Importadores europeus já exigem aplicação da lei antidesmatamento de produtores brasileiros, alertam especialistas

Governo brasileiro pediu a suspensão da lei do bloco europeu; ministro da Agricultura diz que espera resposta em 15 dias.

Antes mesmo de entrar em vigor, a lei antidesmatamento da União Europeia já provoca efeitos na comercialização de produtos do agronegócio brasileiro. Importadores já estão colocando nos contratos de venda futura a exigência de cumprimento do Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR). 

Na prática, a lei prevê barreiras de importação para produtos que tenham sido produzidos em áreas que foram desmatadas após 2020 – mesmo que isso tenha ocorrido dentro das regras do Código Florestal Brasileiro, que prevê áreas para o desmatamento legal.

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“Eu tenho depoimentos de produtores que tiveram que assinar o contrato ou foram impedidos de vender”, afirma ao Agro Estadão a diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori Andrade. 

A diretora lembra que a legislação europeia prevê multa e penalidades para o comprador e não para quem fornece os produtos. “Tem relatos de produtores que já vendiam para a União Europeia e expandiram áreas de produção e o comprador não quer mais comprar” complementa. 

Carta do Brasil à UE muda “tom da conversa” sobre a lei antidesmatamento

Sueme Mori avalia que o movimento feito pelo governo brasileiro é importante porque marca a mudança de tom no diálogo. “O Brasil já havia assinado uma carta no âmbito da OMC junto com outros países, mas em um tom mais leve. Até então, tinha sido feito um esforço diplomático. Agora, o governo diz, formalmente, que não aceita”, comenta a diretora da CNA. 

Nesta quarta-feira, 11, os ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, assinaram uma carta enviada ao bloco econômico solicitando que o Regulamento não seja implementado e que a União Europeia “reavalie urgentemente” a sua abordagem sobre o tema. O documento também diz que a legislação é  “unilateral, coerciva e punitiva” que ignora as leis nacionais sobre o combate ao desmatamento. (Confira mais abaixo).

O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, disse que espera um retorno da União Europeia para a carta até o dia 1º de outubro. A declaração foi dada na tarde desta quinta, 12, após a abertura do Grupo de Trabalho de Agricultura do G20. 

“[O comissário] também me relatou que tem problemas inclusive dentro do bloco com pedido de prorrogação das medidas. Toda a América do Sul na reunião do CAS (Conselho Agropecuário do Sul) também aderiu à declaração brasileira, à carta brasileira, e nós vamos dar um prazo até 1º de outubro para que a comunidade europeia se manifeste formalmente quanto à prorrogação. Caso não fizerem, nós vamos buscar outros mecanismos para que essa implementação não ocorra de forma unilateral”, afirmou o ministro. 

Impactos para o agronegócio brasileiro com a lei antidesmatamento

O Secretário Executivo do Consórcio Amazônia Legal, Marcello Brito, lembra que diversas nações já se posicionaram contrárias à lei antidesmatamento da União Europeia, como Estados Unidos, Indonésia, Colômbia e vários países africanos. “Ou seja, estamos falando da maior potência mundial que são os EUA até países menores – todos temendo o impacto de curto prazo”, afirma ao Agro Estadão. 

Brito afirma que a maioria dos produtos que o Brasil exporta para a Europa já são rastreados. O problema é “colocar dentro da formalidade que eles exigem, mas que ainda não sabemos qual é”. Por isso, ele acredita que a União Europeia deverá mudar a data para a nova lei entrar em vigor. 

“As empresas europeias não sabem, até o momento, como vão fazer esse processo de rastreabilidade [dos produtos importados] se existe dúvida do lado de cá, dos vendedores, existem dúvidas do lado dos compradores também”, comenta.  

O executivo chama atenção para um ponto importante na implementação da lei, que está “tratando os diferentes de forma igual”. Segundo ele, o justo seria respeitar os planos de transição e as realidades de cada país. 

“Pedir para ter rastreabilidade completa de uma cadeia, o Brasil dá conta na cadeia de cacau, soja, carne. Mas a Bolívia dá conta? Burkina Faso dá conta? Então quando trata diferentes de forma igual se comete um erro, não respeita princípios de equidade das regras internacionais”, avalia. 

“Está se criando um processo de exclusão talvez nunca visto dentro da pequena agricultura mundial que envolve cerca de 1,8 bilhão de pessoas”, completa. Para o executivo, enfrentar o desmatamento é necessário, mas os prazos não estão adequados.

A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) afirma que o setor já aplica a rastreabilidade nos produtos exportados para a Europa desde 2009, porém precisaria ser feita uma adaptação. Isso porque a atual exigência da Europa é de identificação dos animais por até 90 dias antes do abate, enquanto a nova legislação diz que deve ser feita desde o nascimento. 

“Os animais abatidos no final deste ano nasceram há dois anos e meio atrás, quando a legislação não existia. Precisa ter um tempo de adaptação, se não o que vai ter é um choque de oferta, com produto ficando com redução de volume e aumento de preço que vai ser repassado pro consumidor europeu”, afirma ao Agro Estadão o diretor de Sustentabilidade da Abiec, Fernando Sampaio. 

No ano passado, o Brasil exportou 77 mil toneladas de carnes para a Europa, segundo a Associação. O diretor comenta que a burocracia da nova lei antidesmatamento é muito grande e o setor não acredita que ela “terá efeito concreto sobre o desmatamento”.

O que o EUDR prevê?

A lei antidesmatamento aprovada em 2023 impõe condições para importação por parte dos europeus de uma série de produtos agrícolas. Essas exigências estão previstas para começarem a valer a partir de 1º de janeiro de 2025. Porém, não são todos os produtos agropecuários que serão afetados. São sete grupos: 

  • carne bovina;
  • cacau;
  • café;
  • óleo de palma;
  • borracha;
  • soja;
  • madeira.

Além da matéria-prima em si, a normativa também valerá para os derivados desses produtos. Por exemplo, no caso da soja, além do grão, o óleo e o farelo também estão sujeitos às exigências para poder entrar no velho continente. Um outro exemplo é do grupo de produtos à base de madeira, que inclui livros e jornais de papel. 

Entre as principais cobranças está a comprovação de que não houve desmatamento – legal ou ilegal – a partir de 2021 na cadeia de produção do item. No caso da carne, será necessário comprovar que não houve desmatamento em nenhuma das etapas da criação daquele animal, ou seja, se um pecuarista fez a cria e recria, outro fez a engorda e outro conduziu para o abate, todas essas propriedades terão que comprovar que não fizeram desmatamento ilegal a partir de 2021. 

Outra característica da lei europeia é a comprovação da regularidade com aspectos sociais e tributários. Por exemplo, será exigido que todas as propriedades da cadeia do produto comprovem o cumprimento da legislação trabalhista, assim como comprovar que não há sonegação de impostos. 

Além disso, as operadoras europeias – empresas que fazem a importação dos produtos – serão as responsáveis por demonstrar a regularidade do produto importado. Esses operadores terão que fazer uma declaração de due diligence, que é uma espécie de auditoria que comprove que a carga importada está seguindo a nova norma europeia. No entanto, o sistema onde as empresas irão colocar os documentos ainda não está pronto, o que vem causando incertezas nos operadores.

A diretora da CNA ressalta que,  além do fechamento de mercado nos casos que não se enquadrarem à nova lei, é importante considerar o impacto na imagem do agronegócio brasileiro para o mundo. “O Brasil seria classificado como de ‘alto risco’, pois um dos critérios é a expansão de área – o que acontece no país constantemente”, pontua Sueme Mori. 

Confira o que mais diz a carta enviada à União Europeia

O documento lembra que o Brasil é um dos principais fornecedores para a UE da maioria dos produtos que são afetados pela legislação e que correspondem a 30% das exportações brasileiras ao bloco. 

Além de considerar a lei antidesmatamennto unilateral, coerciva e punitiva, o governo afirma que ela aumenta o custo de produção e de exportação especialmente para os pequenos produtores e que viola regras do comércio internacional e acordos ambientais multilaterais. 

O texto lembra que tanto governo quanto iniciativa privada participaram de discussões sobre a legislação, reconhece os desafios ambientais e sugere que “incentivos positivos” são mais eficazes como recompensar ou remunerar quem presta serviços ambientais. 

Em meio às críticas, o governo afirma que está disposto a colaborar para a preservação das florestas em moldes que atendam à realidade e respeitem a legislação brasileira.

Fonte: Agro Estadão

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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