Por que as florestas com araucária e os campos naturais parecem estar fora do mapa da maioria das pessoas.
O sul meridional brasileiro encerra um rico ecossistema associado à Mata Atlântica que parece não estar no mapa da maioria das pessoas. De fato, a mata preta – ou floresta com araucária – e os campos naturais, tecnicamente identificados como Floresta Ombrófila Mista (FOM), seguramente não compartilham do reconhecimento e da popularidade de outras formações florestais como a Floresta Amazônica e a própria Floresta Atlântica, localizada na porção costeira do sul até o nordeste do país.
Não obstante, sua exploração tenha representado um importante ciclo econômico de extrativismo, com a exportação de madeira ao longo de décadas, e levando nas costas a economia do sul do país, a floresta com araucária, hoje constituída tão somente de fragmentos e extremamente ameaçada, continua sofrendo com a inconsistência das políticas conservacionistas de nosso país e do descontrole da gestão ambiental regional.
De beleza exuberante, essa formação natural também agrega, em algumas regiões do planalto sulino, uma conjunção de capões de mato com campos naturais. São paisagens naturais que representam um enorme potencial de exploração do turismo, uma das maneiras de buscar formas de garantir a conservação das áreas que ainda restaram em bom estado de conservação.
Adicionalmente, são conhecidos mecanismos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) que podem se adequar à agenda de proteção de remanescentes naturais da floresta com araucária. Há amplo espaço para iniciativas públicas e privadas nessa direção, mas que dependem do reconhecimento do real valor de garantir a perpetuação desse ecossistema. E a ausência dessa percepção de parte da sociedade talvez explique o comportamento passivo que mantemos em relação às ameaças existentes sobre essa floresta tão especial.
No caso da Floresta Ombrófila Mista – com ocorrência nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo –, o sinal vermelho já foi anunciado há décadas, com o aniquilamento de grande parte de sua área de distribuição original.
Estudos da Universidade Federal do Paraná (Fupef) e do Ministério do Meio Ambiente, publicados em 2001, mostram que menos de 0,8% dos remanescentes de floresta com araucária se encontrava em estágio avançado de conservação, uma terminologia que indica ambientes ainda muito bem conservados. E os campos naturais, ainda mais pressionados, com cerca de 0,1% que pode ser considerado ainda próximo de sua constituição original.
Todo cidadão com o mínimo bom-senso, independentemente da necessidade de quaisquer conhecimentos científicos, tende a inferir que, depois de tamanha destruição, a única atitude sã a ser tomada é de voltar um olhar protetivo a esses remanescentes, com uma expectativa de que esse resguardo, embora tardio, garanta oportunidades de restauração de áreas já degradadas no futuro.
Embora seja uma lógica irrefutável, a realidade nesse caso é outra. Essa floresta pouco conhecida dos brasileiros sofre com uma impensável inversão de valores que continua regrando as políticas regionais, pesadamente influenciadas por um encarnado perfil madeireiro que ainda sustentamos.
Mesmo representando um produto de importância econômica medíocre, continua a existir uma pressão para a continuidade da exploração de madeira de florestas nativas no sul do Brasil. O propositado afrouxamento da fiscalização e um direcionamento juridicamente falseado para indicar o corte das árvores desses remanescentes é a interpretação dada pelo governo estadual do Paraná e por elementos isolados da academia sobre a “única maneira de conservar esses ambientes”.
A judicialização de situações dessa natureza passou a ser praticamente a única possibilidade de enfrentamento disponível. Não há como se admitir que esse tipo de retórica continue possibilitando pressões sobre áreas naturais criticamente ameaçadas no território nacional.
A floresta com araucária não merece receber o nome de floresta perdida pelo fato de ser pouco conhecida. Mas cabe a expressão para delimitar claramente uma ardilosa e contínua manipulação de conceitos e procedimentos supostamente amparados pela ciência e pela legislação, para seguir com a deliberada e irresponsável destruição de um bem que, nessas condições, deixará de existir muito brevemente.
A atual gestão da conservação do Patrimônio Natural no governo do Paraná representa, inequivocamente, uma condição de descontrole sem precedentes. E a sociedade precisa mais do que nunca reagir ao conjunto de absurdos que seguem atropelando o bom-senso e o interesse público.
A floresta com araucária não pode ser destruída em função de uma alienação propositada, voltada ao atendimento de interesses politiqueiros. Os caminhos virtuosos para permitir um legado às gerações futuras estão a nossa disposição. Desde que saibamos enfrentar o peso de uma cultura do passado que já não tem mais nenhum espaço para conviver com a realidade atual.
Clóvis Borges é diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS). Reproduzido do site da Época