Entenda por que o Rio Grande do Sul inundou

Fernando Mainardi Fan, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS e especialista em previsão de vazões e hidrologia, destaca que “alguns locais receberam 60% do esperado para o ano todo em apenas uma semana”; entenda o motivo da inundação

Desde a semana passada, diversas regiões do Rio Grande do Sul têm enfrentado alagamentos severos, deixando cidades inteiras debaixo d’água. Essas inundações são resultado da quantidade significativa de chuva que vem caindo no Estado desde o dia 27, influenciada pelo fenômeno climático El Niño, e também são uma das consequências das mudanças climáticas globais.

O volume de chuva observado em algumas áreas equivale ao esperado para seis meses. Fernando Mainardi Fan, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS e especialista em previsão de vazões e hidrologia, destaca que “alguns locais receberam 60% do esperado para o ano todo em apenas uma semana“. Cidades como Porto Alegre foram gravemente afetadas, com a cheia do Rio Guaíba inundando parte da capital.

Em municípios como Caxias do Sul, já choveu mais do que o esperado para todo o mês. Esse cenário é explicado não apenas pelo El Niño, que aquece anormalmente as águas do oceano Pacífico, mas também por um “anticiclone” que cria um bloqueio atmosférico sobre a região, explica a meteorologista Andrea Ramos, do Inmet. Esse fenômeno impede a entrada de sistemas meteorológicos em outras áreas, concentrando a umidade sobre o Rio Grande do Sul.

Andrea explica ainda que uma área de baixa pressão chamada “Baixa do Chaco“, próxima do Paraguai e da Argentina, contribui para o aumento das chuvas. A combinação desses fatores, como a frente fria associada a cavados e o canal de umidade da Amazônia, mantém a chuva frequente no estado. A previsão é que as chuvas continuem até o fim da semana, mas com menor intensidade.

Impacto gigantesco

Mais de 78% dos municípios gaúchos foram impactados pelas chuvas
Foto: Amanda Perobelli

As enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul continuam a causar estragos significativos em várias cidades gaúchas. Imagens do satélite Sentinel-2 revelam a extensão da devastação provocada pela chuva na capital, Porto Alegre, e em municípios da região metropolitana e do interior. O Beira-Rio, estádio do Internacional, e a Arena do Grêmio estão submersos, assim como grande parte dos bairros de Canoas e Eldorado do Sul, demonstrando a abrangência dos danos causados pelas enchentes.

A situação já crítica pode se agravar nos próximos dias devido à formação de um ciclone extratropical, previsto para trazer mais chuvas ao estado. A instabilidade está associada a uma frente fria que deve cruzar o Rio Grande do Sul entre hoje e amanhã, alimentando o potencial de precipitação. Essa perspectiva meteorológica aumenta as preocupações em relação aos esforços de recuperação e resgate em andamento.

Os números da tragédia são alarmantes. O balanço divulgado pela Defesa Civil indica que o número de mortes confirmadas aumentou para 95, com 131 pessoas ainda desaparecidas e 372 feridas. Mais de 1,4 milhão de pessoas foram afetadas, das quais 159 mil estão desalojadas e quase 50 mil estão em abrigos temporários. A devastação afetou 401 municípios gaúchos, o que representa quase 80% do estado. Comparado com as chuvas de setembro do ano passado, que deixaram 54 mortos, o impacto atual é cerca de quatro vezes maior, evidenciando a gravidade da situação.

Animais desabrigados

Animais no Rio Grande do Sul
Imagem: Reprodução

Até a segunda-feira (6), quase 6.000 animais foram resgatados com vida por equipes do poder público, voluntários e organizações não governamentais em uma mobilização sem precedentes. Segundo informações do governo do estado, 5.432 animais foram socorridos pela Brigada Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros em diversos municípios gaúchos. Adicionalmente, a organização não governamental GRAD (Grupo de Resposta a Animais em Desastres) resgatou outros 214 na região metropolitana de Porto Alegre.

Esses números, por si só, refletem uma realidade de sofrimento e agonia enfrentada pelos animais durante as inundações. Muitos deles foram encontrados presos em telhados de casas, agarrados em árvores ou lutando para sobreviver em meio às águas. Relatos como o da coordenadora da GRAD, Carla Sássi, descrevem a cena desoladora de “muitos animais na pontinha do telhado, na janela, nadando incansavelmente”.

O desafio do resgate, porém, não termina com a retirada dos animais de situações perigosas. As organizações enfrentam agora a sobrecarga de cuidar desses animais resgatados. A ONG Campo Bom Para Cachorro, por exemplo, que resgatou 80 cachorros de áreas alagadas, já está com sua capacidade máxima atingida e apela por ajuda nas redes sociais para acolher temporariamente mais animais perdidos.

Além disso, a preocupação com a falta de espaço e recursos é acompanhada pela falta de infraestrutura básica nas áreas atingidas. A energia elétrica e os serviços de telefonia foram interrompidos em muitos pontos, dificultando a comunicação e o transporte de recursos. Porém, a atuação incansável de voluntários e equipes de resgate é um ponto de esperança em meio ao caos.

Desde o início das chuvas, a solidariedade tem sido a força motriz por trás dos esforços de resgate e assistência. A Polícia Militar de Santa Catarina, por exemplo, enviou equipes para auxiliar tanto nas operações de resgate de pessoas quanto de animais, destacando o comprometimento com a vida em todas as suas formas.

Proposta de reconstrução estadual

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que os ministérios têm até sexta-feira para apresentar ao presidente Lula propostas destinadas a reconstruir o Rio Grande do Sul após as recentes enchentes. Essas medidas visam a decretar o estado de calamidade e permitir a liberação de créditos extraordinários para a saúde, educação e outras necessidades emergenciais.

Haddad detalhou que as ações abrangem quatro frentes principais: a renegociação da dívida do estado, a abertura de linhas de crédito subsidiado, a revisão da tributação das empresas gaúchas e um pacto com bancos para renegociar dívidas. Estas propostas visam fornecer apoio financeiro e estrutural para a recuperação do estado.

Além das iniciativas econômicas, a preocupação com as consequências das enchentes também envolve questões ligadas à taxa básica de juros e aos preços dos alimentos. Haddad destacou a necessidade de uma transição complexa entre o governo e o Banco Central, assim como a preocupação de Lula com o impacto dos preços dos alimentos e a importância da isenção de impostos na reforma tributária para reduzir o custo dos alimentos.

Escrito por Compre Rural.

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Juliana Freire sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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