Motivo alegado é a falta de consulta a povos indígenas e comunidades tradicionais; governo afirma que etapa será realizada durante licenciamento ambiental.
A continuidade do processo que vai resultar na construção da Ferrogrão está ameaçada. O Ministério Público Federal (MPF) e mais cinco organizações da sociedade civil pediram que o Tribunal de Contas da União (TCU) suspenda o processo de análise e proíba, ao menos temporariamente, o governo de fazer o leilão da ferrovia, projetada para cortar os estados de Mato Grosso e do Pará, entre os municípios de Sinop e Itaituba, e ser o principal centro de escoamento de grãos mato-grossense.
O motivo, segundo o MPF, é que o governo se recusa a consultar os povos indígenas e comunidades tradicionais que serão afetadas com a ferrovia.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Ministério da Infraestrutura negam que há recusa e afirmam que a etapa será realizada durante o processo de licenciamento ambiental. São 48 terras indígenas, em diferentes estágios de regularização, no entorno do traçado da ferrovia.
O MPF alega que a consulta – prevista em convenção da Organização Internacional do Trabalho – já deveria ter sido feita, antes de o governo e a ANTT protocolarem no TCU os documentos do projeto, o que ocorreu em julho. O órgão quer que o TCU obrigue o governo a fazer o procedimento e que, até a conclusão dessa fase, o leilão seja vetado e o processo no TCU suspenso. A previsão do Ministério da Infraestrutura é de fazer o certame no próximo ano.
Na representação ao tribunal, o órgão afirma, que ainda em 2017, a ANTT se comprometeu a fazer essa etapa antes de remeter o processo ao TCU. O MPF narra que desde então os povos indígenas passaram a solicitar formalmente ao governo que a consulta fosse realizada. Foram pelo menos oito pedidos de associações indígenas e duas recomendações do MPF, alega.
Preocupação ambiental
O processo ocorre justamente num setor em que o Ministério da Infraestrutura busca emplacar como um “cartão postal” de preocupação ambiental. O programa ferroviário da pasta é o primeiro na lista a ser habilitado para captar investimentos por meio de títulos verdes.
A questão ambiental, no entanto, sempre rondou o projeto e é um dos principais pontos de dúvida de investidores interessados em construir e operar a Ferrogrão, responsabilidades que serão transferidas à iniciativa privada. Só para implantar a ferrovia serão necessários R$ 8,4 bilhões.
O Ministério da Infraestrutura já assumiu a responsabilidade de obter a licença prévia ambiental da ferrovia para tentar espantar temores do setor privado. É fase do licenciamento ambiental que a consulta aos povos afetados será feita, de acordo com a ANTT e a pasta. Em nota à reportagem, o ministério comandado por Tarcísio de Freitas respondeu que o órgão não se recusa a realizar essa etapa, como alega o MPF.
“A consulta a povos indígenas é feita normalmente no momento dos estudos ambientais de um empreendimento”, disse.
O ministério também destacou que a pandemia do coronavírus tornou a consulta presencial a essa população um “desafio”, uma vez que o acesso às terras indígenas está proibido por questões sanitárias.
“Para contornar essa dificuldade, o Ministério da Infraestrutura e a EPL estão estudando com a Funai a forma de fazer a consulta diante das restrições”, afirma a pasta. A ANTT ainda frisou que durante o processo de audiência pública da Ferrogrão foram ouvidas as etnias do Parque Indígena do Xingu, Munduruku, Kayapó, além de outras.
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Corredor de exportação
Com previsão de ser construída até 2029, com início da operação no ano seguinte, a Ferrogrão será feita do zero e está qualificada no Programa de Parcerias de Investimento (PPI) desde 2016. A ideia é consolidá-la como o novo corredor de exportação da produção agrícola do Centro-Oeste, escoamento que hoje se dá principalmente pela BR-163.
A dimensão da ferrovia, de 933 km, e todo o aparato que vai envolver a construção são mencionados pelo MPF na representação. Para o órgão, a mobilização no canteiro de obras, além do transporte de equipamentos de grande porte, devem ser fontes potenciais de impactos socioambientais sobre parte dos territórios indígenas da região. Por isso, afirma o órgão, a viabilidade do empreendimento deveria considerar desde o princípio a consulta aos povos.
Fonte: Estadão Conteúdo