Você já ouviu falar do gado Heck? Criada durante o regime nazistas com a intenção de recriar o ancestral bovino pré-histórico, esta raça intrigante possui uma história controversa e uma presença restrita na Europa atualmente; confira
A Alemanha possui uma rica tradição na criação de raças bovinas, que são altamente valorizadas tanto pela qualidade de sua carne quanto pela sua robustez. Entre essas raças, o gado Heck, ou Gado do Inferno, destaca-se não apenas pela sua história singular, mas também pela controvérsia que a envolve. Criada na década de 1920 pelos irmãos Heinz e Lutz Heck, esta raça foi uma tentativa audaciosa de ressuscitar o extinto auroque (Bos primigenius), um bovino selvagem que outrora vagava pelas florestas europeias. No entanto, o fato de ter sido desenvolvido durante o regime nazista trouxe uma conotação sombria e complexa à sua origem.
Neste artigo da Compre Rural, exploraremos a história e as características do gado Heck, entendendo a motivação dos irmãos Heck pelos nazistas para recriar os auroques e as metodologias que empregaram. Analisaremos as críticas ao programa de reprodução e as diferenças entre esse bovino e os auroques originais.
História intrigante desses bovinos
O gado Heck teve sua origem na Alemanha nas décadas de 1920 e 1930, em uma tentativa ambiciosa de recriar o auroque (Bos primigenius primigenius), um bovino selvagem que habitava a Europa até ser extinto no século XVII. Este projeto foi liderado pelos irmãos Heinz e Lutz Heck, ambos diretores de zoológicos em Munique e Berlim, respectivamente. Motivados pelo desejo de restaurar o auroque e corrigir o erro histórico de sua extinção, os irmãos empreenderam extensos programas de reprodução seletiva, utilizando diversas raças de gado doméstico com características que eles acreditavam se assemelharem aos auroques.
Heinz Heck, em Munique, e Lutz Heck, em Berlim, seguiram caminhos ligeiramente diferentes em seus experimentos, utilizando combinações distintas de raças. Heinz empregou raças como o Cinza Húngaro, o Gado das Terras Altas, o Murnau-Werdenfels e o Pardo Suíço, enquanto Lutz incorporou touros de briga espanhóis em seu programa. Apesar das diferenças nos métodos, ambos irmãos anunciaram o sucesso de seus experimentos em menos de uma década. Em 1932, Heinz Heck apresentou o primeiro touro que acreditava se assemelhar ao auroque, nomeado Glachl, marcando um marco significativo em seus esforços.
Gado Heck vs. Auroque
O bovino apresenta uma série de características físicas que refletem tanto sua origem doméstica quanto os esforços de reprodução seletiva dos irmãos Heck para assemelhá-lo ao auroque extinto. No entanto, essas características revelam notáveis diferenças em comparação com seu ancestral selvagem.
Em termos de tamanho, o Heck é significativamente menor que os auroques. Um touro típico tem, em média, 1,4 metros de altura e uma vaca cerca de 1,3 metros, pesando até 600 kg. Em contraste, os auroques eram muito maiores, com touros atingindo alturas de ombro entre 1,6 e 1,8 metros, e ocasionalmente até 2 metros, com um peso estimado entre 700 e 1000 kg. Essa discrepância de tamanho é uma das diferenças mais marcantes entre o gado Heck e os auroques.
Além do tamanho, a constituição corporal também difere significativamente. O gado Heck tende a ser mais volumoso, com pernas mais curtas e um tronco mais longo em comparação com o corpo atlético e esbelto dos auroques. Os auroques possuíam uma cabeça grande e alongada, sustentada por um pescoço musculoso, enquanto o outro bovino apresenta uma cabeça comparativamente menor e mais curta. A musculatura bem desenvolvida dos ombros dos auroques, sustentada por espinhos dorsais longos, não é replicada no gado Heck.
Os chifres dos auroques tinham uma forma característica, crescendo para fora e para cima na base, depois curvando-se para frente e para dentro nas pontas, com um comprimento de 80 a 100 cm e um diâmetro de 10 cm ou mais. No gado Heck, os chifres frequentemente não atingem o tamanho ou a forma dos auroques, variando consideravelmente em formato e dimensão. A cor da pelagem do gado Heck pode lembrar a dos auroques, com touros geralmente pretos e vacas marrom-avermelhadas, mas há uma grande variação, incluindo indivíduos com pelagem acinzentada, cinza ou até mesmo com manchas brancas, refletindo a diversidade genética das raças utilizadas na sua criação.
Grande controvérsia envolvida
O projeto de recriação do auroque pelos irmãos Heck sempre esteve envolto em controvérsias, tanto pela metodologia empregada quanto pelo contexto histórico em que foi desenvolvido. A tentativa de trazer de volta uma espécie extinta, utilizando raças domésticas para selecionar características desejadas, foi vista por muitos como uma simplificação excessiva e cientificamente questionável. A seleção de raças e a rapidez com que os experimentos foram conduzidos levantaram críticas sobre a precisão e a validade dos resultados. A ausência de um conhecimento profundo sobre os auroques extintos e a complacência dos irmãos Heck resultaram em uma abordagem que muitos especialistas consideram falha.
Além das questões metodológicas, o contexto histórico do projeto também adiciona uma camada de controvérsia. A criação do animal ocorreu durante a ascensão do nazismo na Alemanha, e os irmãos receberam apoio do regime, que via no projeto uma forma de promover ideais de pureza racial e força. A imagem do bovino foi amplamente utilizada na propaganda nazista, simbolizando uma conexão mítica com um passado glorioso e indomável. Essa associação manchou a reputação do gado e levou a uma rejeição por parte de muitas comunidades científicas e ecológicas.
Apesar dos esforços dos irmãos, os resultados finais não se aproximaram da recriação precisa do ancestral. O gado Heck, embora compartilhe algumas características com os auroques, difere significativamente em tamanho, constituição corporal e outras características físicas. Outros especialistas argumentam que raças primitivas de gado do sul da Europa, como o touro bravo espanhol, se assemelham mais ao auroque do que o gado Heck. Essas críticas sublinham a complexidade e os desafios de tentar recriar uma espécie extinta e destacam as limitações dos experimentos realizados pelos irmãos.
Situação do gado atualmente
Atualmente, o animal é encontrado predominantemente na Europa, com aproximadamente 2.000 exemplares distribuídos em diversos países. Além da Alemanha, onde são mantidos em zoológicos devido à associação equivocada dos irmãos Heck de que representam auroques ressuscitados, há populações significativas em locais como Oostvaardersplassen, na Holanda, onde cerca de 600 animais vagam livremente. Em áreas como Falkenthaler Rieselfelder perto de Berlim e reservas naturais na França, como Nesseaue e Grubenfelder Leonie, o gado Heck também é encontrado, sendo parte de iniciativas de reintrodução para restaurar paisagens antigas e apoiar projetos de rewilding na Europa.
Auroque, bovino ancestral
O auroque, Bos primigenius, foi uma espécie ancestral de bovino selvagem que habitou vastas áreas da Europa, Ásia e norte da África até sua extinção no século XVII. O animal desempenhou um papel crucial na cultura e na ecologia das regiões onde vivia. Fisicamente robusto e de tamanho imponente, era reconhecido por seus chifres largos e pela pelagem escura que o distinguia de outros bovinos.
Historicamente, o auroque foi uma presa significativa para caçadores humanos pré-históricos, que o caçavam por carne e couro. No entanto, sua importância cultural foi além da alimentação, sendo frequentemente retratado em pinturas rupestres e considerado uma figura mítica em muitas sociedades antigas. A domesticação gradual dos auroques levou ao desenvolvimento de raças bovinas modernas, influenciando profundamente a agricultura e a pecuária ao longo dos milênios.
Na contemporaneidade, esforços de conservação e pesquisa genética têm tentado recriar características do auroque através de projetos como o gado Heck na Europa. Essas iniciativas visam não apenas recuperar aspectos genéticos perdidos do bovino, mas também explorar seu potencial ecológico em habitats naturais, apesar das controvérsias e desafios associados à reintrodução de espécies extintas.
Escrito por Compre Rural.
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Juliana Freire sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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