Estrada boiadeira: os Barões da engorda de gado no país

Conheça as histórias dos empresários que transformaram a região cortada pela rodovia GO-164, no Vale do rio Araguaia, em Goiás, em um dos mais ricos polos de engorda de gado do País.

Comitiva em ação: gado da Estrada do Boi é levado de uma fazenda para outra, em busca de pasto verde Meio-dia. O sol a pino brilha e queima o lombo da boiada e a pele enrijecida dos peões de uma comitiva que leva o gado de uma fazenda para outra em busca de pasto verde.

Em novembro, o início da estação das águas no Vale do Rio Araguaia traz de volta a vegetação exuberante, a farta comida para o gado que a natureza tratou de esconder no período seco do ano e uma movimentação buliçosa de tropeiros, caminhões e camionetes levando e trazendo gado e gente pela Estrada do Boi, a rodovia GO-164, na região noroeste do Estado de Goiás. São 380 quilômetros a partir do município de Goiás Velho – primeira capital do Estado, fundada em 1727, e hoje cidade histórica -, subindo quase em linha reta até chegar à divisa com o Tocantins.

Por quatro dias, a revista andou pela Estrada do Boi para contar um pouco da história desse pedaço do País que tem como principal protagonista um personagem movido a quatro patas e uma boca, o boi, “a máquina brasileira de produzir carne”.

Foram 1.200 quilômetros percorridos a partir da capital Goiânia, por fazendas de cria, engorda e produção de genética. Nos nove municípios servidos pela estrada são criados 2,5 milhões de bovinos e vive uma população de apenas 130 mil habitantes. “A Estrada do Boi é um lugar de ‘gente das antigas’, como se diz no interior do Brasil sobre os pioneiros que desbravaram o sertão, mas também de gente nova e com disposição para investir”, afirma o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO).

Os novos investidores querem participar de um mercado que é dono do terceiro maior rebanho de gado de corte do País, com 20,8 milhões de animais. Goiás está atrás, apenas, de Mato Grosso, com 27,4 milhões de animais, e de Mato Grosso do Sul, com 22,3 milhões. No preço da arroba do boi gordo, o Estado tem registrado as mais altas taxas de crescimento no País nos últimos três anos. As cotações têm crescido anualmente a uma média de 7%, descontada a inflação, segundo os dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP) de Piracicaba, no interior paulista.

Em geral, no pico da entressafra do boi, que acontece nos meses de outubro e novembro, o preço da arroba chega ao máximo no ano. “Ainda há espaço para preços mais elevados porque vai faltar boi e os frigoríficos terão que pagar mais pela arroba”, diz José Mário Schreiner, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faeg), em Goiânia.

Fábrica de comida: a estrutura da fazenda Conforto foi projetada para alimentar um rebanho de 72 mil animais em confinamento

Foto Divulgação

No grupo dos novos fazendeiros do Vale do Rio Araguaia está Alexandre Funari Negrão, da fazenda Conforto, em Nova Crixás, hoje o maior confinador de gado do País em uma única fazenda. Negrão, ou Xandy Negrão como é conhecido, aos 58 anos, é um bem-sucedido empresário e piloto de corrida de carros na fórmula GT Brasil. Como empreendedor, fez do laboratório Medley a terceira maior empresa farmacêutica brasileira, vendida em 2009 para os franceses da Sanofi- Aventis por R$ 1,5 bilhão. Como piloto, é um dos favoritos a sagrar-se campeão da categoria GT neste mês de dezembro, no autódromo de Interlagos, em São Paulo, correndo com uma Lamborghini Gallardo, ao lado de Maseratis, Ferraris e Corvettes.

Já no campo, Negrão transformou a fazenda Conforto em uma empresa que engorda gado o ano inteiro, uma raridade entre os pecuaristas no País. Em geral, o gado é confinado apenas no período seco do ano, entre julho e novembro. Em 2011, Negrão está terminando em confinamento 72 mil animais e deve faturar R$ 120 milhões. Hoje, a Conforto é a maior fornecedora de gado para o Grupo JBS. A fazenda de 12 mil hectares tem um estoque de gado de 53.800 animais, com compra permanente de bezerros e venda de bois. Para alojar todo o gado, além da área própria, Negrão arrenda mais 20 mil hectares de pastos.

“A estrutura gigantesca para transformar bezerros em bois foi pensada para ser uma fábrica de produtos que o frigorífico quer”, diz Negrão. Quem vê tanta eficiência não imagina que até os 30 anos de idade ele só havia ido ao campo em raras ocasiões. “Minha história mudou de tanto ser convidado por amigos para fins de semana em fazendas”, lembra. “Quando decidi ser produtor de gado corri o País em busca de um lugar em que me sentisse em casa.” Segundo ele, acabou encontrando a terra dos seus sonhos em 1995.

“Quando sobrevoei o araguaia, soube no mesmo instante que o vale era o meu lugar”. Xandy negrão, da fazenda Conforto

Não muito longe da fazenda Conforto, também em Nova Crixás, o principal polo econômico da região, está a fazenda Favorita, outra propriedade que pertence à nova geração de pecuaristas da Estrada do Boi. A Favorita foi comprada há um ano por Francisco Quagliato Filho, o Kiko Ranchi, 45 anos, por ter um confinamento para engordar 25 mil animais por safra. Ranchi é um amante da cultura texana e vai imprimindo seu ritmo nos negócios.

“Os americanos são práticos e pensam na rapidez dos processos”, diz. “Isso me atrai muito.” Por isso, nem pense em encontrá- lo a bordo de uma camionete ou no lombo de um cavalo. Para vistoriar o pasto e a boiada, ele prefere um bom quadriciclo. E já fez escola: na fazenda Favorita até o gerente do gado já aposentou o cavalo. Ranchi é neto de Orlando Quagliato, agricultor que na década de 1950 fundou a usina São Luiz em Ourinhos, no interior paulista, para produzir açúcar e etanol, e na década de 1970 começou a criar gado no Pará, numa época em que ter um rebanho de 20 mil cabeças era negócio privativo de milionário. Hoje, o grupo possui mais de 200 mil animais no Pará.

Ranchi foi para a Estrada do Boi em 1997 para tomar conta de uma fazenda que era de seu pai desde 1969. Hoje, dono de cinco fazendas, ele arrenda outras 13 na região e tem um rebanho de 30 mil animais. Segundo ele, o Vale do Rio Araguaia não é para principiantes. “A seca na região é tão crítica que quem vem aqui em setembro nunca mais volta”, diz. “O capim amarela, fica retorcido e vira palha. Não se vê um único galho verde na paisagem.” Ranchi diz que o confinamento da fazenda Favorita vai servir para minimizar os transtornos provocados pela falta de comida no inverno. “Se faltar pasto, confino. Caso contrário, todo o gado fica no campo.”

“Os americanos são práticos e pensam na rapidez dos processos. isso me atrai muito”. Kiko Ranchi, da fazenda Favorita

Foi a vegetação verde e rasteira do período das águas no Vale do Rio Araguaia que atraiu os primeiros pecuaristas, no começo do século passado, a se aventurar na região que viria a ser conhecida como a Estrada do Boi. Apesar de os confinamentos nela localizados engordarem cerca de 150 mil animais por ano, a regra para a maior parte do gado é a criação e a engorda a pasto. Os bovinos são quase todos da raça nelore, anelorados ou cruzados de nelore com outra raça. “No passado, engordar bois em grandes extensões de terra e de forma quase extrativista era regra em todo o País e não apenas no Araguaia”, diz o deputado Caiado. “Meu avô, que nasceu em Goiás Velho, já criava gado no Vale desde 1911, na fazenda Mate das Laranjeiras.” A família de Caiado chegou a ter 190 mil hectares de terras no Araguaia.

Atualmente, Caiado diz que está mais para a política, mas mantém três fazendas na região onde engorda entre três e cinco mil animais por ano, dependendo das condições das pastagens. Também mantém até hoje seu título de eleitor em Nova Crixás, município de 11 mil habitantes e 700 mil bovinos. Com esse plantel, Nova Crixás tem o maior rebanho de Goiás e está entre os dez maiores do País.

Em 1999, pensando na industrialização da região da Estrada do Boi, Caiado convenceu o governo e então controladores do frigorífico Bertin, que atualmente pertence ao Grupo JBS, a construir uma unidade industrial em Mozarlândia. Até hoje, é o maior frigorífico do noroeste do Estado, com abate diário de dois mil animais. Também estão na região os frigoríficos Marfrig, Minerva e Rodopa, todos grandes exportadores de carne.

“O gado não precisa sair vivo da região porque, ao abater e transportar a carne, a pecuária agrega mais valor e movimenta a economia local”, diz Caiado. Mas nem sempre foi assim. Caiado conta que escutava do avô histórias de comitivas de gado que saiam da cidade de Goiás Velho e demoravam 20 dias para chegar em Barretos, no interior de São Paulo, onde estavam sediados os grandes frigoríficos exportadores entre os anos 1950 e 1970, como o Bordon e Anglo. “Eram mais de 1.200 quilômetros percorridos em lombo de burro, tocando a boiada.”

Até o princípio da década de 1970, a Estrada do Boi, como os moradores da região a conhecem hoje, era apenas um sonho. Quem saía de Goiânia com destino ao noroeste do Estado percorria estradas que passavam de fazenda em fazenda, jamais em linha reta e raramente pelo caminho mais curto. “As estradas, até essa época, tinham o traçado das picadas abertas na mata pelos pioneiros que chegaram à região”, diz Olavo de Castro, da fazenda Serra Negra, ele próprio um desses pioneiros. Castro, hoje com 88 anos, chegou à região de Nova Crixás na década de 1940.

“Íamos a Goiás Velho levar gado e na volta trazíamos sal e querosene”, diz. “Só sabíamos o dia da partida. Pelo caminho tinha sempre uma ponte caída que a gente consertava ou muito atoleiro e rios transbordando.” Na época, a viagem durava até uma semana. Com a construção da estrada, que levou uma década para ser aberta e pavimentada, o trecho de 230 quilômetros entre Goiás Velho e Nova Crixás é percorrido em pouco mais de três horas.

Adir do Carmo Leonel e o filho Paulo Leonel, da fazenda Barreira Grande, mantêm intacto, em sua propriedade, um trecho da antiga estrada, exatamente como era até a década de 1970. “Meu pai chegou em Nova Crixás em 1978, já com a estrada nova. Eu vim morar na fazenda aos 16 anos”, diz Paulo, hoje com 47 anos. Ele se recorda que a luz elétrica só chegou na década de 1990.

“Lembro que a compra da primeira geladeira foi um acontecimento”, diz. O rebanho da família Leonel é formado por 13 mil animais, criados em duas fazendas próprias e 11 arrendadas. Mas, ao contrário da grande maioria das fazendas da região que se dedicam a engordar bois, Adir e Paulo fazem seleção de gado nelore para melhorar a genética animal. Eles venderam 80 touros em um leilão disputadíssimo, que acontece todos os anos, em novembro. O leilão atrai pecuaristas de todo o Vale do Rio Araguaia, interessados em melhorar a produção de bezerros. O criador Osmar Pereira de Barros, da fazenda Anna Maria, em São Miguel do Araguaia, é um deles. Barros, empresário do ramo imobiliário na região de São Carlos, no interior paulista, chegou ao Araguaia em 2001 e comprou a fazenda que hoje conta com três mil fêmeas nelore. “Sempre que preciso de touros vou ao leilão do Adir”, diz Barros. “É lá que estão os melhores animais da região.”

Neste ano, os touros vendidos por Leonel saíram pela média de R$ 6.700 cada um. Mas a procura por animais de genética superior tem crescido na região e os animais top de seleção começam a se despregar dessa média de preço. Em outubro, durante um dia de campo na fazenda Barreira Grande, Leonel vendeu seis bezerros por valores acima dos R$ 40 mil cada um.

“Estamos em busca do touro perfeito para produzir bezerros”, diz Adir. “Há 33 anos, desde que chegamos no Araguaia, toda vaca que emagrece demais na seca a gente descarta porque ela não serve para ser mãe de touro.” Ele diz manter para a reprodução apenas animais que suportam o calor e a seca da Estrada do Boi. “Quem vive de pecuária não pode perder as oportunidades que Deus dá”, diz Adir.

Com informações da Dinheiro Rural

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