Mercado de leite brasileiro deve se recuperar, dizem especialistas

Os números de 2016 só serão divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 17 de março, mas a expectativa é que a produção de leite no Brasil sofra a maior queda em 55 anos, desde que os índices passaram a ser registrados. “Embora a captação formal de leite no terceiro trimestre do ano passado tenha apresentado uma recuperação de 12,1% em relação ao trimestre anterior, o volume total captado teve uma quebra de 4,9% quando compa

rado ao mesmo período de 2015”, informa o pesquisador da Embrapa Gado de Leite João César Resende.

Os dados iniciais sugerem que a recuperação tenha se mantido no último trimestre, mas o País deve fechar 2016 com uma produção pouco acima dos 23 bilhões de litros, uma retração acima de 3% em relação a 2015 e há entre os analistas quem aposte em um índice de 4%. Os dois últimos anos não foram bons para o setor. Desde 2014, quando o Brasil registrou o maior volume de produção de leite sob inspeção (24,7 bilhões de litros), os índices vêm retrocedendo. Em 2015, a queda foi de 2,8% (figura 1).

Figura 1: Produção de leite sob inspeção no Brasil (bilhões de litros):

Fonte: IBGE, adaptado pela Embrapa (2016: Estimativa Embrapa Gado de Leite).

Ano de extremos

Um dos fatores que favoreceu o menor volume produzido foi o preço internacional do leite. Nos leilões da plataforma Global Dairy Trade (GDT), a tonelada do leite em pó chegou a ser vendida em julho por US$ 2,062.00, preço muito abaixo da média, segundo analistas. Isso favoreceu a importação de leite da Argentina e do Uruguai. “Importamos o equivalente a 8% da nossa captação de leite no ano que passou”, explica o também pesquisador da Embrapa Gado de Leite Glauco Rodrigues Carvalho. Em dezembro, o leilão da GDT já estava pagando pela tonelada do leite em pó US$ 3, 568.00. A expectativa de Carvalho é que essa seja a média dos preços internacionais ao longo de 2017, reduzindo a competitividade das importações, possibilitando uma recuperação da produção doméstica.

Outro fator que prejudicou o setor foi a quebra de safra do milho. Enquanto a safra do grão em 2014/2015 foi de 84,3 milhões de toneladas, no período de 2015/2016 houve uma queda de 21% (66,5 milhões de toneladas). Isso encareceu a alimentação concentrada do rebanho, aumentando os custos para o produtor. “Vivemos fatos extremos em 2016, o que demonstrou a desorganização e a fragilidade da cadeia produtiva do leite no Brasil”, argumenta Carvalho. O reflexo dessa fragilidade se deu, principalmente, nos preços pagos ao produtor. O ano começou com preços muito baixos, com o pecuarista recebendo R$ 1,06/litro. A média do primeiro semestre ficou abaixo de R$ 1,20.

A consequência foi a queda da atividade industrial, com as indústrias chegando a conviver com uma capacidade ociosa em torno de 40%. Para ampliar a captação do produto, a reação foi aumentar os preços, cuja média no segundo semestre foi de R$ 1,49/litro. Carvalho informa que o pico ocorreu em agosto (R$ 1,69), mas teve leite sendo comprado de alguns produtores por mais R$ 2,00/litro. “Com uma amplitude tão grande de preços, fica difícil para qualquer setor se planejar”, afirma o pesquisador.

Apesar de um ano de tão grandes variações, desde 2010, o valor pago ao produtor tem mantido uma certa regularidade, como mostra a Figura 2. A produção total do Brasil (leite inspecionado mais leite informal) apresenta uma curva ascendente enquanto os preços caem, o que, segundo Resende, demonstra o potencial da atividade: “A longo prazo, a queda dos preços pagos ao produtor reflete a diminuição dos custos de produção que ocorreu no período. Temos um setor produtivo mais eficiente, que se modernizou tecnologicamente. E os preços para o consumidor também acompanham a tendência de queda. Se não houvesse essa modernização, estaríamos pagando hoje mais de R$ 4,00 pelo litro de leite”.

Figura 2: Evolução da produção e dos preços pagos aos produtores no Brasil (1975/2016):

Fonte: IBGE e IEA (Organização: Embrapa Gado de Leite).

Tendências favoráveis para o mercado interno

Carvalho afirma que, para este ano, espera-se um volume de produção superior aos registrados em 2015 e 2016, mas sem excesso de oferta. “Será um ano de recuperação de safra, já que a relação preço do leite e insumo, na média, tende a ser melhor”. O milho, vilão do aumento dos custos de concentrado em 2016, tende a ter preços mais amigáveis. A expectativa é que a safra 2016/2017 do grão gire em torno de 84 milhões de toneladas. A previsão somente para a safra de inverno é de 56 milhões de toneladas. O pesquisador espera que a safra de grãos no Brasil, capitaneada pela soja, seja recorde este ano.

Como já foi dito, os preços internacionais do leite tendem a subir, dificultando as importações, o que favorece o cenário interno. A tendência de aumento dos preços internacionais se ancora principalmente na desaceleração da produção na Europa e na queda recente da oferta na Oceania e na América Latina. A manutenção da cotação do dólar em patamares mais elevados também é um estímulo à produção interna, aumentando a competitividade relativa da exportação em relação à importação.

“Do ponto de vista do consumo interno, a tendência também é de melhora gradual”, aponta Carvalho. “A despeito do frágil cenário político e econômico nacional, os indicadores têm melhorado e as perspectivas são de que inflação, taxa de juros e PIB caminhem no sentido de estimular o consumo, promovendo uma retomada do crescimento econômico, ainda que modesto”, conclui.

O pesquisador destaca que, independentemente das oscilações conjunturais, existem transformações importantes acontecendo na cadeia produtiva do leite no Brasil. Entre elas, cita:

– Melhoria na gestão das propriedades;

– Maior especialização do rebanho brasileiro (dados de 2015 do IBGE mostram uma queda de 5,5% do número de vacas leiteiras, o que significa que os animais de pior genética estão sendo descartados);

– Maior velocidade na adoção de tecnologias, que geram ganhos de produtividade (algumas microrregiões brasileiras apresentam produtividade comparável a países de primeiro mundo);

– Menor custo de produção de milho e soja do mundo.

“Esses elementos, somados ao clima propício, à disponibilidade de terras, à relativa abundância de água e ao potencial de consumo de uma população continental tornam a pecuária de leite brasileira uma das atividades agrícolas de maior potencial”, afirma Carvalho. Mas ele lembra que produzir leite exige gestão, dedicação e tecnologia, como em todas as atividades econômicas. “Os que conseguem unir essas características são os empreendedores que irão continuar tendo sucesso na atividade, garantindo uma boa remuneração e uma produção cada vez mais sustentável economicamente”, finaliza.

Por Rubens Neiva, Embrapa

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