Guzerá e Sindi pelo saudoso Seu Manelito Dantas

Entrevista com o saudoso Dr. Manelito Vilar, nela ele conta sua visão sobre as raças de dupla aptidão Guzerá e Sindi; conteúdo rico para quem gosta de história

Mais conhecido como “Manelito” Dantas Vilar, em sociedade com o seu primo-irmão, o saudoso escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, aprenderam a lidar com tudo o que envolve solo e vegetação para sobrevivência ao longo da seca, e iniciaram não somente a criação de cabras, bem como desenvolveram através de estudos técnicos o cultivo de plantas nativas e de animais adeptos à região, resultando hoje na criação das raças Guzerá e Sindi.

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Uma entrevista para a revista ABCZ

Somente um sertanejo legítimo, que aposta na pecuária como a melhor maneira para viabilizar uma vida digna ao povo do sertão, poderia falar com propriedade sobre a importância do gado zebuíno para o desenvolvimento do Nordeste brasileiro. É devido às raízes do sertão, que o criador e engenheiro Manoel Dantas Vilar Filho, procura manter-se fiel às possibilidades que a terra do Nordeste oferece a quem se dispõe a respeitá-las, conservando suas características naturais.

Foto: Reprodução

Ele alia qualidade e altos índices de produção em uma região onde as dificuldades climáticas poderiam ser um empecilho a qualquer tipo de atividade agropecuária. Entusiasta e criador da raça sindi, Dr. Manelito como é conhecido entre os amigos criadores, procura valorizar nessa raça rústica não só sua vocação leiteira milenar, como também a possibilidade de investimentos na boa aptidão para corte.

Para manter o lema de balde sempre cheio, as fazendas Carnaúba e Pau Leite, ambas localizadas no estado da Paraíba, contam com boas matrizes e reprodutores, entre os quais se destacam as vacas Mabiroba-D e Parafina-D e os touros Iaque-D e Danúbio-FC, este último, recordista nacional na avaliação genética da Embrapa Gado de Leite. Salientando a vocação nordestina, o criador investe também na criação de guzerá e ainda em ovinos e caprinos.

E é com a habilidade de quem se dedica há mais de três décadas ao gado vermelho, mais exatamente na região do Cariri Velho, no município de Taperoá (Paraíba), que seu Manelito concedeu esta entrevista à revista ABCZ.

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Revista ABCZ: O senhor é engenheiro por formação. Porque decidiu se dedicar à pecuária?

Manoel Dantas Vilar Filho: Sou engenheiro civil por formação acadêmica. Por natureza e sentimento, sempre fui criador. A dedicação exclusiva à pecuária ocorreu por sucessão súbita de meu pai, há 36 anos. Foi um encargo, mas, também, um reencontro com minhas raízes e minha vocação essencial.

Revista ABCZ: E por que a opção pelo zebu, especificamente pelo sindi e o guzerá?

MDVF: Minha escolha pelo Sindi decorre da minha ligação com as terras secas do Nordeste e da crença radical de que é preciso respeitar a harmonia entre os animais e as latitudes. Meu pai, desde 1934, já criava e ordenhava Guzerás de Cantagalo (RJ) e eu me limitei a seguir sua lucidez e sua experiência de vida no Cariri das secas.

Com a morte de seu Joãozinho Abreu nos anos 70, simultaneamente à segurança que adquiri no uso dos capins perenes que consegui importar da Austrália, fui buscar outro zebu leiteiro dos pré-desertos da Ásia, temendo que não desse para ficar tudo no Guzerá JA, puro e bom de leite.

Se não tiver leite, não é Guzerá e nem é Sindi. O Sindi, de rebanho complementar, já é hoje metade do gado total que eu crio. Há uma dívida nacional de gratidão com José Cezário Castilho, que o preservou no sudoeste de São Paulo e com Felisberto Camargo que foi buscá-lo para produzir na Amazônia, também de clima rigoroso, em 1952.

ABCZ: Como é a forma de criação do Sindi em sua propriedade?

MDVF: No pasto nativo da rica caatinga nordestina em consórcio com área de capim Buffel e Urocloa, na época das chuvas. No segundo semestre seco, as vacas em produção comem feno desses capins, palma forrageira, uréia e discreto suplemento de concentrados nas cocheiras. A ordenha é sistemática para Sindis e Guzerás, com controle leiteiro e avaliação genética oficiais. Nas secas extremadas, o volumoso utilizado é o bagaço de cana das usinas do litoral, hidrolisado com cal.

ABCZ: O senhor seleciona seus animais para obter dupla função. O Sindi tem conquistado bons resultados tanto na produção de leite, quanto de carne?

MDVF: A conversão alimentar do Sindi nos períodos secos, os ossos firmes e finos de sua carcaça, sua vocação leiteira e milenar e a qualidade do seu leite, fazem um conjunto de bons resultados aqui ou no resto do mundo tropical onde se queira definir uma raça apropriada de bovinos, mesmo havendo resistência cultural a modismos ou a promiscuidades genéticas. Quando a produtividade for avaliada não pela produção individual de cada vaca ou peso absoluto de cada boi e sim pela produção no tempo, de cada hectare de terra ocupado com a criação, sob a ótica racional da dupla função – o caminho do Brasil molhado ou seco – a eclética raça Sindi será estrelada na constelação pecuária de nosso País.

O Brasil é pioneiro mundial na seleção funcional de zebuínos, e se tornou por causa deles, um dos poucos do mundo que criam um bovino por habitante e pode, como ninguém, oferecer a seu povo, proteínas nobres a baixo custo.

ABCZ: O senhor acredita que apostar no Sindi é a melhor maneira de viabilizar a pecuária na região semi-árida, uma região pouca valorizada pelo governo e instituições públicas do Brasil?

MDVF: A pecuária do mundo é majoritariamente praticada nas zonas secas. No semi-árido do Brasil a melhor maneira de viabilizar a vida em padrões decentes, é através da pecuária, à base de elementos biológicos (plantas e animais) compatíveis com seu clima caprichoso e saudável. Já era assim desde antes de Cristo, no sertão de Nazaré, na Galiléia.

As nossas instituições públicas, desde as de ensino e pesquisa até as de fomento e crédito rural, nunca assumiram as potencialidades da floresta seca do Nordeste. Escapamos até agora e havemos de continuar vivendo, pela conterraneidade com o filho de Deus e graças à persistência dos sertanejos e suas cabras e ovelhas nativas, suas ervas e leguminosas, suas guzerás e suas sindis.

ABCZ: O pequeno porte do sindi fez com que muitos criadores desacreditassem no potencial da raça. Apesar disso, os criadores da raça exaltam o pequeno porte como uma característica que é diferencial e garante preferência no exterior. Como o senhor avalia essa contradição?

MDVF: Costumo dizer que se confunde muito o conceito de “volume aparente” com o de “peso específico” ou rendimento. O menor porte do Sindi é uma virtude para efeito de precocidade, prolificidade e velocidade de ganho em peso. A longevidade do guzerá é maior. O conjunto das duas raças, rústicas, leiteiras, fisiologicamente perfeitas para a fotossíntese do mundo tropical é fantástico. Sem, contudo, misturar raças, indo contra conceitos básicos da zootecnia.

O menor porte do Sindi, talvez, esteja relacionado com sua fantástica precocidade e seu rúmen, forjado nos pré-desertos da Ásia, convertendo melhor o material fibroso do mundo tropical cheio de sol, em leite rico e carcaça de ossos finos bem coberta por carne enxuta.

ABCZ: Recentemente, foi realizado o primeiro leilão nacional da raça. Como está a comercialização de Sindi no Nordeste? Qual a avaliação do senhor diante os resultados da primeira exposição de gado Sindi?

MDVF: A primeira exposição e os leilões da raça Sindi foram episódios marcantes na evolução da verdadeira pecuária do Nordeste. A procura por fêmeas Sindi é sufocante. E machos Sindis estão cada vez mais sendo usados para absorver lastros mestiços de gado europeu e mesmo de outros zebuínos, cuja fisiologia não se harmoniza tão bem com a nossa natureza. A realidade vai se impondo por si e esses eventos aceleram o processo de sua apreensão. A integração entre o sindi e a ABCZ é valiosa.

ABCZ: A introdução do sindi no Brasil contou com a participação de homens que visionaram na raça uma opção para a seca. Fale um pouco sobre isso.

MDVF: A introdução do sindi no Nordeste foi devida ao entusiasmo ideológico de Virgolino de Farias Leite (técnico da ABCZ) e a consciência profissional de seu primo, o zootecnista Paulo Roberto de Miranda Leite. Foi algo muito pouco institucional. Houve muito espírito público das pessoas, inclusive algumas da Universidade Federal da Paraíba e, sobretudo, de criadores mais esclarecidos.

ABCZ: O senhor é diretor do Instituto Nacional do Semi-Árido Celso Furtado (INSA-CF). Quais os trabalhos desenvolvidos por esse instituto? Qual a importância de uma instituição que trabalha para o desenvolvimento do semi-árido brasileiro?

MDVF: Sou o diretor para a implantação do INSA-CF, do Ministério da Ciência e Tecnologia, sediado em Campina Grande (PB). Está sendo instalado em uma fazenda adquirida e cedida pelo go-verno do estado da Paraíba, sensibilizado pela importância que pode ter essa entidade, uma vez convertida num núcleo de pesquisa consistente sobre as lavouras xerófilas, a educação pública saudável sobre o semi-árido e mais que tudo, sendo, intrinsecamente, um centro de pecuária de múltipla função do Nordeste, para pesquisa complementar e difusão regional de genética apropriada.

Sua importância para o desenvolvimento do semi-árido brasileiro é muito grande, pois estarão sendo lançadas as bases tecnológicas para a reversão de uma leitura caricatural e negativa do Nordeste, enquanto se esvazia o contraste entre o semi-árido oficial e o semi-árido real do Brasil.

Fonte: ABCZ, 2016.

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