Os índios foram autorizados pela Funai, Ibama e MPF a plantar 18 mil hectares de grãos, expectativa da safra 18/19 seja de gerar uma renda de cerca de R$ 30 milhões.
Sempre me soou estranho saber da existência de imensas áreas de terras aptas para a produção agrícola, mas reservadas ao uso dos indígenas, sem que os mesmos pudessem explorá-las comercialmente. Sendo, inclusive, proibidos de auferir renda com o arrendamento dessas glebas aos agricultores que cultivam o entorno das reservas, porque esses territórios pertencem à União, que não os autoriza a arrendar e nem produzir culturas para comercialização nessas terras. Mas há sinais de novos tempos, pois o novo governo pensa diferente quanto ao tratamento dispensado aos povos nativos.
Segundo notícias veiculadas na imprensa, na safra 2018/2019, índios que habitam o meio norte mato-grossense, foram autorizados pela Funai, Ibama e MPF a plantar 18 mil hectares de grãos – soja principalmente – no entorno de Campo Novo do Parecis e Sapezal. A abertura da colheita da soja na reserva foi prestigiada pelos ministros da Agricultura e do Meio Ambiente, além do governador de Mato Grosso, sinal evidente de que os tempos mudaram.
Foi sobrevoando uma reserva indígena no entorno de Campo Novo do Parecis que, alguns anos atrás, estranhei a presença de um funil de fogo consumindo a vegetação de Cerrado de parte dessa gleba. Fui informado que o incêndio havia sido provocado pelos índios, com o propósito de encurralar animais silvestres, forçando-os a fugir pela armadilha do funil, onde eram abatidos.
Toda a área no entorno da reserva está sendo cultivada por agricultores não-índios com grande sucesso e gerando renda e desenvolvimento para o país. O mesmo poderia acontecer com as terras indígenas, se seus habitantes fossem autorizados a explorar a reserva e desta forma depender menos dos favores do governo, evitando, inclusive, fatos como cobrança ilegal de pedágio dos veículos que transitam pelas suas terras.
Indígenas de 43 etnias de Mato Grosso habitam uma área total de 1,3 milhão de hectares, que esses povos gostariam de ter autorização para explorar comercialmente. Para isso, solicitam que suas atividades agrícolas sejam regulamentadas e os entraves da atual legislação ambiental sejam removidos, intuindo que talvez esteja na hora de os gestores públicos deixarem de tratar os índios como dependentes e deixá-los escolher seu modelo de desenvolvimento econômico, dentro do próprio território.
A expectativa é de que a área indígena de soja sendo colhida nesta safra tenha produtividade similar à média dos agricultores não-índios da região e gere uma renda de cerca de R$ 30 milhões. Sem a interferência do governo, talvez não fosse necessário que a Conab e a Funai distribuíssem alimentos a famílias indígenas, desde que os mesmos fossem estimulados a explorar o território que ocupam, produzindo, assim, o próprio alimento.
Para a ministra da Agricultura, é preciso acabar com a miséria e a manipulação que existe em torno dos povos indígenas. Ela também declarou ser possível mudar a legislação para que os agricultores indígenas possam produzir em larga escala em suas terras. Acrescentou que as coisas evoluem, mudam e que a vontade dos indígenas é soberana. Enfatizou, ainda, que este é um momento de renascimento e que é possível ser indígena e produtor rural ao mesmo tempo e que o exemplo dos índios mato-grossenses pode contribuir para “mudar a miséria e a manipulação que existe em torno dos povos indígenas do Brasil”.
A ministra afirmou ao final que a Funai deve trabalhar com um novo olhar, cuidando dos direitos indígenas sem considerá-los “coitadinhos”, mas dando condições de garantir que os mesmos tenham autonomia para produzir e ter qualidade de vida. “Temos que mudar algumas coisas na legislação para que eles possam produzir de maneira mais efetiva, possam ter renda, ter dignidade e trabalhar”, disse Tereza Cristina.
Com a inclusão dos índios ao setor produtivo, por um lado se enfraquece a argumentação sustentadora de intolerância por parte de setores avessos a minorias e, por outro, abrem-se perspectivas de mercados especiais, envolvendo consumidores sensíveis a causas étnicas e sociais.
Índio quer e é capaz de produzir seu próprio alimento.
Via Amélio Dall’Agnol, pesquisador da Embrapa Soja