Em 2023, a União Europeia foi o segundo maior destino das exportações de produtos agropecuários brasileiros, somando US$ 21,57 bilhões.
Café, carne bovina e soja são alguns dos produtos na mira da lei europeia antidesmatamento, conhecida também pela sigla EUDR. Em 2023, a União Europeia foi o segundo maior destino das exportações de produtos agropecuários brasileiros, somando US$ 21,57 bilhões. No entanto, esse cenário pode mudar com a proximidade das exigências da EUDR.
O Agro Estadão entrevistou a professora da Trevisan Escola de Negócios e especialista em Direito Ambiental, Daniela Stump. Ela, que também é advogada da DCLC Advogados, aponta que ainda há desafios para que a legislação seja colocada em prática e destaca que o produtor precisa estar atento às possíveis mudanças que ela pode provocar.
O que é a EUDR?
A sigla vem de European Union Deforestation-Free Regulation (Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento) e é uma regulação que abrange os países participantes da União Europeia. Criada em 2023, essa normativa faz parte do Pacto Ecológico Europeu, que corresponde a um pacote de medidas para tornar o velho continente menos emissor de carbono.
No caso da EUDR, ela está associada a sete commodities em que o objetivo é assegurar que esses produtos importados pelos europeus não sejam oriundos de áreas desmatadas em seus países de origem. “Essencialmente, esse regulamento europeu proíbe a colocação no mercado europeu de produtos e derivados vindos de áreas que tenham desmatado a partir de 31 de dezembro de 2020, mas não só isso. Esse regulamento também exige que o produtor cumpra com legislação local relevante”, explica a especialista.
A legislação começa a valer a partir de 1º de janeiro de 2025. Recentemente, o Brasil entregou uma carta ao comissário europeu para Agricultura, Janusz Wojciechowski, pedindo uma reavaliação urgente.
Quais produtos serão regulados pela EUDR?
Ao todo são sete commodities e cada uma tem uma lista de produtos derivados que também terão que seguir a EUDR para serem comercializados nos países do bloco europeu. O Agro Estadão separou as commodities e alguns exemplos de derivados.
- Bovinos: animais vivos, carnes e couro.
- Cacau: pasta de cacau, manteiga, cacau em pó e chocolate.
- Café: grãos, café torrado ou descafeinado.
- Palma/Dendê: nozes e amêndoas de palma, óleos de palma ou de dendê.
- Borracha: borracha natural em todas as formas, fios e cordas de borracha vulcanizadas e câmara de ar de borracha.
- Soja: óleo de soja, farelo e bagaço de soja.
- Madeira: lenha de qualquer forma, madeira serrada ou fatiada, painéis de fibra de madeira, molduras para fotos e quadros, caixotes, livros e jornais de papel.
Características da lei antidesmatamento
Segundo a especialista, é importante estar atento há alguns pontos da lei que às vezes não são citados.
- Para toda a cadeia produtiva: a medida tem que ser observada em toda a cadeia, ou seja, no caso da carne bovina, a fazenda que fez a cria e recria e a fazenda que fez a engorda ambas terão que comprovar a regularidade. O mesmo vale para a soja, as propriedades multiplicadoras – que fazem as sementes para vender para outros plantarem –- e as propriedades de plantio final também terão que seguir as regras e comprovar.
- Comprovação de regras extra desmatamento: além da questão ambiental, a norma europeia também determina que seja comprovada aspectos de regulação local, como Direitos Humanos e práticas anticorrupção. Por exemplo, serão exigidas a comprovação do cumprimento das regras trabalhistas e também a regularidade do pagamento de impostos.
- Desmatamento: o regulamento também não diferencia desmatamento legal e ilegal. Isso quer dizer que mesmo as propriedades que tenham desmatado legalmente conforme o Código Florestal Brasileiro não poderão exportar os produtos para a Europa se tiverem desmatado a partir de 2021.
- Cada país terá sua própria legislação para assegurar aplicação: apesar da EUDR ser de abrangência para os membros, cada país membro poderá ter entendimentos diferentes da regulamentação e por isso cada um pode expedir leis próprias para garantir que a regulação europeia seja cumprida. Isto quer dizer que mesmo seguindo a regra geral, será preciso observar o destino europeu, já que cada país terá o seu entendimento sobre a EUDR.
Quem vai cobrar as regras?
Como explica Stump, quem vai submeter a apresentação e as comprovações de regularidade são os operadores europeus, que são as empresas que fazem a importação do produto para a Europa. Eles são quem irão cobrar isso dos fornecedores e o efeito deve ser em cascata.
O operador apresenta uma declaração de due diligence, uma espécie de auditoria, em que assegura que as normas foram cumpridas. Para isso, o operador irá cobrar dos exportadores os documentos necessários para fazer essa declaração. No entanto, um dos pontos que ainda causam insegurança é sobre quais documentos serão exigidos, já que a EUDR não detalha isso.
“Cada vez que o produto entra no porto vai precisar ter uma submissão de due diligence. O sistema vai ser eletrônico e a cada carga vai ser emitido um token de referência, que vai seguir nesta carga dentro da Europa. Então, quer dizer, é um custo”, lembra a professora.
Pontos de atenção para o produtor rural
Além das questões burocráticas de adequação da nova legislação europeia, o produtor rural deve também estar atento a questões relacionadas à operacionalização do negócio.
Rastreabilidade
Entender de onde veio o produto e até mesmo os insumos consumidos na produção vai ser importante para o produtor. Além disso, ele também terá que articular formas de garantir que seu produto seja rastreável para a comprovação do que é exigido pela União Europeia.
Armazenamento e logística
Imagine que um produtor de soja vai negociar parte da produção com destino à Europa e a outra parte com países de outros continentes. Ele vai precisar fazer ajustes na colheita e armazenagem deste produto para demonstrar a origem desse produto. Além disso, há casos específicos em que o produtor pode ter parte da área em conformidade com as regras europeias e parte não.
Dicas para o produtor se preparar
A advogada e professora também elenca algumas dicas para os produtores já se organizarem, especialmente, aqueles que têm os produtos exportados para a Europa ou que pretendem exportar para lá:
- Fazer um mapeamento das áreas produtoras e livres de desmatamento posterior a 2020;
- Organização de dados e documentos para comprovar as regularidades;
- Fazer um diálogo com os elos da cadeia e entender o que o comprador vai pedir de informação e documentação para demonstrar essa regularidade ;
- Buscar apoio das associações representativas seja a nível regional ou nacional.
EUDR e o aumento de custos
Um dos questionamentos que ronda essa legislação é a questão do aumento de custos, já que serão necessários incorporar processos que antes não eram necessários. “Certamente teremos um aumento de custo por conta dessa necessidade de rastrear a cadeia inteira”, indica Stump.
Outro ponto é se os europeus estão dispostos a pagar mais pelos produtos. Como a normativa vale para países de fora do bloco, há uma preocupação de que países menos desenvolvidos no setor agropecuário enfrentem dificuldades para se adaptarem às regras. O efeito imediato seria um desabastecimento e, consequentemente, uma elevação dos preços para os europeus.
“Eu acho que o produto vai ficar mais caro. O consumidor europeu vem demonstrando preocupação com as situações ambientais, mas não sei se na prática, se faltar produto, como a União Europeia vai reagir. […] É um risco sim de desabastecimento”, comenta a especialista.
Fonte: Agro Estadão
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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