Os experimentos indicaram que a fertilização por CO2 pode aumentar a produtividade de plantas cultivadas como a cana-de-açúcar, a soja e o café.
Se você tem a impressão de que as plantas de seu jardim estão crescendo mais depressa, talvez tenha razão. Como a vegetação sintetiza os açúcares que formam folhas, ramos e raízes usando gás carbônico (CO2) da atmosfera, o aumento da concentração desse gás – cerca de 30% nas últimas seis décadas, segundo a agência espacial norte-americana (Nasa) – pode funcionar como fertilizante. O efeito, que já era conhecido nas plantas do hemisfério Norte, acontece também nas árvores e plantas herbáceas brasileiras, segundo estudo publicado em setembro na revista Scientific Reports.
“As árvores jovens cresceram duas vezes mais rápido ao receber o dobro da concentração de CO2 em relação à atmosfera”, conta a bioinformata Janaína da Silva Fortirer, estudante de doutorado no laboratório coordenado pelo botânico Marcos Buckeridge no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Elas absorveram em média 39% mais carbono e ao menos dobraram o peso de folhas, troncos e raízes – a chamada biomassa. Além disso, produziram mais açúcar por meio da fotossíntese e aumentaram em 61% o estoque de amido, um tipo de açúcar que pode ser armazenado e usado em condições ambientais desfavoráveis.
As plantas herbáceas absorveram 51% de carbono a mais, mas é um armazenamento temporário, porque seu ciclo de vida costuma ser anual. Esses vegetais também produziram mais açúcares e proteínas. Os pesquisadores verificaram que a respiração das plantas diminuiu tanto nas árvores quanto nas plantas herbáceas, o que reduz o consumo de água. Os experimentos indicaram que a fertilização por CO2 pode aumentar a produtividade de plantas cultivadas como a cana-de-açúcar, a soja e o café.
Fortirer obteve esses resultados a partir de uma análise estatística de 68 experimentos realizados no Brasil por diversos grupos de pesquisa nos últimos 20 anos, um tipo de estudo chamado metanálise. Os testes usavam metodologias variadas, como camâras de topo aberto, que permitem a circulação de ar, e um sistema de enriquecimento de dióxido de carbono ao ar livre, conhecido como Free-Air CO2 Enrichment (FACE). Depois, as partes das plantas eram separadas e pesadas, e os açúcares e o amido extraídos e medidos.
Buckeridge ressalta que as plantas só absorvem mais carbono quando têm água e nutrientes em abundância e temperatura adequada. Segundo ele, as árvores tendem a morrer mais cedo com o aumento de temperatura e, quando decompostas, devolvem o carbono para a atmosfera. Além disso, o aumento na concentração desse elemento só estimula o crescimento até certo ponto. “Se passar muito do dobro da concentração atual, o CO2 passa a ter efeito tóxico”, observa.
As árvores, que, segundo artigo publicado em 2018 na revista científica PNAS, respondem por cerca de 56% da massa de todos os seres vivos do planeta, já tiveram grande influência sobre mudanças climáticas no passado. No livro A trama da vida (editora Fósforo, 2021), o ecólogo Merlin Sheldrake, da Universidade Livre de Amsterdã (VU), na Holanda, explica que uma grande quantidade de troncos e ramos foi fossilizada antes de se decompor durante o período Carbonífero, entre 290 milhões e 360 milhões de anos atrás.
O carbono retirado do ar ficou aprisionado nas reservas de carvão, o que contribuiu para o resfriamento do planeta. O nível de CO2 na atmosfera terrestre começou a crescer mais intensamente a partir da revolução industrial, em 1750, com a queima de combustíveis fósseis, segundo dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa).
“O trabalho da Scientific Reports faz a primeira síntese dos resultados de experimentos com plantas tratadas com excesso de CO2 no Brasil”, destaca o ecólogo David Lapola, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, é um passo importante para entender como espécies arbóreas e herbáceas reagem à fertilização por gás carbônico. O pesquisador ressalta que falta verificar se o ecossistema natural de fato absorverá carbono.
“Como o solo na Amazônia é pobre em nutrientes necessários para o crescimento da planta, isso pode limitar a absorção de gás carbônico adicional”, observa Lapola, que lidera o projeto AmazonFACE, que pretende verificar o efeito do CO2 em uma área de floresta do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a 80 quilômetros de Manaus.
No experimento, torres de 35 m de altura dispostas em círculos com diâmetro de 30 m, lançarão ar enriquecido em gás carbônico nas plantas. Dentro de cada anel os pesquisadores irão monitorar fatores como transpiração, crescimento do tronco, das raízes e dos microrganismos do solo. O experimento deve começar no final de 2024.
Em testes iniciais no sub-bosque, onde crescem árvores jovens como as incluídas nos experimentos em câmaras de topo aberto e no estudo da USP, a equipe de Lapola já identificou estratégias ecológicas que ajudam a superar a limitação de nutrientes quando expostas ao excesso do gás. “No sub-bosque sombreado, plantas de até 3 m de altura desenvolveram raízes mais longas e mais ramificadas na serrapilheira, aumentando a área de absorção”, relata a engenheira florestal Nathielly Pires Martins, do Inpa, que fez experimentos em câmaras de topo aberto durante um ano, como parte de seu doutorado.
Segundo Martins, as raízes a 15 centímetros de profundidade se associaram a fungos, que fornecem nutrientes como o fósforo. “No entanto, não sabemos por quanto tempo essas estratégias ajudarão a contornar a pobreza do solo”, ressalta. Também será necessário verificar o que acontece nas árvores adultas.
Segundo Buckeridge, que na década de 2010 trabalhou no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), o estudo de seu grupo permite que as plantas brasileiras sejam consideradas nas previsões climáticas do IPCC. Ele conta que os relatórios do painel internacional usavam estudos sobre plantas de países mais frios. “Nosso resultado mostra que as plantas tropicais e as de regiões frias reagem de forma parecida ao excesso de CO2”, diz ele, ressaltando que o estudo valida as interpretações do IPCC.
Via Fapesp
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