Genômica: O caminho rápido e preciso para o futuro

Genômica vem consolidando-se como ferramenta essencial da Pecuária e começa a ser disseminada com maior número pelo Brasil.

Dois pesquisadores e um tema: a genômica, uma das mais modernas tecnologias na área do melhoramento genético bovino. Como uma ferramenta que vem despontando em diversas partes do mundo, a genômica começa a ser disseminada pelo Brasil, à medida que cada vez mais produtores aprendem sobre as vantagens oferecidas pela novidade.

Para esclarecer os benefícios da genômica, conversamos com os pesquisadores Fabiane Siqueira, da Embrapa Gado de Corte, e Marcos Vinícius Gualberto Barbosa da Silva, da Embrapa Gado de Leite – ambos autores de estudos que exploram as potencialidades da genômica para a pecuária brasileira. Com o progresso científico associado à ferramenta, o melhoramento genético em rebanhos nacionais poderá evoluir de forma notável. Entenda melhor como funciona a genômica e o que ela significa para o aprimoramento das
linhagens bovinas.

Fabiane Siqueira

Pesquisadora da área de Genética Molecular aplicada ao Melhoramento Animal na Embrapa Gado de Corte

1 – QUAL É O POTENCIAL DA GENÔMICA PARA O MELHORAMENTO GENÉTICO BOVINO DE CORTE?

As ferramentas genômicas podem proporcionar para os programas de melhoramento genético de bovinos de corte: maior acurácia de seleção; correção de pedigree; redução no intervalo de gerações; manutenção da variabilidade genética; controle de consanguinidade; manutenção da composição racial; seleção de touros jovens e a escolha, com maior precisão, dos animais que serão os pais das próximas gerações.

2 – FAZER SELEÇÃO ATRAVÉS DE TOUROS GENÔMICOS É TENDÊNCIA? O QUE O PRODUTOR CONSEGUE UTILIZANDO ESTES DADOS?

Valores genéticos preditos com base em informações genômicas já estão disponíveis no mercado para algumas raças de corte e de leite, como por exemplo, Angus, Gir, Girolando, Holandês, Braford e Hereford. Recentemente, também foi lançado o sumário genômico para Nelore, por meio de uma parceria entre a Embrapa e a ABCZ. A raça Senepol pretende lançar o seu primeiro sumário genômico em 2019. Portanto, sim, fazer seleção por meio de genômica é uma tendência e o produtor só tem a ganhar com a utilização dessa ferramenta. Como já citei na resposta anterior, o produtor ganha, principalmente, em aumento de acurácia, correção de pedigree e redução no intervalo de gerações.

3 – UTILIZAR UM TOURO GENÔMICO É UM RISCO?

Fazer seleção baseada nos valores genéticos genômicos (DEP genômica) é mais preciso do que selecionar os touros apenas pelos valores genéticos preditos pelo método tradicional (DEP tradicional), pois um fator crítico para predizer DEPs confiáveis é a correta determinação do parentesco entre os indivíduos. Erros de genealogia podem ter impactos negativos significativos sob a confiabilidade de uma avaliação genética e, consequentemente, comprometer os ganhos genéticos esperados. A tecnologia genômica reduz essas inconsistências e a estimativa de parentesco é mais precisa.

4 – O MERCADO E O CONSUMIDOR FINAL TAMBÉM GANHAM COM ISSO?

Com certeza, esse é um processo onde todos ganham. Com a genômica, fica mais fácil comercializar genética de uma forma mais efetiva. Esse é um dos caminhos que levará a pecuária a aumentar a qualidade do produto final e a produtividade de forma consistente e economicamente sustentável.

5 – O INVESTIMENTO NA SELEÇÃO GENÔMICA É INDICADO PARA TODOS OS SISTEMAS DE PRODUÇÃO? E PARA A SELEÇÃO VOLTADA PARA QUALQUER CARACTERÍSTICA? QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS MAIS AVALIADAS E BUSCADAS PELOS PRODUTORES HOJE?

A incorporação de informações genômicas nas avaliações genéticas pode aumentar as acurácias das DEPs para todas as características relacionadas à produção, contribuindo para maior ganho genético. Espera-se maior ganho relativo à acurácia, especialmente, para animais jovens, com nenhuma ou pouca informação própria, o que pode tornar a escolha dos melhores touros jovens e das melhores novilhas significativamente mais precisa. Outro ponto importante é viabilizar a inclusão, como critérios de seleção, de características que são difíceis ou caras de serem coletadas, como por exemplo, a eficiência alimentar que, apesar de ter grande impacto na lucratividade de um sistema de produção de gado de corte, ainda não está presente nos programas de melhoramento pelo alto custo envolvido na coleta do fenótipo.

Os maiores impactos da tecnologia genômica na acurácia são esperados para características de baixa herdabilidade e com poucos dados fenotípicos, como por exemplo, características reprodutivas. Características reprodutivas normalmente são expressas tardiamente na vida do animal; são limitadas a apenas um dos sexos e existem poucos conjuntos de dados completos e confiáveis referentes ao desempenho reprodutivo dos rebanhos, dificultando, assim, a seleção efetiva para estas características. Entretanto, devido à baixa herdabilidade, o grande desafio da utilização da genômica para essas características será a necessidade de uma grande população de treinamento para se atingirem resultados precisos. Isto significa maior demanda de recursos financeiros e de tempo, mas os benefícios poderão ser compensadores.

Entende-se por população de treinamento ou calibração uma população formada por um número grande de indivíduos que devem ser todos genotipados para um grande número de marcadores e ter seus fenótipos avaliados para as características fenotípicas de interesse. Essa população será usada para derivar as equações de predições, ou seja, estimar os efeitos dos SNPs e deve ser representativa da população sob seleção. Após a estimação dos efeitos dos SNPs com base em uma adequada população de treinamento, os métodos de seleção genômica permitem que a identificação dos animais geneticamente superiores seja feita antes da coleta de dados fenotípicos, acelerando o processo de tomada de decisões e diminuindo custos. No entanto, é necessário que, ao longo do tempo, os efeitos dos SNPs sejam re-estimados a partir de uma população de treinamento atualizada, o que é fundamental para a manutenção da eficácia do processo.

6 – NO BRASIL, QUAL O DESAFIO PARA QUEM QUER SE VALER DO USO DA GENÔMICA?

Um dos desafios relativos à adoção da tecnologia genômica é torná-la familiar e conhecida do público em geral. É natural que haja resistência em se adotar algo que se desconhece, especialmente quando esta adoção implica em custos para o produtor. Além disso, sem a correta compreensão de como a genômica pode contribuir para os processos de seleção em gado de corte, os selecionadores ficam sujeitos a utilizá-la de modo equivocado, podendo causar prejuízos. Outro fator limitante é o custo da tecnologia. Apesar da drástica redução observada nos últimos nos, os valores pagos para genotipagem ainda são altos, tornando muito difícil a sua adoção em larga escala. Uma alternativa para a redução de custos seria o desenvolvimento de ferramentas genômicas que pudessem ser usadas para diversos fins, como seleção genômica, teste de paternidade, rastreabilidade, diferenciação de produto, identificação de portadores de alelos indesejáveis, etc., isto diluiria os investimentos em toda a cadeia, não sobrecarregando o produtor.

7 – COMO VOCÊ VÊ A GENÔMICA NO FUTURO?

Nos últimos anos, a utilização da genômica nos programas de melhoramento genético tem revolucionado o melhoramento de bovinos de leite e, em um futuro muito próximo, revolucionará também o melhoramento em gado de corte. Estudos aplicados em populações de raças bovinas de corte têm demonstrado que a seleção genômica permite o incremento do ganho genético para características de interesse econômico, além de permitir o controle dos níveis de endogamia, manutenção da composição racial e correção de erros de pedigree. A popularização dessa ferramenta permitirá o delineamento de novos programas de melhoramento, com intensificação do uso de animais geneticamente superiores, avaliados ainda jovens que, juntamente, com tecnologias reprodutivas, proporcionará maior competitividade, aumento de produtividade e incremento na margem de lucro da cadeia de carne bovina.

Marcos Vinícius Gualberto Barbosa da Silva

Marcos Vinícius Gualberto Barbosa da Silva
Pesquisador Embrapa Gado de Leite

1 – QUAL É O POTENCIAL DA GENÔMICA PARA O MELHORAMENTO GENÉTICO BOVINO DE LEITE?

De forma geral, o potencial é imenso. Percebemos isso desde 2009, quando a genômica começou a ser usada nos Estados Unidos, em relação às raças leiteiras. Trata-se de uma tecnologia que viabiliza ganhos genéticos muito expressivos. Aqui no Brasil, ela vem sendo implementada nas raças Girolando e Gir, desde 2016, e os criadores estão usando o resultado dessa ferramenta nos seus rebanhos. O impacto tem sido muito interessante.

2 – FAZER SELEÇÃO ATRAVÉS DE TOUROS GENÔMICOS É TENDÊNCIA? O QUE O PRODUTOR CONSEGUE UTILIZANDO ESTES DADOS?

Sim, sabe-se que a genômica é uma tecnologia consolidada em muitos países no mundo. No Brasil, por enquanto, é mais popular entre criadores de Gir e Gir Leiteiro, que utilizam a ferramenta para selecionar os melhores touros, e também em pré-testes e testes de progênie. Nesse contexto, a genômica é uma realidade crescente no nosso país. A grande vantagem da genômica é conseguir identificar os animais com maior potencial em uma idade mais precoce. O que se vê no Brasil, hoje, é que as raças de leite têm programas de avaliação baseados em testes de progênie. Se os criadores passarem a ter uma garantia maior do desempenho desses animais, então isso torna o investimento muito mais seguro. Em relação às vacas, o potencial é enorme – por exemplo, podemos saber de antemão quais os indivíduos que vão ter, no futuro, um melhor desempenho leiteiro. Isso pode reduzir o número de animais na recria, o que gera uma economia considerável, já que a recria é uma das atividades mais dispendiosas em uma fazenda.

3 – UTILIZAR UM TOURO GENÔMICO É UM RISCO?

Considera-se que um touro genômico individual tem menos confiabilidade do que um grupo de animais. Quantos mais touros integrarem o grupo, mais credibilidade ele tem. Então, existe, sim, um risco associado aos investimentos em animais genômicos, mas também existe uma forma de minimizar esse risco, que é escolher um grupo e não apenas um touro específico.

4 – O MERCADO E O CONSUMIDOR FINAL TAMBÉM GANHAM COM ISSO?

Se ocorre um aumento na produção do leite e da sua qualidade, isso é refletido na indústria e no próprio consumidor, uma vez que o mercado passa a ter uma disponibilidade maior de leite de alta qualidade.

5 – O INVESTIMENTO NA SELEÇÃO GENÔMICA É INDICADO PARA TODOS OS SISTEMAS DE PRODUÇÃO? E PARA A SELEÇÃO VOLTADA PARA QUALQUER CARACTERÍSTICA? QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS MAIS AVALIADAS E BUSCADAS PELOS PRODUTORES HOJE?

A genômica é indicada para qualquer criador, independentemente do sistema de produção. Em relação às características, trata-se de um processo que ainda está em andamento. Nos Estados Unidos, por exemplo, já se usa a genômica para a seleção de quase 30 características. No Brasil, ainda estamos um pouco mais tímidos, porque a disponibilidade de informação é menor do que em outros locais. Com o tempo, teremos mais informação, o que permitirá traçar um retrato mais preciso. No entanto, sabemos que a tendência é o criador intensificar o controle leiteiro e é importante que ele disponibilize esses dados para uso nos programas de melhoramento. Vale ressaltar a importância dessas informações relacionadas ao controle leiteiro. Dados relativos à produção das vacas, à reprodução, à qualidade do leite, são ainda mais importantes agora do que já eram antes da genômica. É fundamental que os criadores continuem calculando as taxas do leite de proteína e gordura para darmos continuidade ao processo de disseminação da genômica pelo Brasil.

6 – NO BRASIL, QUAL O DESAFIO PARA QUEM QUER SE VALER DO USO DA GENÔMICA?

O principal desafio é o entendimento correto do processo e o uso correto da informação. Ainda se percebem muitos criadores que têm interesse em usar a tecnologia mas ainda não sabem completamente em que consiste a genômica. É essencial saber o que é, e como essa ferramenta pode ser implementada no sistema de produção. Só assim conseguimos obter os melhores resultados e o verdadeiro aumento da eficiência.

7 – COMO VOCÊ VÊ A GENÔMICA NO FUTURO?

Vejo a genômica como uma das ferramentas mais úteis para o mercado, bem como a maneira mais barata de se selecionarem as vacas da geração futura. Quem sabe, no futuro, poderemos até abrir mão do teste de progênie e usar apenas a genômica. Seja como for, ainda temos um caminho muito longo a percorrer antes de chegarmos a essa realidade.

Fonte: ABS News (Edição Dezembro 2018)

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