga contrabandear por dentro do mandato essa agenda que ainda não foi referendada. Sem entrar no mérito das reformas em si, só pensando no campo político. Há um limite muito grande. Tanto é que não surgiu um nome de centro. Toda a vez que começa a aparecer um nome de centro, ele é bombardeado ou não consegue se articular. Imagina o Luciano Huck e a Angélica entrando no Palácio da Alvorada e o Luciano Huck tendo que conversar com o Renan Calheiros. Nada contra o Luciano Huck, mas como alguém do mercado financeiro pode achar que isso é uma ideia boa? É inacreditável. Acho que o Renan Calheiros tem todas as críticas que possa ter em cima dele, mas ele é um político experiente, ele sabe como a coisa funciona. É muito fácil eu estar aqui em São Paulo, tomando café gourmet e falar de Brasília.”
O “Plano Meirelles”
“Um dos motivos do real forte é um saldo comercial gigantesco. Só que é, antes, resultado das importações muito baixas. O investidor olha pro câmbio e diz ‘nossa, está indo bem!’ Na verdade, está indo bem porque está ruim, ou seja, as importações não subiram porque a atividade está fraca. Qual era o plano do Meirelles? Ele viu abrir um déficit fiscal gigantesco. Deve ter pensado ‘não vou ter como aumentar imposto. Deixa isso pra lá. Então vou criar uma PEC do teto. Na hora que eu criar a PEC, aumenta a credibilidade, caem os juros, o investimento vem, o crescimento vem e todos vamos viver felizes para sempre’. De fato, aconteceu isso. Segurou o gasto, alterou a constituição e os juros longos caíram, é verdade também que por outros motivos externos. Só que o empresário não investe porque os juros são baixos. Investe ou porque tem demanda ou porque tem ociosidade baixa. A ociosidade da indústria ainda está bastante elevada, maior do que no período pós 2008. A demanda está relativamente fraca, isso daí pode ser visto de várias formas. O que eu brinco às vezes aqui é que a boa notícia é que está ruim. Porque o fato de estar desacelerando a economia é que está entregando inflação baixa.”
O desafio do próximo presidente
“Ele deve assumir com um teto que deve estourar, uma regra de ouro (artigo da Constituição que proíbe o governo de contrair dívidas para pagar despesas correntes) que não vai conseguir cumprir e uma Reforma da Previdência que sei lá o que vai virar depois dessa eleição. Por isso mesmo eu acho que a população não quer as reformas. O próximo presidente vai pegar um país, muito provavelmente, com teto de gastos estourado. Não pode contratar, não pode aumentar salário, não pode dar subsídio, vai ter que descumprir a regra de ouro num país que ele vai herdar com uma intervenção militar numa das suas maiores cidades. Como eu posso achar que isso é razoável, é tranquilo, é bom?”
Vendendo Brasil
Empresário brasileiro vende Brasil. Investimento estrangeiro direto continua num patamar altíssimo. A gente vende e gringo compra. Por que? A gente olha para a taxa de rentabilidade aqui e fala ‘que porcaria esse negócio’. O cara vê lá de fora e fala ‘tá maravilhosa, vocês estão de brincadeira. Tomei’. O Brasil está dando saída pra todo mundo. O mundo inteiro está com uma baita crise e o Brasil entrega juros. Estou tirando o boné de mercado financeiro e colocando o de brasileiro que gosta de chorinho, torce pro São Paulo, vê e reconhece a cultura nacional como potente e acha que esse Brasil vai dar certo. O mundo inteiro sem conseguir pagar juros e o Brasil pagando. Aí veio um colega meu: ‘Ah, se baixar mais os juros, não empresta dinheiro pro Brasil’. Tá bom, coloca no Japão, então! A gente está vendendo o Brasil a preço de banana. Aí, tudo na mão de gringo. E nós, aqui, vamos virar só mão de obra? Quando você vai jogando os juros pra baixo, força o empresário parar de dar dinheiro pro governo e fazer coisas reais. No mercado financeiro, em tese, teria que sair de títulos públicos para títulos privados. Cansei de ver apresentar um produto de crédito privado, o sujeito olhava e falava que não ia pegar. Por que? Porque ele nunca teve que avaliar crédito privado. Você tinha uma indústria financeira inteira voltada a emprestar para o governo. No fundo é isso. Vai lá pro risco, financia uma ideia. ‘Ah, tenho aqui um cara que está fazendo um gerador de energia nuclear com casca de banana’. Dá dinheiro. ‘Ah, não, isso não’. Porque a única escolha racional é emprestar pro governo.
“Sou um imperialista”
“O pessoal fala assim ‘André, você é nacionalista’. Eu sou pior, eu sou imperialista. Até quando a gente vai fingir que não é o maior país da América Latina? A gente fica nessa postura acanhada. O mercado financeiro latino-americano tinha que ser nosso e a gente fica abrindo mão disso o tempo todo. É porque o brasileiro não sabe? Os profissionais do mercado de capitais no Brasil são extremamente capacitados. A questão é decisão política. O problema do Brasil, é político.”
POR RAPHAEL SALOMÃO E VENILSON FERREIRA, DE SÃO PAULO (SP)