A privação do consumo de leite de vaca por brasileiros alérgicos às proteínas da bebida pode estar perto do fim.
Um estudo conduzido por pesquisadores da Embrapa Gado de Leite, em Juiz de Fora, na Zona da Mata, está ajudando a selecionar vacas com genética positiva para produção menos alergênica. Estratégia positiva para consumidores e produtores rurais, que podem lucrar até quatro vezes mais com o leite tipo A2 em relação ao “comum”.
Pesquisador da Embrapa, João Cláudio do Carmo Panetto explica que a pesquisa consiste em genotipar as vacas do rebanho, ou seja, em identificar no material genético dos animais se são homozigotos para a produção de leite A2. “Se uma vaca tem genótipo A2A2, é garantido que irá passar para os sucessores o alelo A2. Da mesma forma, um indivíduo A1A1 passará o alelo A1”, detalha, explicando que o primeiro caso deve ser prioridade nas fazendas voltadas para o leite A2.
Nessas propriedades, a seleção genética é feita a partir da coleta de tecido biológico do animal, que pode ser uma amostra de sangue ou de pelo. No laboratório, os testes apresentam o resultado ao produtor conforme o tipo de alelo encontrado: A1A1, A2A2 ou A1A2. A última combinação é favorável à produção dos dois tipos de leite, mas, assim como os animais A1A1, eles devem ser descartados pelo produtor para evitar que contaminem os lotes não alergênicos.
Seleção
Na prática, a recomendação dos pesquisadores é para que os rebanhos sejam constituídos somente por animais do tipo A2A2. “A velocidade com a qual o rebanho será convertido para a produção de leite A2 dependerá da estratégia de cada propriedade no uso do sêmen de touros A2, assim como do investimento na genotipagem das vacas e das taxas de descarte”, esclarece Panetto.
Segundo o pesquisador, caso o criador opte pelo conjunto das ações sem reduzir drasticamente o rebanho, o tempo necessário para que todos os animais da fazenda sejam A2A2 poderá variar de duas a três gerações, ou seja, entre dez e 15 anos.
Nas propriedades brasileiras que produzem leite exclusivo para alérgicos, o ganho chega a ser quatro vezes superior em relação às que trabalham somente com leite A1.
“98% dos animais de raças zebuínas, predominantes no brasil, têm genética positiva para a produção do leite tipo a2”
Positivo
Conforme a Embrapa Gado de Leite, o mercado internacional vem comprovando o sucesso da estratégia. Maior exportadora de leite em pó do mundo, a Nova Zelândia, por exemplo, produz leite A2 desde 2003 e certifica as propriedades que atuam com exclusividade.
Outro grande exportador é a Austrália, que deixou de produzir somente visando aos alérgicos à proteína do leite e está conquistando também o público “comum”.
Leites tipo A2 também podem ser encontrados em lojas dos Estados Unidos e Inglaterra.
Bebida não alergênica ajuda a reduzir doenças do coração
Estudos mostram que além de positivo para alérgicos às beta-caseínas, o leite A2 mostrou-se benéfico também contra doenças cardiovasculares. O motivo é que o produto menos alergênico evita a síntese de BCM-7, resultante da digestão do leite comum e oxidante do colesterol ruim, que, por sua vez, desencadeia a formação de placas arteriais.
“Há pesquisas que apontam também para benefícios ligados a doenças neurológicas como autismo e esquizofrenia. Importante lembrar, porém, que existem outras proteínas alergênicas no leite e não só a beta-caseína. Não sendo o leite A2 indicado para todos os casos”, pontua o zootecnista e pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Marcos Vinícius Barbosa da Silva.
Segundo ele, ainda existem poucas propriedades rurais no Brasil com produção leiteira voltada especificamente para o leite A2. A expectativa, porém, é que os estudos executados em parceria com os produtores rurais possam alavancar a adesão no país. “Esperamos que as pesquisas possam provocar o aparecimento de um mercado diferenciado, que valorize mais esse tipo de leite tão benéfico”, avalia.
Pioneira na produção e comercialização de leite A2 no Brasil, a Estância Silvânia, em Caçapava, no interior de São Paulo, vende os derivados lácteos até quatro vezes mais caro em relação ao leite convencional. Por dia, são produzidos na propriedade cerca de 700 litros do leite selecionado, destinados à fabricação de queijos, manteiga e ricota. Os produtos são vendidos em municípios do Vale do Paraíba e na capital paulista.
“Cientistas concluíram que até 8 mil anos atrás as vacas produziam somente leite A2. Uma mutação genética levou ao surgimento de animais com gene para a produção de leite A1”
Além disso:
Diferentemente dos intolerantes à lactose, que não produzem a lactase, enzima responsável pela digestão do açúcar do leite (lactose), alérgicos às proteínas da bebida têm mais do que desconfortos gástricos e intestinais (vômito e diarreia). Quando em contato com a substância alergênica, podem apresentar placas vermelhas espalhadas pelo corpo, muitas vezes acompanhadas de coceira, além de inchaço nos lábios e nos olhos e até reações mais agudas, como anafilaxia, que pode evoluir para a morte.
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Ao contrário de algumas alergias alimentares, como a amendoim e frutos do mar, que podem acompanhar o paciente por toda a vida, a APLV tem início na infância, depois de a criança ter o primeiro contato com o leite de vaca. Na adolescência, porém, há grande possibilidade de que o problema desapareça. Enquanto isso, no entanto, o paciente deve eliminar por completo o contato com o causador da alergia, seja consumindo outros tipos de leite, seja priorizando o leite A2, que, quando ingerido, não forma a substância chamada beta-casomorfina-7 (BCM-7), responsável por desencadear o processo alérgico.
“350 mil crianças brasileiras têm alergia à proteína do leite; 70 mil já tiveram ou terão alguma reação anafilática”
Por Patrícia Santos Dumont
Fonte: Hoje em Dia