Analistas afirmam que crise sem precedentes na história não possui solução de curto prazo e aconselham revisão de práticas no campo.
O produtor rural Marcos Dal Bello, de 39anos, que cultiva 120 hectares em Passo Fundo (RS), está bem longe do trágico cenário da guerra entre Rússia e Ucrânia, mas sente os impactos que o conflito provocou no mercado global de fertilizantes. É que Rússia e Bielorrússia, países aliados no confronto e responsáveis por 25% das importações brasileiras de fertilizantes, em março suspenderam suas exportações da matéria-prima.
Dal Bello cultivou no verão 120 hectares de soja e está prestes a iniciar o plantio de inverno sem ainda ter comprado o fertilizante. Ele lembra que, no final do primeiro trimestre do ano passado, já havia adquirido todo o adubo que seria utilizado ao longo do ano, quando pagou R$ 3.800 a tonelada. Em meados de março, a tonelada estava cotada a R$ 6 mil.
Sem ter o fertilizante em estoque, DalBello não quer arriscar no aumento da área de trigo, para aproveitar a forte alta de preços, também provocada pela escalada da guerra, uma vez que os dois países em conflito respondem por 30% de todo o cereal comercializado no mundo. Ele diz que vai plantar 70% de triticale e 30% de trigo. A escolha pelo triticale, utilizado na ração animal, se deve ao fato de ser uma lavoura menos exigente em adubação e ter seu preço atrelado ao do milho, cuja produção sofreu uma forte quebra, por causa da estiagem que assolou o Rio Grande do Sul.
A SLC Agrícola, um dos gigantes do agro brasileiro, com 675 mil hectares cultivados, em 22 unidades de produção em sete Estados, não foi pega no contra-pé, pois já comprou 83% do fertilizante que será entregue ao longo do ano. Aurélio Pavinato, diretor-presidente da companhia, explica que o nutriente de que o mundo mais depende dos dois países é o potássio, pois juntos respondem por 36% da produção mundial, e isso representa 40% das exportações mundiais.
O Brasil importa quase todo o potássio que consome e, na avaliação de Aurélio Pavinato, o mercado doméstico está relativamente bem abastecido, com alternativas de comprar do Canadá, que é o principal fornecedor mundial, além de Israel e da Espanha. O Chile, que estava fora do mercado, deve voltar. “Esse é o nutriente que mais pesa”, diz ele.
Visão estratégica
A exemplo da SLC Agrícola, que tem uma política de gestão de riscos, mais do que nunca os agricultores brasileiros terão de traçar estratégias para garantir a rentabilidade da safra 2022/2023. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem a receita e recomenda atenção ao manejo eficiente do solo, para economizar no uso do fertilizante.
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Em abril, a Embrapa inicia a Caravana FertBrasil, quando técnicos serão enviados para 30 polos agrícolas, cobrindo 90% da área plantada do país. A iniciativa, que será realizada até abril de 2023, levará conhecimento sobre a correta avaliação do soloe a dosagem necessária de adubo, com o objetivo de elevar a eficiência do produto, em média, em 10%.
José Carlos Polidoro, pesquisador da Embrapa Solos, sediada no Rio de Janeiro, avalia que os fertilizantes usados hoje chegam a ter eficiência de até 60% e, a partir da iniciativa, a ideia é elevar para 70%. “Isso significa uma economia de 10% em fertilizantes. Ou se usa menos e se mantém a produtividade, ou você usa a mesma quantidade e aumenta a produtividade melhorando a eficiência”, explica o pesquisador.
O conflito no Leste Europeu só acentuou a dependência das importações, não só dos fertilizantes como de outros insumos agrícolas, que ja vinham enfrentando problemas desde o ano passado, por causa dos entraves logísticos provocados pela pandemia de Covid-19. Diante do alerta do agro, em março o governo federal lançou o Plano Nacional de Fertilizantes, que não prevê investimentos diretos do governo, e sim de ações como a redução de impostos e linhas de financiamento para atrair novos investimentos em pesquisa, produção e processamento da matéria-prima.
O diretor executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Matérias-Primas de Fertilizantes (Sinprifert), Bernardo Silva, calcula que serão necessários R$ 126 bilhões para atingir a meta de redução da dependência de importação da matéria-prima estabelecida no plano, dos atuais 85% para 45% em 2050.
Uma das causas do aumento da dependência apontadas pelo Sinprefert é a isenção de impostos sobre o insumo importado, adotada a partir de 1997, que reduz a competitividade da indústria nacional, que hoje opera com 50% de sua capacidade ociosa. A demanda por fertilizantes no Brasil cresce 4% ao ano, o dobro da taxa mundial. O país é o quarto maior consumidor do mundo e responde por apenas 2% da produção global, ocupando a décima posição entre os maiores produtores.
Os dados da Associação para a Difusão de Adubo (Anda) mostram que as entregas de fertilizantes ao consumidor final brasileiro cresceram 62% nos últimos dez anos e atingiram o recorde de 45,8 milhões de toneladas no ano passado. A produção nacional recuou 29%, para 6,99 milhõesde toneladas, enquanto as importações cresceram 97%, para 39,2 milhões de toneladas. De acordo com a Associação Internacional de Fertilizantes, para atender às necessidades brasileiras de NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), os chamados macronutrientes, foi necessário importar 95% de todo o nutriente potássico consumido, 80% dos nitrogenados e 55% dos fosfatados.
Aumento de área
Especialistas consultados pela Globo Rural observam que o forte crescimento da demanda está atrelado ao avanço da área plantada, principalmente de soja e milho. Mesmo antes da guerra, o produtor rural já sentia no bolso os reflexos da turbulência no mercado mundial de insumos. Em fevereiro de 2021, eram necessárias 14 sacas de soja para comprar 1 tonelada de fertilizante. No início de 2022, o produtor precisava de 25 sacas para o mesmo volume.
Na avaliação de Reginaldo Minaré, diretor técnico adjunto da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), “o problema é complexo e não possui solução doméstica a curto prazo”. Daí que a solução passa por ampliar a produção nacional, mas também estimular práticas que reduzam o desperdício no uso do fertilizante. Segundo ele,cabe às autoridades acelerar a solução desse obstáculo, velho conhecido da agricultura brasileira, especialmente usando a força de trabalho dos canais diplomáticos.
Para Geraldo de Camargo Barros, coordenador científico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP), as cotações das commodities agropecuárias deverão permanecer mais próximas dos níveis do período de 2010-2015. “Algo semelhante parece ocorrer com os agroquímicos, cujos preços também voltaram, no decorrer de 2021, aos elevados níveis de 2010”, avalia Barros.
Marcelo Mello, analista da consultoria StoneX, não acredita que a crise de fertilizantes possa “travar” a safra 2022/2023, embora os preços internacionais do complexo NPK tenham subido em 2021. “O potássio chegou a subir 300%, em consequência das sanções econômicas impostas à Bielorrússia, principal produtor desse macronutriente”, alerta o analista. O país é responsável por cerca de 20% da produção mundial de cloreto de potássio.
Na avaliação do especialista da StoneX, apesar dos esforços que o país tem feito, reduzir a dependência externa não será nada fácil. “Temos minas de potássio em Sergipe e no Amazonas. Jazidas de fósforo em Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, porém, a exploração dessas reservas é limitada, em função da legislação ambiental, e, em alguns casos, pela qualidade da matéria-prima”.
Marcelo Mello diz que um produto que funciona como paliativo é o inoculante Biomaphos, desenvolvido pela Embrapa, que propicia uma melhor absorção do fósforo pelas plantas. “Esse é um exemplo concreto de esforço para minimizar a dependência”, diz ele.
Boas práticas
É o tipo de expediente recomendado por Fernando Lamas, da Embrapa Agropecuária Oeste, para quem é preciso se contrapor à subida dos custos de produção, que cada vez mais ameaçam o agronegócio brasileiro. Na opinião do pesquisador da Embrapa, melhorar a eficiência no uso dos insumos agrícolas (fertilizantes, sementes, inseticidas, fungicidas e herbicidas) será cada vez mais relevante para a sustentabilidade da atividade.
Um exemplo de boa prática é o uso de plantas de cobertura que auxiliem no controle de plantas daninhas e, consequentemente, reduzam os gastos com herbicidas. Elas também contribuem para melhorar os aspectos físicos, químicos e biológicos do solo, o que reforça a eficiência dos fertilizantes.
Também será preciso rever as práticas de uso dos fertilizantes e agrotóxicos, já que o desperdício de insumoschega a 40%, segundo estima Bruno Vizioli, técnico da Federação da Agricultura e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Paraná (Faep-Senar). A chamada agricultura de precisão, diz ele, seria uma das boas alternativas a serem utilizadas para evitar o desperdício.
“O país conta com alguns movimentos para o uso racional de fertilizantes e de agrotóxicos para assegurar a qualidade do produto e a eficiência das aplicações”, diz o técnicoparanaense. Bruno Vizioli cita diversas técnicas que aliam maior produtividade e redução de custos,como uso de cultivares resistentes a doenças e pragas, manejo correto do solo e utilização de refúgios. “Seria o lado positivo do contexto atual. Irá pressionar o produtora buscar alternativas e tecnologias para driblar os problemas de fornecimento e da alta de preços”, afirma.
Na avaliação de Vizioli, a crise atual é difícil de entender, inclusive para especialistas como ele. “Em nenhum momento da história nacional recente houve uma crise tão grande na agricultura. Isso chama a atenção e faz com que os especialistas sejam cautelosos em analisar, pois não há precedentes.”
Preocupados com o disparo dos preços, técnicos e instituições da área alertam para a necessidade de respostas rápidas. “É preciso produzir mais no Brasil e facilitar a entrada, o fluxo e a circulação dessas importações”, afirma Ricardo Tortorella, diretor executivo da Anda.
Fonte: Globo Rural