O General Jesus Corrêa, 64, foi nomeado presidente do Incra, que cuidará também de terras indígenas. Ele promete acelerar processo da reforma agrária.
Nomeado para comandar o órgão responsável pela política de reforma agrária e, em breve, da demarcação de terras indígenas, o general da reserva Jesus Corrêa, 64, sinaliza que não tratará o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) como um interlocutor direto do governo federal sobre o tema.
Afirma, porém, que a reforma agrária não vai parar. “Precisamos também dar celeridade àquilo que está parado.”
Ao iniciar a conversa com a Folha, o militar alertou: “Ainda preciso tomar pé de todas as demandas”. Apesar de nomeado, o general ainda não sabe quando tomará posse no cargo.
O Incra foi criado durante o regime militar para mediar os conflitos que se acentuavam no campo e para ajudar no processo de colonização à época, em especial na migração de famílias de agricultores do Sul para o Centro-Oeste e Norte do país.
Nos anos mais recentes, o Incra ganhou papel mais ativo na vistoria e desapropriação de terras para a implantação de assentamentos rurais. Na pressa, criou uma série de favelas rurais, como são chamados os lotes sem infraestrutura adequada.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) transferiu para o Incra a tarefa de identificar, delimitar e demarcar terras indígenas e quilombolas. Antes, na campanha eleitoral, ele havia prometido não demarcar nenhum centímetro a mais para reservas indígenas ou para quilombolas no país.
Nascido no Rio de Janeiro, Corrêa atuou com o presidente Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras. O novo presidente do Incra é da turma de 1976, e Bolsonaro, de 1977.
O general ocupou diferentes cargos no Exército, como chefe do Comando Militar do Nordeste. No ano passado, foi nomeado analista de Estudos Estratégicos da 3ª Subchefia do Estado-Maior do Exército.
O militar chega ao Incra após indicação do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, ao chefe da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia.
Confira a entrevista:
Que papel o Incra tem hoje? – Pela própria estatura dele, tem uma importância fundamental para o Brasil, principalmente a prioridade na execução da reforma agraria, no ordenamento fundiário. Ela [a reforma agrária] é de grande importância para os produtores, para quem precisa de terra. [O Incra é] uma autarquia com uma responsabilidade social muito grande.
A reforma agrária ainda é necessária? – Ela não vai parar. O próprio presidente Jair Bolsonaro disse que ela vai continuar. Mas, claro, observando toda a realidade nacional e das diretrizes do Incra.
O senhor vê a reforma agrária como papel social ou mais pelo lado econômico, de produção de alimentos? – Ela é muito abrangente e pega todos esses campos, do aspecto social ao aspecto econômico. A questão fundiária sempre foi tratada com enorme relevância.
A política de desapropriação de terra terá continuidade? – Essa análise será feita de acordo com os órgãos técnicos dentro do Incra.
Os índices que medem a produtividade de um imóvel rural estão desatualizados. O senhor coloca na agenda uma revisão? – Com certeza será um tema de agenda. Eu não posso aprofundar o assunto. Tenho leitura a respeito, me preparei a respeito, mas isso deve ser discutido com as pessoas que dominam profundamente essa questão, ouvindo outros segmentos, para tomarmos uma decisão, se será feita e como isso será feita [a revisão].
Em meio a tudo isso, há uma questão ideológica muito forte. De um lado, a bancada ruralista, aliada do governo, e, por outro, os movimentos sem terra, na oposição política. Como será lidar com esses dois lados? – Diálogo a gente procura conduzir com todos os segmentos, para ter decisões equilibradas. A questão do viés ideológico já foi mais do que batida por parte de todos os que cercam o presidente, e há uma diretriz do presidente em relação a isso. Essa diretriz será observada. A ideia é conduzir os processos com isenção.
O senhor sentará numa mesma mesa com o MST, por exemplo? – Eu prefiro não falar do MST ou de qualquer outro movimento específico. A minha concepção sobre essa questão é que nós vamos manter um diálogo com aquelas entidades que possuem existência, com identidade jurídica. Essa é uma condição sine qua non. E, para interlocução, outra questão imperativa considerada é que a entidade não esteja à margem da lei e que esteja dentro do processo nacional dentro da legalidade. A partir disso nós vamos analisar [nota da Redação: o MST é um movimento social e não possui identidade jurídica, como um CNPJ].
Qual será o critério para a nomeação dos superintendentes regionais do Incra? – Eu só vou poder responder quando eu estiver dentro da feijoada, com o corpo dentro da feijoada, como se diz. Assim que assumir as funções, poderei verificar as diretrizes, como está funcionando e qual é a abordagem.
Uma medida provisória, chamada de MP antiinvasão, editada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, exclui do processo de reforma agrária toda a terra invadida. Esse mecanismo que ficou adormecido nos governos do PT pode agora ser retomado? – Qualquer amparo legal é passível de ser utilizado. Quando me aprofundar, com certeza absoluta essa questão será levada em conta.
O momento atual é mais para criação de novos assentamentos ou de cuidar daqueles criados sem nenhum tipo de infraestrutura em governos passados? – Para que você consiga estabelecer um assentamento, é necessário que se tenha uma infraestrutura que permita esse assentamento avançar.
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Não pode ser no meio do nada – Isso, não pode ser no meio do nada. Não podemos colocar uma família no meio do nada, sem a mínima infraestrutura, com as condicionantes básicas que conhecemos. Essa família pretende produzir. Para produzir precisa de água, de estrada, de condições sociais, como escola e saúde.
É uma complexidade que não envolve apenas o Incra, e sim outros setores do governo. E precisamos também dar celeridade àquilo que está parado. Tem muita gente esperando o seu título de terra. Isso [título] é uma libertação para o camarada conseguir um financiamento e fazer a sua terra produzir. Isso é uma prioridade.
E agora o Incra assumirá a função de demarcar as terras indígenas. O próprio presidente Bolsonaro já deu declarações de que não pretende avançar neste tema agora. Como o senhor avalia isso? – Primeiro haverá uma transição [do processo] da Funai [Fundação Nacional do Índio] para o Incra. Agora a sistemática de demarcação tem todo um procedimento técnico que vamos orientar, desde laudos antropológicos até os processos que levam à real necessidade daquela comunidade indígena reivindicar aquela área tudo isso vai ser discutido e observado.
E qual a opinião do senhor sobre a iniciativa do presidente de buscar uma forma para reverter a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima? – Isso vai ser estudado ainda. Isso não depende da minha opinião pessoal, para não ser leviano em relação à questão. Não quero misturar as duas coisas. Vou fazer aquilo que for orientado pelo presidente da República.
Fonte: Folha de São Paulo