Com fertilização in vitro, projeto tenta salvar gado Pantaneiro da extinção, objetivo é não precisar da barriga de aluguel no futuro; Raça foi substituída por Nelore ao longo do tempo, mesmo com sua criação sendo mais vantajosa ao bioma
Os bois pantaneiros são resistentes às condições ambientais do Pantanal devido a adaptações que sofreram ao longo dos séculos, como nenhuma outra raça de bovinos no país. Eles são capazes de pastar em terrenos alagados, sem que seus cascos amoleçam, e não dependem só do capim, pois conseguem se alimentar de folhas de árvores e pequenos arbustos. Apesar disso, estão ameaçados de extinção —nos últimos 50 anos, a população caiu de 3 milhões de cabeças para 500 animais, informou conteúdo divulgado pela Folha de S.Paulo.
Duas características físicas fizeram com que os pecuaristas deixassem de lado o gado Pantaneiro e preferissem investir na raça Nelore: pernas curtas e longos chifres – que dão origem aos conhecidos berrantes. Essas características marcantes do Pantaneiro dificultavam o transporte a pé e em trens. Mas, um projeto especial vem utilizando a fertilização in vitro para poder salvar esses animais que, segundo os especialistas, podem ajudar a proteger o Pantanal.
Uma parceria entre a ONG Onçafari e a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) tenta impedir a extinção dos pantaneiros. O trabalho começou em 2013, liderado pelo professor Marcus Vinicius Morais de Oliveira, que mapeou os animais remanescentes em propriedades de criadores aficionados pela raça. “Encontrei alguns poucos pecuaristas ricos, que preservavam os pantaneiros só porque gostam dos bois e os criavam como animais de estimação, mas não conseguiam renovar os rebanhos pela consanguinidade”, afirmou o professor a Folha de S.Paulo.
Enquanto Oliveira acumulava material genético em seu laboratório, um projeto de preservação particular acontecia na Reserva São Francisco do Perigara, no Pantanal do Mato Grosso. A reserva, que abrigava 15% da população total de araras azuis, foi adquirida em 2021, após um incêndio que consumiu 90% do território.
A ONG Onçafari, fundada pelo ex-piloto de Fórmula 1 Mario Haberfeld, busca preservar animais de todos os biomas e promover o ecoturismo responsável. A onça-pintada é o principal deles, e há também as araras-azuis. Mas, nessa trajetória, descobriu-se que é interessante o pantaneiro também brilhar no projeto e ser reconhecido como peça fundamental.
“Eles são fundamentais para manter as condições do bioma. As vegetações forrageiras crescem muito no verão e, se os bois não pastarem, essa biomassa vira feno, que aumenta o risco de incêndios”, explica Oliveira.
Os bois pantaneiros também se alimentam dos coquinhos da palmeira acuri, removendo a casca dura e deixando o miolo pronto para ser comido pelas araras azuis e outras aves. Além disso, o gado Pantaneiro é a único capaz de se defender dos ataques das onças. A pelagem pode mudar de cor para se camuflar, e o rebanho se une para proteger os bezerros e intimidar a onça. É um padrão de comportamento único, segundo disse o pesquisador ao jornal.
“Apesar da proibição, a gente sabe que alguns pecuaristas acabam matando as onças que avançam sobre seus rebanhos. Se conseguirmos recuperar o boi pantaneiro e provar que ele pode conviver com as onças, não haverá mais motivo para matá-las”, defende Haberfeld.
O professor da UEMS coordena a produção de dois lotes de bois por inseminação: um de pantaneiros de mães Nelore e outro de bezerros meio sangue. Eles farão parte de um rebanho de pantaneiros puros paridos de 2023 para cá.
Com recursos da Onçafari, Oliveira acelerou seu projeto e, através de fertilização in vitro, produziu 450 embriões da raça pantaneira, inseminados em novilhas Nelore. Até agora, 29 bezerros nasceram, pesando 32 quilos em média.
“Nosso objetivo é conseguir um rebanho de 500 pantaneiros. Vai chegar o momento, daqui a cerca de sete anos, em que as vacas Nelores não serão mais necessárias como barrigas de aluguel”, calcula Oliveira. Ao longo de 10 meses, os bezerros terão o comportamento monitorado. A ideia é que os rebanhos se juntem e passem a viver soltos assim que desmamarem.
Oliveira aposta que os bezerros serão pacíficos e resistentes como seus ancestrais. “Há inúmeros relatos de pantaneiros mais antigos, que viram onças sendo chifradas pelos bois. Eu mesmo tenho fotos de bois pantaneiros com marcas de garras de onça, o que mostra que sobreviveram a um ataque, o que é raro“, diz o cientista.
Haberfeld vê o projeto dos bois pantaneiros como um recurso para preservar as onças, mas não descarta incluir o gado em planos de ecoturismo. “O grande atrativo da Reserva São Francisco do Perigara são as araras azuis e tenho a ideia de construir uma pousada por lá. O boi pantaneiro pode ser uma atração turística a mais“, adianta.
Por enquanto, a qualidade da carne do boi pantaneiro não é foco do projeto, mas Oliveira prevê que isso mudará. “Assim que a propriedade estiver cheia de bois pantaneiros, vamos entrar nesse assunto. Tenho alguns animais e sei que a carne é muito especial, pelo alto grau de marmoreio.”
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