Alta da Selic impacta na tomada de crédito e financiamentos no pré-plantio; queda na taxa de juros nos EUA beneficia compra de insumos e exportações.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu nesta quarta-feira, 18, por unanimidade, elevar a taxa Selic de 10,50% ao ano para 10,75% ao ano. É o primeiro aumento na taxa de juros desde agosto de 2022, quando a taxa subiu de 13,25% para 13,75% ao ano. Posteriormente, a Selic passou um ano nesse patamar e engatou um ciclo de cortes e duas manutenções.
No comunicado, o Comitê afirma que “entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante”. O texto diz ainda que a decisão considerou que há uma assimetria altista em seu balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação.
Entre os riscos de alta o Copom destaca:
- uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado;
- uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e
- uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada.
Utilizado como “um mecanismo” para esfriar a economia e conter o avanço da inflação, o aumento de juros foi necessário para manter as expectativas ancoradas dos agentes econômicos, avalia o professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Celso Grisi.
“A economia está sujeita às expectativas, portanto é necessário ancorá-las com uma Selic mais alta”, comenta o economista. Ele também ressalta receios em torno de um descompromisso do governo federal com problemas fiscais e gastos públicos que gera impacto sobre as expectativas de evolução dos preços, pressionando a inflação. “Claro que esse aumento é decorrente de uma política fiscal expansionista, que solicita o aumento da taxa básica de juros”, comenta Grisi.
Já o ex-economista-chefe da Febraban e sócio da Troster & Associados, Roberto Luis Troster, defende maior equilíbrio nas decisões do Copom. “Precisam saber dosar os aumentos – quando aumentar e quando manter ou até cortar. Minha posição é de que deveria ter ficado em 10,50% e se observado a evolução dos indicadores. Os indicadores de longo prazo estão mais baixos, com ou sem esse aumento da taxa de juros”, diz o economista.
Seca e incêndios
A expectativa dos agentes consultados pelo Banco Central é de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, encerre 2024 em 4,35%, conforme o Boletim Focus, divulgado semanalmente pela autarquia. O teto da meta do BC para a inflação este ano é de 4,50%.
Pressionam as expectativas sobre a inflação os efeitos da seca prolongada e dos incêndios em diversos estados brasileiros, fatores que devem fazer os preços dos alimentos subirem. “Haverá um período de redução de oferta, com ajustes nos preços dos alimentos. Os incêndios fizeram o preço internacional do açúcar subir, por exemplo”, cita Celso Grisi.
“Eles [incêndios] vão atrapalhar, sim, a produção agrícola! Queimaram a matéria orgânica que se usa na agricultura regenerativa, queimaram máquinas, implementos e instalações em muitas propriedades. Algumas vezes atingiram depósitos de armazenagem ou equipamentos de irrigação. A recomposição da infraestrutura não se faz sem aumentos de custos e de investimentos”, analisa o professor.
Efeitos da Selic sobre o agro
Essa elevação da taxa básica de juros é observada com certa apreensão pelo setor produtivo. “No agronegócio, a alta da Selic tende a impactar, especialmente no aumento do custo de contratação de crédito e financiamentos, principalmente nesse momento de pré-plantio e plantio das lavouras de verão, em que há maior necessidade de crédito para aquisição de insumos, máquinas e investimentos, podendo limitar o tamanho das áreas cultivadas e os volumes produzidos na safra 2024/25”, analisa Leonardo Marin, consultor da Markestrat Group.
Marin também chama atenção para dívidas já existentes com parcelas atreladas a juros variáveis. “O aumento dos juros pode elevar o endividamento de produtores rurais e reduzir a capacidade de novos investimentos. Outro efeito negativo é o impacto nas cadeias ligadas ao consumo interno, como as de proteínas animais (carnes, ovos e leite), cujo consumo pode ser prejudicado em razão de taxas mais altas”, diz o especialista.
Celso Grisi também ressalta a preocupação com os produtores que precisam tomar crédito após perdas no campo em decorrência do clima e das queimadas. “Juros mais altos vão inibir os investimentos privados em um momento em que a área rural já vem sofrendo, desde os últimos três anos, com as adversidades climáticas, com juros elevados e preços das principais commodities em queda, o campo está endividado”, diz o professor da USP.
Por fim, de olho no mercado externo, o consultor da Markestrat afirma que “a elevação da Selic tende a atrair capital estrangeiro, valorizando o real, o que torna as commodities agrícolas brasileiras mais caras e menos competitivas no mercado internacional, podendo prejudicar a balança comercial, principalmente do agronegócio”.
Juros menores nos EUA
E o cenário internacional teve forte influência na decisão do Copom desta quarta. De acordo com o comitê, “o ambiente externo permanece desafiador, em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed”.
Opostamente à decisão brasileira, nos Estados Unidos o Comitê Federal de Mercado Aberto do Federal Reserve, o banco central norte-americano, promoveu um corte sobre a taxa de juros do país de 0,50 ponto porcentual, que passou para uma faixa de entre 4,75% e 5,00% ao ano. Foi a primeira queda dos juros norte-americanos desde 2020.
Relação juros nos EUA x Brasil
Para Celso Grisi, a redução dos juros na economia norte-americana traz alguns benefícios para o país. “Aumenta a capacidade de consumo das famílias americanas, favorecendo nossas exportações para esse mercado. Estimula o influxo de dólar, apreciando o real e, com isso, aliviando os custos dos produtos importados”, explica o professor da USP.
Análise corroborada por Roberto Troster: “EUA baixou a taxa de juros? então fica mais rentável investir no Brasil. Sendo mais rentável, mais dólares e mais dólares a moeda perde força ante o real. E o dólar mais baixo também ajuda no controle da inflação, então, menos inflação leva a uma duração menor [ciclo de alta da Selic]”.
Fonte: Agro Estadão
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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