Primeiro abate no frigorífico de jacarés em São Paulo, após migração da inspeção estadual para a federal, ocorreu em novembro; veterinário do Mapa passou por treinamento no MS.
O Estado de São Paulo conta com um criatório e um abatedouro de jacarés-de-papo-amarelo que em novembro passou a ser inspecionado pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Até então, o frigorífico Selvatti era inspecionado pelo serviço estadual e a comercialização era restrita ao Estado de São Paulo. A estrutura fica em Porto Feliz, a cerca de 120 km da capital. É o segundo frigorífico de jacarés do Brasil a contar com SIF.
O médico veterinário do Mapa responsável pela inspeção da carne e carcaça é Luís Felipe Lopes Conceição. Ele passou por treinamento no frigorífico Caimasul, em Corumbá (MS), inaugurado em 2017. Em Porto Feliz, Luís Felipe conta que faz a inspeção ante mortem, que é o exame visual geral dos animais, observando seu comportamento e separando aqueles que, por questões sanitárias, precisem de algum exame individual mais detalhado. Nessa etapa, segundo ele, é feita a avaliação documental e do estado clínico geral dos animais.
O veterinário do Mapa acompanha também o processo de abate e faz a inspeção chamada de post mortem, que consiste na visualização, palpação e cortes, se necessário. Ele segue critérios de julgamento e destinação previstos no Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA). Este documento determina algumas práticas relacionadas à gestão de segurança e de qualidade no setor de produtos de origem animal.
Luís Felipe disse que trabalhar em um frigorífico de jacarés é similar a um frigorífico de bovinos, “com a particularidade de serem animais oriundos de sistema criatório, o que denota uma integralidade do sistema, semelhante a aves e suínos”. Para o servidor do Mapa, o maior desafio ainda é a necessidade de normatizar alguns procedimentos. “Para isso, o contato com o abatedouro de Corumbá tem sido fundamental”, afirmou.
O veterinário conta que tem contato com os animais vivos durante a inspeção que precede o abate. Para ele, os riscos são semelhantes a todas as espécies de animais que os servidores do Mapa que atuam na inspeção avaliam. “Porém, no caso dos jacarés, que são predadores em potencial, todos os cuidados são tomados para evitar acidentes.”
PESCADOS
O médico veterinário Luís Bassetti, atua em uma empresa que faz o manejo dos animais do criatório em Porto Feliz. Segundo ele, o frigorífico decidiu aderir ao SIF não só pelo comércio da carne de jacaré, cuja produção sempre foi facilmente vendida no Estado de São Paulo, mas para ampliar a comercialização do pescado, que é outra linha em crescimento na empresa. A Selvatti desenvolve produtos como hambúrguer e linguiças de peixe (pirarucu e tambaqui), que têm bastante procura.
Em relação aos jacarés, o frigorífico prepara alguns cortes como o filé da cauda, filé do lombo e costela temperada, entre outros. Há também uma linha especial de linguiças e hambúrguer de jacaré, que utilizam a gordura do próprio animal. “A venda de carcaças inteiras também tem crescido muito para serem preparadas em churrascarias e churrasqueadas”, afirma Bassetti.
O chef pantaneiro Antonio Albaneze, que tem bastante experiência com pratos utilizando esse ingrediente, disse que a principal dica para o preparo é acertar o ponto da carne para evitar que fique com aspecto “emborrachado”. “O jacaré é uma carne magra e o preparo é muito rápido. Não precisa ter medo de achar que está cru. Qualquer filé de jacaré vai ficar perfeito grelhando dois minutos de um lado e dois minutos do outro. Na churrasqueira também, é rapidinho”, disse.
Alguns consumidores arriscam caracterizar a carne de jacaré como uma textura intermediária entre a de peixe e a de frango. O próprio frigorífico disponibiliza em seu site receitas que facilitam a vida de quem vai preparar a iguaria.
Luís Bassetti disse que ainda não há planos para exportação da carne a curto prazo, porque o mercado nacional consome toda a produção rapidamente. Porém, com a possibilidade da expansão dos criatórios e consequente aumento no número de animais nascidos no cativeiro, esses planos podem ser modificados.
HISTÓRIA
Os atuais proprietários adquiriram o criatório que leva o nome Caiman já em funcionamento, o que facilitou a propagação, pois grande parte dos reprodutores e matrizes se encontrava apta a reproduzir.
“Todos estes animais que iniciaram o plantel nasceram em cativeiro e foram adquiridos de um outro empreendimento comercial”, explica Bassetti. A escolha da espécie foi natural, pois somente o jacaré-de-papo-amarelo pode ser criado e comercializado no Estado de São Paulo, por ser uma espécie endêmica.
Quanto à criação, a fase mais delicada é a reprodução, pois envolve cuidados no controle de temperatura e umidade na sala de incubação, que hoje é automatizada. Essa fase é tão importante que envolve até a escolha do sexo dos animais, visto que a determinação sexual em crocodilianos é termodependente. Ou seja, a temperatura em que o embrião se desenvolve no interior dos ovos é fator decisivo para a determinação do sexo do filhote.
O abatedouro se chama Aruman e, segundo Bassetti, os jacarés só são abatidos quando atingem mais de 10 quilos de peso vivo, independentemente da idade. O criatório conta com dois funcionários capacitados para o manejo dos animais e o frigorífico trabalha com aproximadamente oito pessoas envolvidas em processos distintos. “A atividade é lucrativa, desde que as peles também sejam postas no mercado, pois possuem bom preço”, disse ele. Toda a atividade possui as licenças exigidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
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