A decisão do presidente representa um desafio político, uma vez que, ao vetar o projeto, ele pode confrontar deputados e senadores, que podem se articular para derrubar a ação.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou uma decisão crucial nesta sexta-feira, 20, ao optar pelo veto parcial ao projeto de lei que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Segundo Alexandre Padilha (Relações Internacionais), o petista “manteve os pontos que respeitam a Constituição“, apesar de barrar exatamente os artigos que datavam o limite das demarcações em 1988. A escolha se alia ao entendimento de inconstitucionalidade do STF e se opõe ao Congresso.
Entendendo a proposta:
De acordo com o projeto, são consideradas terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas aquelas que, na data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988), eram simultaneamente:
- por eles habitadas em caráter permanente;
- utilizadas para suas atividades produtivas;
- imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;
- necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
O texto prevê que, antes da conclusão do processo demarcatório e do pagamento de eventuais indenizações, não indígenas que ocuparem a área poderão permanecer. Também poderão seguir usufruindo do terreno.
Pelo projeto, benfeitorias realizadas pelos ocupantes até que seja concluído o procedimento demarcatório deverão ser indenizadas. Há ainda uma possibilidade de indenização pela desocupação da terra.
Além disso, a proposta também trata dos seguintes pontos:
Usufruto da terra indígena
O texto permite que sejam desenvolvidas atividades nas reservas sem que as comunidades sejam consultadas. Também diz que o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Também afirma que independem de consulta aos indígenas ou ao órgão indigenista federal competente, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), as seguintes ações:
- instalação de bases;
- unidades e postos militares e demais intervenções militares;
- expansão estratégica da malha viária;
- exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico;
- resguardo das riquezas de cunho estratégico;
Há flexibilização também para o uso das terras exclusivamente pelos indígenas. A proposta permite a cooperação e contratação de terceiros (não indígenas) para a realização de atividades econômicas. O texto coloca algumas travas que devem ser cumpridas, por exemplo:
- a atividade deve gerar benefícios para a comunidade;
- a posse dos indígenas deve ser mantida sobre a terra;
- a comunidade precisa aprovar o contrato os contratos devem ser registrados pela Funai;
Proíbe ampliação de terras demarcadas
O projeto proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas.
Retomada da posse
Ainda segundo o projeto, caso haja alteração nos traços culturais da comunidade, as áreas indígenas reservadas podem ser retomadas pela União para o “interesse público ou social” ou ainda destinar ao Programa Nacional de Reforma Agrária, com lotes “preferencialmente” a indígenas.
Decisão do presidente
A análise feita pelos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas recomendou o veto total ao projeto, enquanto a Advocacia Geral da União (AGU) defendeu o veto ao ponto parcial, que limitava a demarcação de terras ocupadas por indígenas a partir de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O entendimento predominante era que o Supremo Tribunal Federal já havia considerado o marco temporal inconstitucional.
O presidente Lula atendeu aquilo que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em respeito ao que foi decidido pelo Judiciário. […] E aquilo que ele pode preservar de contribuição do Congresso Federal para a demarcação ele preservou… Jorge Messias, AGU
Lula, no entanto, poderia sancionar outros pontos do texto, como a possibilidade de indenização para os proprietários de terra demarcada. O projeto aprovado também permitia o cultivo de produtos transgênicos em terras indígenas e abria a possibilidade de revisão de demarcações passadas, bem como flexibilizava o contato com povos isolados ao autorizar entidades privadas a realizar ações consideradas de utilidade pública com esses indígenas.
A decisão do presidente representa um desafio político, uma vez que, ao vetar o projeto, ele pode confrontar deputados e senadores, que podem se articular para derrubar a ação. Entretanto, o ato não foi uma surpresa. O governo já havia se declarado contra a demarcação temporal, criticada diversas vezes pelo petista durante a campanha no ano passado, mas havia lobby de setor do agronegócio e forte pressão do Congresso. As ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara apoiaram a agradaram da escolha presidencial.
A Ministério dos Povos Indígenas inicialmente recomendou o veto total. Posteriormente, fizemos uma análise criteriosa e conseguimos, ali, olhar os artigos que já estão garantidos na Constituição Federal, portanto poderiam ficar ali…
Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas
A votação no Senado, que ocorreu no dia 27 de setembro e teve amplo apoio da base do governo, criou um cenário de conflito com a decisão de veto. Aprovado no Senado com 34 votos a favor da proposta dentre 43 votantes, o projeto agora enfrenta uma nova fase política após a decisão do presidente.
Indígenas acompanharam a votação da matéria no STF e realizaram um ato contra o marco temporal na Esplanada dos Ministérios. A decisão de Lula agora dará uma nova direção à questão da demarcação de terras indígenas no Brasil.
Escrito por Compre Rural.
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Juliana Freire sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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