Hambúrguer vegetal, que imita carne, chega ao Brasil

Febre nos Estados Unidos, hambúrgueres feitos com vegetais, mas que imitam carne bovina em aparência, textura, aroma e sabor já estão prontos para chegar à mesa dos brasileiros.

Criados não só com soja, beterraba e outros ingredientes, mas também com auxílio de tecnologia, os alimentos já fazem parte do portfólio de pelo menos quatro empresas nacionais e, além da prateleira dos supermercados, também começaram a aparecer no cardápio de lanchonetes no Rio de Janeiro e em São Paulo. A meta? Além de atender o mercado vegetariano, diversificar o consumo de “carne” pelos brasileiros.

Quem chegou primeiro ao mercado por aqui foi a startup Fazenda Futuro, liderada por Marcos Leta – no passado, ele criou também a marca de sucos Do Bem, vendida para a Ambev em 2016. Nas últimas semanas, o Futuro Burger começou a ser vendido na rede Lanchonete da Cidade por R$ 29, acompanhado dos clássicos “queijo (vegano), alface e tomate”.

Segundo apurou o Estado, o desempenho está acima das expectativas: só na noite de estreia, foram vendidos 400 hambúrgueres, contra 150 estimados para o dia.

Nas próximas semanas, os discos de “carne vegetal” da empresa também chegarão ao Pão de Açúcar e ao St. Marché. A bandeja, com duas unidades, custará R$ 17, preço que Leta pretende reduzir nos próximos meses, ao ganhar escala. Segundo o empresário, a Fazenda Futuro é capaz de produzir até 500 toneladas de carne vegetal por mês em sua fábrica no Rio de Janeiro – hoje, faz 150 toneladas.

No segundo semestre, a startup também pretende fornecer carne moída e polpetone vegetal para todos os restaurantes da rede Spoleto.

Beterraba e feedback

Para imitar um hambúrguer bovino, Leta estudou por dois anos o mercado de carnes até desenvolver uma fórmula própria – chegou, inclusive, a “hackear” máquinas de frigoríficos. “Avaliamos tecnologia para entender as moléculas da carne e fizemos testes para chegar à textura perfeita”, explica ele. “Até língua artificial, que identifica o gosto dos alimentos, nós avaliamos.” O resultado final das pesquisas leva, na composição, proteína de soja, grão de bico, ervilha, aromatizantes e temperos naturais – além de beterraba, usada para imitar “o sangue” da carne.

A meta da Fazenda Futuro, que tem hoje 30 funcionários, é melhorar continuamente o produto com ajuda de inteligência artificial e feedback dos usuários. “Não somos uma indústria convencional que lança produtos entre um ano ou dois anos, mas sim atualizamos nosso ‘sistema operacional’ segundo as demandas dos usuários”, diz Leta, que sonha alto. “Nosso mercado não é só o vegetariano: nossos concorrentes são os frigoríficos.” Hoje, segundo o Ibope Inteligência, há 30 milhões de vegetarianos no País.

fazenda do futuro
Marcos Leta, ex-sucos Do Bem e criador da Futuro Burger: dois anos de pesquisas

Outra startup interessada nesse mercado é a Behind the Foods, criada pelo publicitário Leandro Mendes, que se interessou pela ideia após morar nos Estados Unidos. Sua receita leva batata, proteína de soja isolada, jaca, beterraba e “temperos secretos” – os testes incluíram o uso de uma máquina que “simula a mordida” na mistura criada por Mendes e a compara com a textura da carne. Para dar escala à produção, ele fechou uma sociedade com a Kraki, fabricante de carnes e embutidos de Santo André (SP).

Seus produtos, porém, irão parar apenas em lanchonetes parceiras. “Queremos oferecer a melhor experiência possível e por isso optamos por vender só para quem saberá preparar o hambúrguer perfeito”. Para os próximos meses, os planos de Mendes são de lançar novos cortes de carne, oferecendo produtos que imitem pedaços de picanha ou maminha, por exemplo.

Para João Dornellas, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), “a carne vegetal” deve diversificar o consumo no País. “A carne vegetal aumenta o portfólio da indústria de alimentos. É a prova de que há uma nova demanda e que está sendo atendida pelo setor”.

Gigantes entram na briga

As gigantes da proteína animal também estão de olho nesse mercado: a Seara, do grupo JBS, por exemplo, prevê para o dia 1º de junho o lançamento nos supermercados de seu Incrível Burger, que levará soja, trigo, beterraba e gorduras vegetais – a bandeja, com dois discos, custará R$ 17. Segundo José Cirilo, diretor de marketing da Seara, a empresa levou dois anos para desenvolver sua fórmula própria. “Entendemos que precisávamos fornecer opções para quem não quer comer carne de origem animal”, diz.

Outra empresa tradicional do setor que também vai se aventurar pelos hambúrgueres vegetais é a Superbom, com um produto que imita carne, mas é feito á base de proteína de ervilha, óleo de coco e temperos. Difícil é saber, no entanto, qual o grau de tecnologia utilizado pelas empresas brasileiras.

Impactos

Para Ana Lucia Lemos, diretora do Centro de Tecnologia de Carnes do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), as carnes vegetais brasileiras se assemelham à proposta da startup americana Beyond Meat. Fundada em 2009, a empresa usa uma combinação de ingredientes vegetais já aprovadas para o consumo na fabricação de hambúrguer, carne moída e linguiças.

Nos EUA, a receita deu certo, ao menos no mercado financeiro. No início deste mês, a Beyond Meat teve valorização de 163% em sua abertura de capital – a melhor de Wall Street desde 2000 para empresas avaliadas acima de US$ 200 milhões. De acordo com a especialista, apesar dos avanços, as empresas brasileiras estão longe do nível de inovação da Impossible Foods, pioneira no segmento.

Criada por um professor de bioquímica da Universidade Stanford, a empresa conseguiu fazer “soja que sangra” ao isolar a molécula da hemoglobina e inseri-la no grão em quantidades massivas, mudando sua genética. “O salto tecnológico é brutal, mas também são necessárias aprovações regulatórias e testes robustos”, diz Ana Lucia. “Lá nos EUA, a empresa recebeu aprovação, mas os estudos ainda não foram finalizados.” Já os hambúrgueres feitos com soja e ervilha, por exemplo, têm menos peso regulatório, uma vez que só combinam ingredientes que já existem. Ainda assim, há dúvidas sobre como esses alimentos modifcados podem afetar a saúde.

“Há uma tendência de transformar a carne bovina em vilã, mas não podemos negar que as carnes vegetais podem ser uma boa opção para o meio ambiente”, aponta ainda Ana Lucia. É complicado também entender qual é o real impacto que os hambúrgueres vegetais podem ter no planeta – em questões como consumo de água ou emissão de gases para a atmosfera. Além disso, há dúvidas até se isso tudo pode ser chamado de carne – uma discussão que já chegou ao Congresso brasileiro: um projeto de lei, do deputado Nelson Barbudo (PSL-MT) proíbe uso do termo “carne” para alimentos de origem vegetal. Será uma disputa saborosa.

Fonte: Reportagem de Mariana Lima, para O Estado de S. Paulo.

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