Grupo Montesanto Tavares obtém prazo para renegociação de dívidas; entenda o instrumento de reestruturação financeira utilizado pelo gigante do café
Por Letícia Moura* – No final de novembro, as empresas do Grupo Montesanto Tavares — Atlântica Exportação e Importação S.A., Cafebras Comércio de Cafés do Brasil S.A., Montesanto Tavares Group Participações S.A. e Companhia Mineira de Investimentos em Cafés S.A. — protocolaram um pedido de tutela provisória antecedente ao requerimento de recuperação judicial na Vara Empresarial de Belo Horizonte-MG.
Em pedido apresentado ao Poder Judiciário, o Grupo requereu o deferimento de tutela cautelar visando à suspensão, por 60 dias, de todas as execuções e constrições de qualquer natureza promovidas por credores que possam ser abrangidos em um eventual pedido de recuperação judicial.
Em decisão proferida na última sexta-feira (06/12), o Poder Judiciário deferiu parcialmente a medida, determinando a suspensão imediata, pelo prazo de 60 dias, exclusivamente das execuções e constrições incidentes sobre o patrimônio das Embargantes por credores titulares de créditos sujeitos a um eventual pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, em conformidade com o disposto no art. 20-B, §1º, da Lei 11.101/2005.
O Grupo tem uma forte atuação no agronegócio brasileiro, contando com uma rede de aproximadamente 2.000 produtores locais que fornecem cafés, permitindo que pequenas propriedades tenham acesso ao mercado global. Responsável por 8% dos embarques de café do Brasil, a empresa enfrenta um passivo total de R$ 1,4 bilhão com bancos e corretoras. Desse montante, a Atlântica Coffees responde por R$ 894 milhões e a Cafebras, por R$ 527 milhões.
Entre os principais credores do grupo estão grandes nomes como Cargill – que recentemente implementou medidas de reestruturação financeira e anunciou o corte de 8.000 empregos em seu quadro global –, além de instituições financeiras de peso, como Banco do Brasil, Santander, Safra, Bradesco, BTG Pactual e Itaú Unibanco.
As razões da crise apresentadas pelo Grupo Mineiro
As empresas relataram que a crise financeira enfrentada decorre de uma sequência de fatores adversos, especialmente os impactos climáticos severos que comprometeram a safra brasileira de café arábica em 2021/2022. Esses eventos (geadas, seca e granizo) resultaram em uma perda de aproximadamente 53% na produção, prejudicando o cumprimento de contratos pelos produtores e forçando o Grupo a comprar café no mercado a preços elevados para honrar os compromissos com seus clientes. A alta nos preços elevou o custo da saca de café, que passou de R$ 592,00 em 2020 para até R$ 1.280,00 em 2022.
Essa decisão teria acarretado prejuízos financeiros significativos, elevando o endividamento das empresas com bancos. A situação foi agravada pela elevação contínua nos preços futuros do café, que atingiram US¢310 cents/lb em 2024, e pela desvalorização do real frente ao dólar, intensificando as chamadas de margem exigidas em operações de hedge. Tais obrigações financeiras saltaram de R$ 50 milhões para R$ 470 milhões em novembro de 2024, correspondendo a 158% do saldo de recebíveis, gerando uma pressão insustentável sobre o caixa das Companhias.
Apesar do cenário adverso, as empresas narraram que buscam a readequação de suas dívidas com instituições financeiras e corretoras, considerando a recuperação das safras e o crescimento esperado da geração de caixa operacional nos próximos exercícios. À vista disso, avaliam o pedido de recuperação judicial ou extrajudicial como alternativa responsável para estabilizar as relações creditícias, contando com medidas cautelares para evitar constrições patrimoniais e garantir a continuidade de suas atividades.
O que é uma tutela antecedente a um eventual pedido de recuperação judicial ou extrajudicial?
A tutela antecedente ao pedido de recuperação judicial ou extrajudicial é uma ferramenta que ganhou destaque com a última reforma da Lei de Recuperação e Falências (LREF), em 2020, e tem como objetivo oferecer uma proteção temporária às empresas em dificuldade financeira. A ideia é simples: dar um fôlego ao empresário para renegociar suas dívidas diretamente com os credores, antes de recorrer a medidas judiciais mais drásticas, como a recuperação judicial ou recuperação extrajudicial.
Como visto no caso em análise, esse mecanismo permite que, por até 60 dias, todas as execuções e bloqueios de bens sejam suspensos, criando um ambiente de estabilidade para as negociações. Durante esse período, o empresário tenta reestruturar sua dívida por meio de mediação ou conciliação, contando com a proteção contra ações de credores que poderiam comprometer ainda mais a saúde financeira da empresa.
Na medida em que os credores sujeitos à negociação não podem prosseguir nas suas execuções individuais, cria-se o estímulo necessário para que se sentem à mesa para negociar com a devedora. Essa espécie de “pausa estratégica” tem sido vista como um incentivo à solução consensual de conflitos, evitando, sempre que possível, o desgaste de um longo processo judicial.
Para acessar essa proteção, a documentação exigida é a prevista no art. 48 da Lei nº 11.101/2005, que inclui prova de atividade regular há pelo menos dois anos, certidão de inexistência de falência e a comprovação de que a empresa ou seus administradores não foram condenados por crimes previstos na legislação. Nesse caso, dispensa-se a apresentação dos documentos previstos no art. 51 da Lei nº 11.101/2005 que devem instruir a petição inicial somente no caso de ajuizamento da ação principal de recuperação judicial.
Se as negociações com os credores forem bem-sucedidas, o empresário poderá evitar a necessidade de formalizar um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial. No entanto, caso as tratativas não avancem, ele poderá optar por ingressar com um desses pedidos, conforme o caso e o contexto das negociações, utilizando a estrutura e os documentos previamente apresentados.
Este instrumento destaca a importância de buscar soluções amigáveis antes de recorrer à judicialização total, alinhando-se ao objetivo central da LREF: a preservação das empresas como pilares de empregos, tributos e crescimento econômico. Com uma abordagem mais prática e menos conflituosa, a tutela antecedente surge como uma oportunidade estratégica em meio à crise, permitindo que empresários e credores estabeleçam um diálogo construtivo e encontrem, juntos, um caminho viável para todos.
Letícia Moura é advogada especialista em reestruturação financeira da banca João Domingos Advogados
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