Maior estiagem em 90 anos faz fogo se alastrar pelos biomas do Brasil

Brigadistas voluntários reúnem forças para combater os focos de incêndio, que atingem áreas de conservação e propriedades rurais.

A pior estiagem dos últimos 90 anos está deixando um rastro de destruição e cinzas em todos os biomas brasileiros. O fogo tem se alastrado por diferentes regiões do país e já consumiu milhares de quilômetros quadrados de um dos principais cartões-postais do Cerrado brasileiro.

Na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, as chamas incontroláveis consumiram 21 mil hectares até meados de setembro. O fogo começou nas matas, avançou sobre as propriedades rurais e atingiu o parque nacional, de responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), destruindo 5 mil hectares de área nativa.

No ano passado, a área mais atingida pelas queimadas foi o Pantanal, onde os focos de incêndio foram 77% menores ao longo deste ano, segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Neste ano, a estiagem foi mais forte na área central do país e o fogo se alastrou pelo Cerrado em Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais e no oeste da Bahia, onde o número de focos triplicou.

Na Chapada dos Veadeiros, o produtor Henrique Fiordes, que tem fazenda em Águas Frias de Goiás, relata que o fogo se alastrou de forma generalizada, “com focos surgindo toda hora e em todos os lugares”. Ele perdeu as pastagens já formadas para alimentar o gado no período seco, quatro cabeças de gado, cercas novas, palhada de milho formada, sem contar o prejuízo do solo, que vai levar tempo para se recuperar.

Ivan Anjo Diniz, guia de turismo e coordenador operacional da Rede Contra Fogo, um dos brigadistas voluntários que atuam na Chapada dos Veadeiros, disse que o sentimento constante é de frustração, por ter de apagar focos de incêndio no entorno anualmente. Ele lembra que a presença das chamas é algo que condiz com as condições naturais do Cerrado, mas desde que feita com técnica e na época certa.

Nos últimos anos, no entanto, a seca tem ficado muito mais acentuada e dramática. “A gente está convivendo com ventos de mais de 30 nós, umidade relativa do ar inferior a 30% e temperaturas superiores a 30 °C. Imagina combater incêndio numa situação dramática dessa”, descreve.

Suprimir vegetação seca ou limpar pastagens para rebrote geralmente são atividades controladas pelo fogo, mas tem época certa, ou seja, mediante à queda das chuvas, até meados do mês de maio. “É o chamado manejo integrado do fogo, utilizando-o como elemento importante para os ciclos do Cerrado, mas com sabedoria e técnica”, observa Ivan Diniz.

Brigadistas voluntários de várias organizações da sociedade civil, como Rede Contra Fogo, Brigada Voluntária Ambiental de Cavalcante (Brivac), Fundação Grupo Boticário, entre outras, reuniram esforços para combater o fogo na Chapada dos Veadeiros. A Brivac, por exemplo, atua usando carros particulares dos brigadistas para chegar aos focos de incêndio, evidenciando a falta de infraestrutura do poder público para interromper o avanço das chamas.

Em setembro, a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza – que mantém em Cavalcante uma reserva natural desde 2007 – oficializou a doação de recursos para a compra de um veículo apropriado para o deslocamento dos brigadistas e seus equipamentos.

Paulo Russo, coordenador-geral de gestão socioambiental do ICMBio, diz que o fogo estava sendo combatido por um contingente de quase 100 brigadistas, não só da região, mas vindos de Brasília, da Brigada Nacional Wellington Peres (nome que homenageia um funcionário que morreu combatendo o fogo no Pantanal).

Além disso, há o apoio do Corpo de Bombeiros de Goiás, do Distrito Federal e os voluntários. “O total é cerca de 200 colaboradores”, resume Russo. Ele observa que, por se tratar de um ano de La Niña, a diminuição de chuvas no Centro-Oeste já era esperada e, por isso, os brigadistas do ICMBio já faziam ações de prevenção aos incêndios usando exatamente o manejo integrado do fogo.

“Temos 200 mil hectares de queima prescrita no Brasil, principalmente Cerrado e Pantanal, e o Ibama tem mais de 200 mil hectares, principalmente dentro das terras indígenas. No parque, se olharmos o mapa com a propagação do incêndio, o fogo é interrompido exatamente onde foram feitos essa queima prevista e o controle”, diz Russo.

“Se uma equipe conseguir chegar em até três horas do início do fogo para o combate direto, duas pessoas conseguem apagar o foco””ARYANNE RODRIGUES, líder da Brigada Voluntária de Colinas do Sul

A atuação organizada de grupos de voluntários tem sido fundamental no combate aos incêndios florestais, à medida que têm batido recordes no país e devastado grandes áreas nos principais biomas brasileiros. São eles que, juntamente com brigadistas do ICMBio e do PrevFogo/Ibama, conseguem chegar mais rápido aos focos, especialmente em locais distantes dos grandes centros, executando rapidamente o primeiro combate. O trabalho exige grande esforço físico, como enfrentar sensações térmicas que ultrapassam 250 °C e caminhar dezenas de quilômetros por dia em áreas de difícil acesso.

“Se uma equipe conseguir chegar em até três horas do início do fogo para um combate direto, duas pessoas conseguem apagar o foco inicial. Com uma demora maior, é provável que alguns focos evoluam, transformando-se em grandes incêndios, queimando dezenas ou centenas de milhares de hectares de vegetação. O combate rápido é essencial para controlar e evitar a propagação”, explica Aryanne “Ária” Rodrigues, estudante de geologia da Universidade Federal de Goiás (UFG) e líder da Brigada Voluntária de Colinas do Sul, na Chapada dos Veadeiros.

Braulio Dias, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), comenta que o combate a incêndios florestais é de elevadíssimo risco e não pode ser feito sem treinamento prévio. “Essa é uma das questões pelas quais não se incentivam as pessoas comuns a fazerem o combate, e sim a cuidarem para que não surjam novos focos. Temos de ter maior capacitação e priorizar a prevenção”, ressalta.

A promoção de seminários sobre o manejo integrado do fogo e a formação de novos brigadistas é um dos caminhos para ampliar a participação da sociedade civil, afirma André Zecchin, biólogo e coordenador da Reserva Natural Serra do Tombador, localizada em Cavalcante (GO) e mantida pela Fundação Grupo Boticário.

Fonte: Revista Globo Rural

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