Matadouros municipais ignoram a Lei de Abate Humanitário e deixam população local em risco; ONG flagrou vacas prenhes abatidas, marretadas na cabeça com varas de metal ou madeira, e mortes com cortes de machado; imagens são fortes
Marretadas na cabeça com varas de metal ou madeira. Mortes com cortes de machado. Vacas prenhes abatidas. Esses são apenas alguns dos cenários flagrados por integrantes infiltrados da Mercy For Animals (MFA), organização internacional sem fins lucrativos de defesa animal, em cinco abatedouros públicos no Nordeste, onde também foram constatados ambientes insalubres potencialmente danosos à saúde humana. Os estabelecimentos são responsáveis por abastecer o mercado local e oferecer carne para a merenda escolar. As denúncias, incluindo vídeos captados com câmeras escondidas, foram protocoladas junto ao Ministério Público Federal (MPF) em 28 de fevereiro e obtidas pelo GLOBO.
Em resumo, e uma preocupação para saúde pública e cadeia da carne bovina, cinco abatedouros públicos no Nordeste foram flagrados, como por exemplo, mortes com cortes de machado marretadas e vacas prenhes abatidas. Os estabelecimentos, responsáveis pelo abastecimento local e fornecimento de carne para a merenda escolar, foram denunciados ao Ministério Público Federal (MPF) em 28 de fevereiro.
Para a organização, o mais chocante é a forma como os animais são manejados e abatidos, sob muita crueldade e estresse. E existe ainda outra questão: a saúde de quem consome essa carne, destaca George Sturaro, gerente de Investigações da MFA no Brasil.
Apuração e denúncia
No ano passado, a MFA conduziu uma investigação em municípios de Caicó e Jardim do Seridó, no Rio Grande do Norte, e Quixeramobim, Pentecoste e Pacoti, no Ceará, denunciando práticas que violam as normativas do Ministério da Agricultura, como o Abate Humanitário estabelecido desde 2000. Isso inclui o uso proibido de instrumentos agressivos e a exigência de técnicas de insensibilização para reduzir o sofrimento dos animais, desde sua chegada aos abatedouros até a fase de sangria, com regras rigorosas contra espancamentos, agressões e manejo inadequado das espécies.
Em março de 2023, um estudo da FGV revelou a existência de 1.100 abatedouros bovinos, 646 suínos e 280 de frangos no país, todos sujeitos à inspeção federal, estadual ou municipal. Além disso, um levantamento do Ministério da Agricultura citado pela MFA indicou a presença de cerca de 300 abatedouros municipais.
Precariedade
Em um dos abatedouros visitados pela MFA, os instrumentos utilizados para o abate de animais eram lavados em água suja e reutilizados sem esterilização. Em outro abatedouro, os corpos dos animais eram manipulados diretamente no chão sujo, havendo ainda vísceras em decomposição no local. A MFA constatou ainda a ausência de inspetor de abate ou médicos veterinários, conforme exigido pela lei.
Ex-presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Ceará, José Maria dos Santos Filho explica que o consumo de carnes abatidas em locais que não seguem as normas de vigilância sanitária podem ocasionar até 200 doenças através da ingestão de toxinas, bactérias, vírus, protozoários e helmintos.
Os matadouros, sejam de bovinos, suínos, caprinos, ovinos ou aves, e as empresas de laticínios, mel e pescados, ou qualquer outra que trabalhe com produtos de origem animal, devem possuir sistema de inspeção sanitária, de modo a garantir a inocuidade do alimento, frisa o profissional.
Irregularidades
Além disso, os funcionários frequentemente negligenciam o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), chegando até a aparecer em gravações, obtidas pelo O GLOBO, usando chinelo ou sem camisa. No Ceará, a Lei 12.505, de novembro de 1995, exige o uso de método científico, como a pistola pneumática, no abate de animais, proibindo marretas, foices e machados. No Rio Grande do Norte, a Lei 6.459, de julho de 1993, requer técnicas modernas de insensibilização e se opõe ao abate cruel de animais para consumo.
Posicionamentos
Os endereços flagrados com ilegalidades, administrados pelas prefeituras, realizam abates de bovinos, suínos e caprinos. Em 2014, o MPF denunciou o então prefeito de Jardim do Seridó, Padre Jocimar Dantas de Araújo (MDB), por manter um matadouro com condições irregulares, identificado pela MFA. Araújo assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ibama, concordando em implementar medidas como lavagem de animais antes do abate e eliminação de focos de urubus. No entanto, práticas inadequadas persistiram e foram observadas novamente em uma inspeção três anos depois.
Em 2016, o prefeito de Pacoti (CE), Sérgio Maia (PDT), reconheceu que o matadouro público não estava em conformidade com os padrões de funcionamento. No ano passado, um touro escapou do local, percorreu ruas da cidade e feriu dois moradores. Além disso, o matadouro público de Pentecoste, considerado uma referência no Ceará, foi interditado pela Vigilância Sanitária no mesmo ano.
A prefeitura de Quixeramobim afirmou ao GLOBO que o matadouro municipal possui licença ambiental de operação, atendendo a todos os padrões exigidos, e que seus funcionários utilizam os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) necessários. As prefeituras de Pentecoste e Pacoti não se posicionaram.
O Ministério da Agricultura afirmou que alguns matadouros municipais são operados e fiscalizados pelas prefeituras, sem supervisão do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa). No entanto, todos os abatedouros devem cumprir as exigências das leis federais e adaptar-se às necessidades de cada espécie. O MPF encaminhou as denúncias da MFA às Procuradorias do Rio Grande do Norte e do Ceará para análise preliminar, sem determinar prazo para decisão sobre a abertura de inquérito.
Com informações do O GLOBO.
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