Na entrevista ao Canal Rural, Lula evitou criticar o MST. No entanto, usou o verbo “invadir” para se referir a ações promovidas pelo grupo. Nesse sentido, afirmou que “pouquíssimas terras produtivas foram invadidas” no país.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou aceitar fazendeiro armado, disse que os sem-terra estão mais “maduros” e sinalizou que seu governo representaria paz no campo. Apesar de não criticar diretamente o MST, Lula usou o verbo “invadir” para se referir às ações realizadas em propriedades rurais alheias. Contudo, opinou que “pouquíssimas terras produtivas foram invadidas” no país nos últimos tempos.
O político do Partido dos Trabalhadores afirmou, ainda, que as propriedades rurais precisam ser produtivas. Caso contrário, será entregue para o Estado realizar assentamentos “Você não pode ter terra para especulação quando tem gente precisando de terra para produzir.”
Íntegra da entrevista com Lula
As declarações do petista em entrevista ao Canal Rural, exibida na noite desta quarta-feira (21), fazem parte de uma nova ofensiva do ex-presidente com acenos ao setor agropecuário —segmento que representa uma das bases de apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A tentativa da campanha é ampliar apoios para tentar ganhar as eleições no primeiro turno. Na entrevista, Lula reforçou seu posicionamento contrário ao armamento da sociedade, mas disse que isso não significa que donos de fazenda não poderão ter armas para garantir sua segurança. Ele citou inclusive que seu pai tinha arma em casa.
“Meu pai era caçador no Guarujá, ele tinha arma em casa. Ninguém vai proibir que o dono de uma fazenda tenha uma, duas armas. Agora, se ele tiver 20 não é mais uma arma para defesa. 30 pior ainda. É apenas o bom senso”, afirmou.
Lula disse que irá “mudar” decretos armamentistas propostos no governo Bolsonaro “discutindo com a sociedade”.
“A gente vai discutir porque é preciso ter um controle. Você não pode deixar a sociedade armada do jeito que está. Alguém comprar 12, 10, 15, 20 armas. Você sabe onde estão essas armas? Que alucinação é essa? Nós não estamos em guerra. A violência que a gente vê na periferia da cidade não é a polícia que vai resolver é a ausência do Estado”, disse o ex-presidente.
“Ninguém vai proibir que o dono de fazenda tenha uma ou duas armas”
O petista também comparou discurso armamentista de Bolsonaro ao do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez. “Não é necessário, sabe, essa liberação alucinada de armas. Para favorecer quem? O que Bolsonaro diz e o filho dele diz? ‘Ah o povo armado…’. É o mesmo discurso que o Chávez fazia. O povo não precisa de arma, o povo precisa de trabalho, de salário, de educação. É disso que o povo precisa.”
Ao ser questionado sobre a proximidade do PT e de alguns partidos que apoiam Lula com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o ex-presidente afirmou que “pouquíssimas terras produtivas foram invadidas no país” e que, atualmente, o “comportamento do sem-terra é muito diferente e muito mais maduro”. “Eles viraram um setor altamente produtivo”, afirmou.
“No Brasil de hoje, posso te garantir que as coisas estão muito mais harmonizadas e tranquilas do que já estiveram em qualquer outro momento”, disse. Ele afirmou também que, durante seus governos, o campo teve paz. “Não só teve [paz] como foi um dos momentos mais extraordinários do campo.”
A realidade das invasões de terra em sua gestão é diferente da falada hoje. O clima com os sem-terra teve alta tensão nos primeiros anos de seu governo. O número de invasões de terra nos três primeiros anos do governo Lula (2003-2005), por exemplo, superou em 55% o registrado nos 36 últimos meses da gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso.
A quantidade de assassinatos por causa de conflitos agrários avançou 63% no mesmo período.
A pressão dos sem-terra começou a diminuir em seguida, muito por causa da consolidação do Bolsa Família, da política de valorização do salário mínimo e da criação de empregos nos centros urbanos.
Tudo isso esvaziou os acampamentos dos sem-terra e, como consequência, as invasões de terra —o MST manteve um tom crítico a Lula durante os seus dois mandatos, apesar de nunca ter ocorrido uma ruptura.
Em meio ao esforço da campanha do petista para dialogar com o agronegócio, o candidato a vice, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) viajou nesta quarta a Goiânia (GO). Na quinta (22), ele segue para Porto Velho (RO).
Em Goiânia, Alckmin recebeu o apoio de uma ala do PSDB de Goiás, se reuniu com empresários do agronegócio e do comércio na Fieg (Federação das Indústrias do Estado de Goiás), e participou de um ato com militantes e candidatos da coligação do PT no estado.
A entrevista de Lula desta quarta não foi ao vivo — ela foi gravada na terça-feira (20).
Um dia antes da gravação, numa preparação para a entrevista, o ex-presidente conversou com três dos principais fiadores da campanha petista junto ao agro: o senador Carlos Fávaro (PSD), o deputado federal Neri Geller (PP), candidato ao Senado, e o empresário Carlos Ernesto Augustin. Petistas se referiram ao encontro como “agrotraining”.
A ideia da campanha petista era reforçar a mensagem de que o ex-presidente reconhece a importância do setor para a economia brasileira e que, num eventual novo governo, dará atenção ao agronegócio.
O ex-presidente foi alvo de críticas quando disse, em entrevista ao Jornal Nacional, em agosto, que existe uma parcela do agro “fascista e direitista” que se opõe ao PT por ser contra políticas de preservação do ambiente.
À época, Augustin disse à Folha que o ex-presidente errou ao se referir a parte do setor como “fascista” e defendeu que ele pedisse desculpas pela generalização.
Logo no começo da entrevista ao Canal Rural, Lula foi questionado sobre sua declaração ao JN. Afirmou que dentro do segmento há dezenas de pensamentos políticos, econômicos e ideológicos e que ele “não é uma coisa só”. “Você tem gente com discurso fascista e gente que tem discurso altamente democrático”, disse.
“Tem empresário que quer desmatar de qualquer jeito e tem empresário que sabe da responsabilidade de produzir agricultura de baixo carbono. Eu não consigo generalizar nada, tem diferença até mesmo dentro das famílias”, seguiu.
Lula ressaltou que irá tratar o agronegócio como sempre o fez, “com respeito e sabendo da importância dele para a economia brasileira e para o desenvolvimento”.
Ele também afirmou que, pela atenção dada ao setor nas gestões petistas, os representantes do agronegócio deveriam votar nele. “Se pegarem os dados e comparar Lula e Bolsonaro, o que cada um fez para o agronegócio, todos votariam em mim. E ainda teriam orgulho de tornar público esse voto.”
Ao Canal Rural Lula voltou a afirmar que não haverá garimpo ilegal caso ele seja eleito e a criticar o desmatamento.
“Esse negócio do desmatamento é gente grotesca que não tem respeito pela própria produção que ele faz, porque ele pode se prejudicar, o mundo está muito exigente”, disse.
“O discurso fácil, atrasado, tacanho que ‘vou derrubar, que tem que invadir’. Isso é ignorância, não é atitude empresarial. É atitude ignorante.”
Ainda na entrevista, o ex-presidente afirmou que, caso eleito, ele irá concluir em seis meses o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.
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Além disso, descartou a possibilidade de o Estado intervir nas exportações. “Não é possível que um governo seja maluco de querer fazer intervenção (…) Tentar fazer uma intervenção e bloquear, você vai quebrar a cara mesmo. Você quebra a cara do Brasil, do negócio e quebra a cara da sua respeitabilidade no mundo.”
Nos últimos dias, Fávaro, Geller e Augustin incentivaram o presidente a gravar a entrevista para reforçar o diálogo junto aos produtores rurais e furar a bolha da esquerda. Além disso, a avaliação é a de que a participação em um canal voltado para o setor poderia ajudar a compensar a falta de agendas presenciais.
A campanha petista chegou a prever viagens de Alckmin a estados com forte presença do agronegócio, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins. Essas agendas, no entanto, não saíram do papel.