Fazenda em MS é a primeira do Brasil a criar gado com balanço zero nas emissões de carbono; Fazenda projeta produzir 5 mil animais neste sistema até 2022.
A floresta faz bem à criação e pode ser a peça fundamental no caminho para a produção de uma carne sustentável. Se antes já se sabia que a sombra das árvores trazia conforto e bem-estar aos animais, agora é possível usá-las em um sistema capaz de neutralizar totalmente as emissões de carbono do rebanho bovino.
A Fazenda Santa Vergínia, localizada em Santa Rita do Pardo, no leste de Mato Grosso do Sul, é a primeira do Brasil a provar isso. A propriedade, de 30.700 hectares de área total, destinou 904 hectares ao novo sistema, que tem o reconhecimento científico da Embrapa Gado de Corte com uma criação de gado de balanço zero nas emissões.
O primeiro lote de 150 cabeças de gado resultou em 9 toneladas de carne carbono neutro (CCN) – os produtos com o selo já estão à disposição dos consumidores – e marca um novo passo da pecuária no esforço global de se produzir com o menor impacto possível ao meio ambiente.
A CCN foi desenvolvida pela unidade Gado de Corte da Embrapa, após quase uma década de pesquisas. Tudo começou em 2012, na Colômbia, durante um congresso sobre integração pecuária-floresta (IPF), quando um grupo de pesquisadores pensou em uma maneira de certificar a produção da carne proveniente de sistemas silvipastoris e agrossilvipastoris com a mitigação dos gases de efeito estufa.
Um dos protocolos da CCN, portanto, é a integração das atividades, podendo ser IPF ou integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), sistemas em que o Brasil é pioneiro e que vêm ganhando terreno no país ano a ano. A Fazenda Santa Vergínia dedica 7.884 hectares à IPF.
A certificação da produção com emissões neutralizadas garante um preço diferenciado ao criador. O abate do gado criado dentro desse sistema foi operado pela Marfrig, único frigorífico brasileiro que apostou na iniciativa e axiliou no financiamento das etapas finais da pesquisa.
A empresa firmou um acordo de cooperação até 2030 com a Embrapa em que tem exclusividade no uso da marca CCN. “Outros frigoríficos foram procurados, em meados de 2014, quando ninguém ainda falava no assunto, e apenas a Marfrig se interessou”, afirma Fabiana Villa Alves, pesquisadora da Embrapa Gado de Corte e coordenadora do projeto. O acordo foi assinado em 2018 e prevê ainda que o frigorífico também pague royalties à Embrapa pelo uso do selo.
A neutralização das emissões do gado ocorre pelo sequestro de carbono das árvores plantadas na área, explica Fabiana. Mas não é qualquer produção em IPF ou ILPF que pode ser considerada uma CCN. Uma série de requisitos devem ser atendidos. “Não adiantava ter a carne maravilhosa do ponto de vista ambiental se a carne fosse dura, se os animais fossem velhos, se a pastagem fosse degradada ou se o produtor não estivesse regularizado.”
Uma das regras é o plantio de árvores no meio da pastagem, que deve ser bem formada e manejada. No sistema, a base de cálculo é de 150 árvores por hectare para mitigar de um a dois animais por ano. Para o plantio consorciado com pecuária, a recomendação na Região Centro-Oeste é de plantio de linhas simples com fileiras com distanciamento médio de 25 a 30 metros.
Outro ponto essencial para produzir a carne carbono neutro é o destino final das árvores. “Tem de ser madeira, não pode ser celulose ou carvão. Para ser livre de emissão, o carbono vai ficar preso no tronco, para evitar o aquecimento global, mas deve ficar fixado no mínimo 20 anos, então o destino deve ser madeira para móvel, tábua ou construção civil”, explica a pesquisadora.
Também é necessário que os animais sejam abatidos jovens, com até 30 meses, com boa formação de carcaça e cobertura. Os documentos de conformidade legal, como o Cadastro Ambiental Rural, áreas de preservação permanente e reserva legal são verificados, bem como o calendário de vacinação, que precisa estar em dia.
A Embrapa credenciou sete certificadoras em todo território nacional, que fazem vistoria e auditoria independentes. Fabiana Villa admite ser difícil uma fazenda estar 100% compatível com todas as exigências do protocolo CCN. Por isso, após a primeira visita, há um prazo de adequação. “Acredito que entre 30 e 45 dias, estando tudo nas conformidades, é possível obter o certificado”, estima a pesquisadora.
Todos os requisitos foram cumpridos na Fazenda Santa Vergínia, onde os sistemas IPF e ILPF já são praticados desde 2009. É a primeira e, por enquanto, única do Brasil a ter a certificação CCN, após emissão feita pelo IBD Certificações, uma das setes credenciadas pela Embrapa.
Arthur Pollis, presidente do Grupo Brochmann Pollis, composto pela Fazenda Santa Vergínia e por outras propriedades no mesmo Estado, além do Paraguai, conta que o envolvimento da fazenda no processo da carne carbono neutro começou em 2018, por incentivo da própria Marfrig, “pois ela tinha conhecimento do nosso sistema de integração”.
Nesses últimos dois anos, segundo Pollis, os ajustes para o protocolo CCN corresponderam mais ao manejo da floresta e à destinação da madeira de eucalipto, sem haver um aporte financeiro específico para o protocolo, a não ser o custo da emissão do certificado pelo IBD. Arthur Pollis afirma que o custo de conversão de uma área convencional de pecuária em uma de integração pecuária-floresta gira em torno de R$ 3.100 por hectare.
Em relação à CCN, ele diz que ainda é muito cedo para estimar o valor de retorno, mas garante que os sistemas IPF e ILPF já são mais rentáveis que apenas a pecuária, pois, além da carne de melhor qualidade, há o incremento da renda florestal.
Além disso, a Marfrig paga uma bonificação a quem produzir a CCN, mas Pollis não revela quanto. O frigo rífico esclarece que não existe um valor fixado para essa bonificação, pois varia de acordo com a adequação tanto de produção quanto de consumo.
Para o desenvolvimento do produto, a Marfrig desembolsou R$ 10 milhões, que incluem os custos de pesquisa, construção dos padrões de corte e da marca de carne. Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade da empresa, explica que a parceria com a Embrapa foi firmada não apenas visando à neutralização do carbono, mas à garantia de originação do alimento e a um produto livre de desmatamento.
“Minha expectativa é que num espaço de poucos meses esse consumidor comece a aprender o que é a carne carbono neutro.” Ele diz que o preço da carne na gôndola é intermediário, ficando entre os valores da carne premium e da convencional.
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O Grupo Pão de Açúcar (GPA) de supermercados também é parceiro da iniciativa para a distribuição da nova linha de carne. Segundo as empresas, o produto está disponível em dez lojas da rede do GPA em São Paullo.
A oferta da carne sustentável deve ser expandida à medida que novos parceiros da cadeia produtiva se conectem à iniciativa e a partir da entrada de novos produtores interessados em certificar a produção. A Fazenda Santa Vergínia, por enquanto, é a única fornecedora, mas projeta elevar seus embarques para 3 mil cabeças em 2021 e 5 mil cabeças em 2022.
*Publicado originalmente na edição 420 de Globo Rural (Outubro/2020)